A Volta a Portugal da Solidariedade chegou esta edição ao distrito de Viana do Castelo, onde há cerca de 120 IPSS, sendo 75 associadas da UDIPSS.
Filomena Araújo, presidente da União Distrital de Viana do Castelo, identifica algumas lacunas na resposta social no distrito, em especial na área da saúde mental e da deficiência. A falta de capacidade de resposta das instituições, que estão lotadas, ou a inexistência de algumas agrava a situação num distrito considerado esmagadoramente um território de baixa densidade.
Outra questão que tem preocupado as instituições do distrito, mas não só, é o financiamento das respostas atípicas.
“Prende-se com os pagamentos extraordinários atribuídos em 2022 e 2023 e há várias instituições que ainda não receberam os de 2022. Houve um erro da parte informática em Lisboa e não conseguem resolver o problema. Sei de uma instituição que já foi para o Supremo Tribunal, porque isto é ridículo”, lamenta, acrescentando: “Fizeram mal os cálculos e, passado ano e meio, ainda não acertaram as contas. E para instituições pequenas, ter esse dinheiro fora faz muita diferença! Os acordos atípicos são atípicos por algum motivo e eles olharam para isto como se fosse o típico e, agora, para, em Lisboa, fazerem essa correção está a ser complicadíssimo”.
SOLIDARIEDADE - Que retrato podemos traçar das IPSS no distrito de Viana do Castelo?
FILOMENA BORDALO - Ainda há muito trabalho para fazer naquilo que concerne a uma gestão mais profissionalizada de algumas IPSS, principalmente, porque temos um problema grande no distrito. Ainda não fiz essa conta, mas cerca de 80% das nossas IPSS são de inspiração canónica e, como sabe, a legislação refere que nessa situação o padre é sempre o presidente, quer tenha ou não tenha perfil, quer queira ou não queira. Realmente, hoje em dia, a gestão das organizações tem de ser cada vez mais profissionalizada. As pessoas têm de dominar muitas matérias, não chega sermos voluntários, temos que nos preparar mesmo como voluntários, porque essa função é muito exigente nos dias que correm. Trabalho nesta área há 34 anos e o que era nessa altura não é hoje. Hoje temos de ter mais conhecimento sobre as matérias e, cada vez mais, dominar a área da gestão, para trazer essas mais-valias que o sector empresarial tem e que podem ser uma vantagem na organização e no funcionamento das nossas IPSS. Isto sem alterar a nossa missão que é apoiar aqueles que mais precisam. Uma coisa não é contraditória da outra. Ou seja, quanto melhor gerirmos uma instituição, mais capacidade temos de apoiar eficazmente as pessoas. Agora, enquanto muitas direções não perceberem isso, continuamos a ter realmente instituições com fragilidades. Tivemos, por exemplo, há pouco tempo, uma instituição que encerrou aqui no distrito, ligada à área dos idosos… É preciso uma gestão muito apertada e ter a noção do que se está a fazer e como e quais os riscos que se correm com determinadas respostas sociais, pois há respostas sociais que não são, de forma alguma, rentáveis. Aquilo que é a comparticipação não chega para cobrir o custo das respostas, porque estas são subfinanciadas. Praticamente todas as respostas, com raríssimas exceções, estão subfinanciadas e, depois, aquilo que os clientes pagam não cobre o que falta, pelo que isto tem de ser muito bem gerido.
Relativamente à necessidade de uma maior profissionalização dos dirigentes, a UDIPSS tem fornecido formação nessa área?
Temos proporcionado formação e temos agarrado tudo quanto é formação, porque a formação que fazemos na União é, basicamente, para os quadros superiores das instituições e para as direções, porque outro tipo de formação, mais vocacionada para o pessoal auxiliar ou de cozinha ou pessoal administrativo, normalmente, não fazemos porque há imensas empresas a fazer. Nós centramo-nos mais nos quadros dirigentes e técnicos. Um dos problemas que sentimos, e que está relacionado com aquilo que disse anteriormente, é saber como é que trago os senhores padres para a formação? Este é um problema, porque são eles que gerem a grande maioria das nossas instituições. Já há instituições de inspiração canónico que começam a pôr diretores executivos, mas não é muito frequente.
