Foi no ido ano de 1991 que um grupo de 12 pessoas de Vale de Figueira, freguesia do concelho de Santarém, impulsionados por José Silva, decidiu fundar o Centro de Bem-Estar Social (CBES) de Vale de Figueira.
“O sonho nasce com uma pessoa, o senhor José Silva, que foi o grande impulsionador da instituição e que presidiu à instituição até falecer há cerca de sete anos”, conta José Gaspar, vice-presidente da instituição.
No ano seguinte, já com um grupo de voluntários a juntar-se aos 12 fundadores e após um conjunto de iniciativas no sentido de angariar fundos, foi erigido o edifício do Centro de Dia, a primeira resposta social a entrar em funcionamento.
Ao Centro de Dia, hoje com 14 utentes, juntou-se depois o Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) e o Centro de Convívio, atualmente com 16 e 15 utentes, respetivamente, até que, em 2013, nasceu a Estrutura Residencial Para Idosos (ERPI), que acolhe, presentemente, 43 idosos. Para cuidar de toda esta gente, a instituição conta com um corpo de 36 funcionários.
“Desde então, a instituição tem vindo em crescendo e sempre com uma forte componente de inovação, como ainda hoje. Temos essa característica desde o início, algo que o senhor José Silva sempre instigou no seio da instituição”, destaca o «vice», lembrando que “o terreno foi uma doação, para onde estava, inicialmente, projetado um bairro social, mas como nunca avançou, fizeram-se esforços para que fosse doado à instituição pelo proprietário Silvério Alves da Cunha”.
De facto, o CBES Vale de Figueira parece ter a inovação social como marca de água, pois, mesmo nas tradicionais respostas sociais que promove, tenta sempre introduzir ideias inovadoras que a levem a encontrar soluções fora da caixa.
“Nós temos aqui um grupo de 12 jovens, na casa dos 30 anos, a que chamamos Grupo de Ideias, que debitam muitas ideias novas. Muitas das vezes, o problema destas instituições é que fazem todas o mesmo e não saem fora da caixa. A política desta casa, desde o primeiro presidente, é estar sempre em busca de ideias inovadoras, que possam ser postas em prática, mas de forma sustentável”, explica José Gaspar, recordando, por exemplo, a sugestão que o grupo fez para que se construísse uma espécie de tanque para sessões de hidroterapia.
“Estive a ver melhor, visitei outra instituição e conclui que é uma resposta que exige muita manutenção e tem um custo muito elevado”, afirma sobre uma ideia que não avançou.
Mas já avançou a ideia de uma carrinha equipada com material de fisioterapia, uma resposta denominada «Fisioterapia para Todos» e que leva estes cuidados a casa das pessoas.
“A seguir falou-se na carrinha de fisioterapia. Andei a estudar a situação e deve haver mais duas ou três em todo o país. Uma é até de uma empresa privada que cobre quatro freguesias lá para o norte e descobri uma outra em Pombal que fui visitar”, começa por contar, José Gaspar, continuando: “Para darmos um passo é melhor primeiro ver como as coisas funcionam! Vimos o que podíamos melhorar, fizemos uma candidatura muito rapidamente, através da EDP Fundação, e fomos vencedores, juntamente com mais instituições. É um projeto de 97 mil euros, em que a instituição entra com cerca de 23 mil euros, mas que esperamos que, daqui a três, quatro anos, se tudo correr bem, esteja pago”.
José Gaspar especifica a dimensão do projeto, até porque o que encontrou em Pombal não era a ideia do CBES Vale de Figueira.
“No caso de Pombal, eles estavam muito voltados para a instituição e o nosso interesse e conceito é a fisioterapia para todos, sejam da instituição ou da comunidade e não é só para idosos, é para todos mesmo”, sustenta, lamentando o facto de “rotular-se as atividades como só para idosos afasta outras pessoas, já por isso o design da carrinha não tem nenhuma imagem de idosos”.
“Muitas vezes as pessoas pensam que é só para idosos e não participam. Muitas vezes, sentimos isso com atividades que fazemos na instituição abertas à comunidade, mas as pessoas não vêm por pensarem que são só para idosos”, sublinha.
