No mês de junho Portugal foi visitado por uma delegação da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa, que se debruçou, sobre a inclusão da comunidade cigana. O ponto do seu comunicado em que pediu às autoridades portuguesas que atuem de modo a garantir soluções duradouras de habitação segura e digna para as pessoas ciganas vivendo em condições precárias[1] foi amplamente noticiado.
Este comunicado, provavelmente muito influenciado pela visita da delegação ao Bairro das Pedreiras, em Beja, recorda-nos a precaridade das condições de vida da comunidade cigana e a urgência de combater a naturalização da existência de comunidades discriminadas e estigmatizadas.
O Conselho da Europa chamou a atenção para as questões da habitação. Mas poderia também ter-se debruçado sobre educação, o emprego ou a saúde. A ativação do Estado para promover a inclusão dos ciganos é diminuta, incoerente e intermitente.
Não devemos ser injustos para com algumas autarquias que têm um trabalho persistente de promoção da inclusão da comunidade cigana, como a de Torres Vedras. Mas também não devemos fechar os olhos quanto a que esse não é o padrão dominante nas relações entre as autarquias e a questão cigana.
O Estado central, por sua vez, continua a dar todos os sinais errados à sociedade quanto à questão cigana. A criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, em 2023 foi uma gigantesca oportunidade perdida, não apenas em relação à inclusão dos ciganos como também em relação ao combate ao racismo. O Governo optou então por manter no mesmo organismo a gestão das migrações, ou seja, o contacto da administração com os estrangeiros e o combate ao racismo, perpetuando a falsa associação entre etnias diferentes e interioridade/exterioridade face à comunidade nacional.
Acresce que, face à crise que o país vive na gestão das migrações, as questões de combate ao racismo acabam necessariamente secundarizadas numa AIMA assoberbada de trabalho.
Se dúvidas tivéssemos da perda de influência na agenda política do combate ao racismo, o estado da questão da integração da comunidade cigana desvanecê-las-ia.
Em 2013 Portugal aprovou pela primeira vez uma Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (ENICC), para durar até 2020. A estratégia foi sumariamente revista em 2018 e prolongada a sua vigência por dois anos. Em 2023 foi de novo prorrogada, desta feita até ao fim desse ano, invocando a necessidade de uma avaliação externa independente antes de aprovar uma nova estratégia. Essa avaliação foi feita, mas parece nunca ter chegado à discussão pública. Pelo menos uma pesquisa pela página da AIMA e uma pesquisa subsequente pelo google não encontraram vestígios do seu relatório ou de qualquer iniciativa de discussão dos seus resultados.
O que é certo é que Portugal é no início de julho de 2024 um país sem estratégia para a integração da comunidade cigana. Como é um país com reduzidíssima ação no combate ao racismo, à discriminação e ao ódio. A nossa inação face ao crime de ódio é, aliás, o outro tópico do comunicado resultante da visita da Comissão do Conselho da Europa.
As instituições portuguesas continuam banhadas em lusotropicalismo e embaladas pela ingénua – nas mãos de alguns, cínica - ideia de uma excecionalidade portuguesa que nos imuniza do racismo estrutural. Mas ele vive nas condições de vida das pessoas discriminadas. A precariedade social da maioria da comunidade cigana testemunha-o.
Há, contudo, sinais de esperança em que algo possa mudar. No Dia Internacional dos Ciganos, o Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, enviou uma carta às associações representativas da comunidade cigana em que disse ser fundamental a aprovação de uma nova Estratégia Nacional de Integração das Comunidades Ciganas e prometeu dialogar com essas associações para a concretizar. Veremos como passará das palavras aos atos.
[1] O comunicado do ECRI pode ser lido aqui https://www.coe.int/en/web/european-commission-against-racism-and-intolerance/-/council-of-europe-anti-racism-commission-to-prepare-report-on-portugal
Não há inqueritos válidos.