E em termos de dimensão, qual é a realidade das instituições do distrito, sabendo-se que a sustentabilidade está muito ligada a esse aspeto?
A grande maioria são pequenas ou médias instituições, o que acarreta alguns problemas em termos de rácios e de sustentabilidade financeira. Ou seja, se não temos a capacidade de ter respostas em que, às vezes, uma consegue equilibrar a outra, é muito difícil. Por exemplo, esta instituição que fechou tinha uma área residencial para 15 utentes, o que não é sustentável. Uma ERPI para 15 e um centro de dia, que por si não são sustentáveis, e, depois, houve também má gestão, muita confusão, o que levou ao encerramento da instituição, que era um centro social paroquial. Já não podemos entrar neste sector só com voluntarismo e boa vontade. Depois, há muito trabalho que tem de ser feito e que os órgãos sociais, que são todos voluntários, por vezes não têm possibilidade de fazer.
Encontrar novos dirigentes é um problema no distrito de Viana do Castelo?
Também é.
E trabalhadores?
Esse é um calcanhar de Aquiles das instituições, mas em todo o país. Tenho falado com muitos dirigentes e todos me dizem o mesmo. Ou seja, neste momento, o que está a valer às instituições é a imigração, que está a compensar a falta de mão-de-obra, principalmente, em quadros menos diferenciados. Isto não se nota tanto nos quadros técnicos. Por exemplo, na minha instituição, a Associação de Paralisia Cerebral de Viana do Castelo, mais de metade do nosso quadro de pessoal são técnicos superiores, porque a área da deficiência tem sempre muitos técnicos. Neste momento, existe um problema em contratar alguns técnicos, mas tem que ver com outra realidade, que é o que pagamos no nosso sector, que é muito é baixo. Os técnicos, terapeutas da fala e outros, têm propostas do privado muito mais aliciantes e fazem a sua escolha. Estes técnicos, em clínicas e hospitais privados, ganham valores que nós não conseguimos alcançar e, por isso, temos perdido muita gente para o sector privado. Já nas auxiliares de cozinha, limpeza, etc., o que está a valer às instituições, neste momento, é realmente a imigração, porque senão estávamos com problemas gravíssimos de contratação de pessoal.
Qual a grande lacuna em termos de respostas sociais no distrito?
É a de respostas na área da saúde mental. Temos zero. Essa é uma lacuna identificada pela nossa CIM [Comunidade Intermunicipal] do Alto Minho, identificada em todos os clãs. A saúde mental não tem resposta, não temos uma única instituição especializada na área e sentimos mesmo essa falta. Esta é realmente algo que estamos a tentar resolver, sei que a própria CIM tem estado a tentar mobilizar recursos a ver se conseguimos que alguém com experiência venha para cá. Este é, sem dúvida, o nosso ponto fraco em termos de respostas sociais. Depois, em termos do envelhecimento, ainda estamos muito abaixo daquilo que seria necessário para os nossos idosos. As creches também, principalmente, agora com a imigração está a ser mesmo insuficiente. As IPSS estão a tentar aumentar a sua capacidade de resposta, mas ainda não é suficiente e há determinadas zonas do distrito que ainda estão a descoberto. Na área da deficiência, faltam-nos áreas residenciais, porque a única instituição que tem áreas residenciais, neste momento, é a APPACDM. A Fundação M Autismo está a trabalhar para conseguir ter uma área residencial, a Associação de Paralisia Cerebral de Viana do Castelo também está a trabalhar nesse sentido, tendo já um terreno e a primeira a fase do projeto a ser consolidada. Só que não anda como nós queríamos. Esta é uma área muito deficitária o nosso distrito, que tem uma percentagem de deficiência, de uma forma geral, muito elevada e não temos capacidade de resposta. Isto com a agravante de que as pessoas com deficiência e, principalmente, multideficiência têm atualmente uma expectativa de vida muito mais alargada do que tinham há 30 ou 40 anos. E se estas pessoas estão a envelhecer, os seus familiares também e muito mais e isto está a ser dramático. Este é outro ponto fraco do nosso distrito, a APPACDM tem várias áreas residenciais, mas não chegam e estão sempre lotadas.