“Ao longo do tempo vamos sentido as necessidades das comunidades que servimos, em especial, Vale de Figueira e S. Vicente, mas ainda algumas vizinhas, e, hoje em dia, faz todo o sentido estas casas juntarem-se em alguns projetos. Já tivemos reuniões com algumas instituições do concelho no sentido de trabalharmos em parceria e até há alguns projetos que só têm justificação se tiverem uma rede mais alargada”, refere, José Gaspar, que explica como se chegou a esta solução: “Começámos a ver que havia muitas pessoas a precisar de fisioterapia, grandes listas de espera e, normalmente, estes são problemas que devem ser resolvidos logo no momento. No entanto, não há resposta! O Centro tem uma fisioterapeuta que faz algumas horas na instituição, mas sentimos que havia muitas pessoas em casa que não tinham como ir à fisioterapia. E como estamos sempre a pensar em projetos inovadores, surgiu este da «Fisioterapia para Todos»”.
Mas não tem sido nada fácil. O processo de compra e adaptação da carrinha não foi fácil, mas a instituição mantém-se fiel ao seu objetivo e, no arranque de funcionamento da carrinha, já contava com 10 clientes na comunidade.
“Tem sido difícil, porque tivemos problemas com a aquisição e com a montagem da carrinha. Só para a aquisição foram seis meses, o que é muito tempo para pôr um projeto destes em marcha. A carrinha é uma novidade, os próprios equipamentos não estão adaptados, nem para as carrinhas normais. Um dos problemas é o degrau de acesso à carrinha que é muito alto para as pessoas a que se destina o serviço. Isto para os idosos é uma montanha! Depois, a própria adaptação da carrinha foi problemática. Foi necessário o mecânico fazer formação para fazer a soldagem na estrutura, para além de que teve que desligar as baterias e desprogramar toda a carrinha. É um processo muito longo. Foram seis meses para a aquisição e mais três meses para adaptação, o que é muito tempo e ainda não está pronta”, relata, acrescentando as boas-novas: “Nas duas primeiras semanas tivemos logo 10 clientes, sendo que a nossa meta são 110 em cerca de dois anos, mas possivelmente vai ser em apenas ano e meio. Temos estado a reunir com as juntas de freguesias, com as unidades de saúde e com outras associações e, nesta fase, ainda estamos no passa-palavra”.
E se a «Fisioterapia para Todos» é um primeiro projeto fora da caixa e (também) fora da instituição, o CBES Vale de Figueira tem um outro que espera implementar dentro em breve.
A candidatura ao Projetos Inovadores Sociais, da Segurança Social, já avançou para a segunda fase e José Gaspar está esperançado que o projeto denominado «Estufa Ativa – Jardim Bioterapêutico», que pretende promover a autonomia dos idosos e o envelhecimento ativo.
“Na entrega dos prémios da EDP Fundação, encontrámos um casal jovem e um padre que também venceram com um projeto de aquaponia, que é um método sustentável de criação de peixes e vegetais. Num circuito fechado de água, crescem peixes e hortícolas e outros vegetais, ou seja, os dejetos dos peixes alimentam os vegetais. Eles já implementaram este sistema há uns dois anos, mas em contentores marítimos, que depois vão em barcos para os campos de refugiados. Isto porque o padre em questão era missionário e trouxe esta ideia para cá”, conta, José Gaspar, prosseguindo: “Achei a ideia interessantíssima. Então, criámos um projeto que chamámos «Estufa Ativa - Jardim Bioterapêutico». Sentámo-nos a ponderar o assunto e achámos que o melhor era implementar o sistema em uma estufa com 500 metros quadrados, com uma parte produtiva, onde há, o que eles chamam, as camas, haverá 10, onde crescem os legumes e, neste caso, tudo o resto terá um aspeto de natureza. Até o lago dos peixes será a imitar um lago natural”.
E se a ideia parece ser apenas para utilizar um método biológico de criação de peixes e vegetais, a instituição quer ir mais longe.
“A maior parte do espaço da estufa serve para aquilo que chamamos de bioterapia, onde há música ambiente, oliveiras, que pensávamos arrancar, vão integrar a estufa, e haverá ainda um outro lago, onde colocaremos peixes Garra Rufa, que são aqueles que comem as peles mortas. Assim, os idosos poderão estar com os pés na água a receber um tratamento de beleza nos pés, a ouvir música ambiente, num ambiente de natureza viva. E a ideia também passa por eles meterem a mão na terra e interagirem com aquele ecossistema. Depois, temos ideia de abrir o espaço à comunidade, convidar escolas e até solicitar alguma ajuda à Escola Agrícola de Santarém”, sustenta José Gaspar, que considera esta ajuda da Escola Agrícola essencial para a fase futura da horta biológica.