E como é a relação com as associadas e quais as solicitações mais frequentes que fazem à UDIPSS?
O relacionamento é muito bom e todas sabem que me podem contactar quando precisam. É raro o dia em que não tenho uma chamada ou um email a solicitar alguma coisa. As solicitações continuam a ser sobre legislação, recursos humanos e área da gestão. Na maioria, questões que eu própria, não sendo jurista, sou psicóloga, consigo responder, as mais complexas vão para o nosso gabinete jurídico. A maioria estão mais relacionadas com a legislação do trabalho e, por vezes, de contabilidade... Esse também é um ponto que considero que vamos ter que trabalhar muito junto das instituições, porque há uma pequena parte das instituições que contrataram gabinetes de contabilidades e o que verificamos é que estes não têm experiência na contabilidade deste sector. Então, quando nos apresentam as contas, verificamos logo pela forma como as apresentam, que não estão corretamente enquadradas. No entanto, deparamo-nos com um problema grave, ou seja, como os gabinetes de contabilidade são contratados, é muito difícil trazê-los para as formações específicas. Um dos objetivos próximos da UDIPSS é fazer um trabalho junto das associadas para que elas consigam convencer seus gabinetes de contabilidade a virem às formações.
E como é a relação com a CNIS?
É um bom relacionamento, aliás, eu relaciono-me bem com todo o mundo. Acho que a cordialidade, concordando-se ou não com as pessoas, é fundamental, mas digo aquilo que tem de ser, de uma forma educada. Sou contestatária na defesa daquilo que acho que é correto para as associadas e para o nosso sector, mas de uma forma assertiva.
Outros presidentes de Uniões têm-nos dito que gostavam que a CNIS estivesse mais próxima. Como é que acha que isso poderia ser possível, ou seja, estar mais próxima das Uniões e respetivas associadas?
Às vezes, nós, Uniões, só sabemos as informações quando vamos ao Conselho Geral, que são três por ano, e muitas vezes a CNIS está a trabalhar em aspetos que para nós são fundamentais e, mesmo que ainda não tenha respostas, podia dizer algo. É importante que nós percebamos o que está a acontecer para podermos passar aos associados que determinadas situações estão a ser tratadas. E, muitas vezes, só ficamos a saber disso quando vamos aos conselhos gerais. Até por e-mail, que podiam ser enviados quinzenalmente só para as direções das uniões, com alguns pontos do que é que se esteve a trabalhar nesses 15 dias, o que é que está em negociação, o que é que ainda não se avançou... Sentimos falta dessa informação, daquilo que diariamente está a ser tratado. Sabemos que a CNIS participa em muito grupos de trabalho, mas sinto essa lacuna. Devia haver uma comunicação mais frequente com as direções das UDIPSS. Acho isto importante e esta troca mais frequente aproximava-nos mais.
E o PRR chegou às instituições do distrito?
Muito pouco, muito pouco mesmo... Na área da infância houve umas candidaturas para creche que foram aceites. Na área dos idosos também foram poucas e, agora, há as candidaturas à eficiência energética dos carros, mas que é basicamente para quem tem SAD e pouco mais. Mas sei que há associadas que vão avançar. Diz-se que há muito dinheiro para as instituições, mas depois os constrangimentos em cada candidatura são muito apertados, o que vai limitar a um número muito residual de IPSS que conseguem aceder aos financiamentos. Não sei se outros distritos estão a sentir isto, nós aqui estamos, apesar de a grande maioria dos territórios do nosso distrito serem considerados de baixa densidade.
E as candidaturas aprovadas têm conseguido chegar ao terreno ou há concursos públicos a ficar desertos como em outros distritos?
Exatamente, e isso também está a ser referenciado. Por exemplo, agora, com as viaturas elétricas, os nossos fornecedores, de todas as marcas, não têm capacidade de resposta. A Associação de Paralisia Cerebral está, neste momento, a solicitar orçamentos para uma carrinha de nove lugares, elétrica, com adaptação para cadeiras de rodas e está a ser um problema. Ainda por cima, a nossa legislação que regulamenta o transporte de passageiros com cadeiras rodas está com muitas limitações em relação ao resto da Europa, por questões relacionadas com o peso.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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