“Esperemos que o projeto seja aprovado, já passámos à segunda fase. É um projeto até 200 mil euros, o limite da candidatura. É um projeto caro, mas só a estrutura da estufa custa 60 mil euros e os lagos artificiais também são custosos”, frisa.
Já implementado e a ter utilização está o jardim geriátrico, “um espaço onde as técnicas aproveitam para fazer atividades exteriores com os utentes”.
“Há constantemente a necessidade de haver atividades diferentes. Os idosos são muito de rotinas e, por vezes, é preciso desafiá-los. E, quando as atividades são sempre as mesmas, eles fartam-se com muita facilidade, pelo que há que inventar atividades constantemente”, sublinha José Gaspar, que considera fundamental inovar, nem que seja com pequenas alterações que vão de encontro às necessidades dos utentes.
“Temos uma iniciativa promovida pela nossa técnica de animação social, que decorre no corredor aqui do lar, em que convidamos artistas a expor os seus trabalhos de pintura, fotografia, etc.. A iniciativa chama-se «Dar que falar», porque o objetivo é pôr os utentes os a falar sobre o que está exposto, e tem dado bons resultados”, revela José Gaspar, reforçando a ideia de encontrar ideias inovadoras: “Os projetos que existem em mente são pequenos projetos que queremos implementar aqui dentro, como um direcionado às pessoas acamadas. Gostaríamos de arranjar uns óculos de realidade virtual para conseguirmos uma ação mais ativa junto dos acamados”.
Para além destes, a instituição, agora que os utentes de Centro de Dia vão regressar ao espaço dessa resposta, pretende introduzir uma mudança na sala de convívio da ERPI.
“Temos outro projeto que é a colocação de uma televisão com seis auscultadores num espaço que queremos criar na sala de convívio do lar. Com isto podemos variar a programação que é vista diariamente, que é muito à base dos programas das televisões generalistas e, assim, alguns dos utentes poderão ver programas mais específicos, como futebol, documentários e outros, sem importunar os demais. Estamos tentados a experimentar essa novidade já utilizada em algumas discotecas silenciosas”, revela, destacando: “Estamos constantemente a tentar encontrar soluções inovadoras, até porque hoje fala-se muito de inovação social, e tentar encontrar soluções fora da caixa”.
Apesar de tanta iniciativa inovadora, o CBES Vale de Figueira, segundo o presidente da Mesa da Assembleia Geral, José Carlos Rodrigues, “a situação financeira da instituição é, efetivamente, saudável”.
“Felizmente, temos fundos que vão cobrindo as despesas, que não são poucas para uma instituição desta dimensão e que se pretende que cresça. Para isso, necessita de uma situação financeira saudável. As coisas estão muito bem organizadas e quem tem dirigido a instituição tem feito um bom trabalho. Estar à frente de uma casa destas requer disponibilidade e o senhor José Silva costumava dizer que ‘isto só para padres ou reformados”, e ele, praticamente, vivia na instituição. É preciso estar sempre muito perto da instituição, como é o caso do vice-presidente José Gaspar, que mora em Vale de Figueira, agora mais à frente do Centro, porque o presidente Gonçalo Semedo pediu para se ausentar um pouco mais para resolver umas questões pessoais. Isto carece de um desempenho muito próximo”, explica, sublinhando: “Há um grande empenho de todas as pessoas envolvidas e quando é necessário fazer-se, faz-se. Aqui ninguém tem medo de desafios”.
Os dirigentes deixam, igualmente, grandes elogios à equipa técnica e aos restantes trabalhadores, lembrando “o grande esforço que fizeram durante a Covid” e José Gaspar lembra que, no final do ano, a instituição “distribui os lucros pelos funcionários”.
José Gaspar gostaria que a instituição estivesse mais aberta à comunidade e que esta aderisse mais às iniciativas por ela promovidas.
Por isso, “temos ideia de abrir-nos mais à comunidade e até arranjar um edifício onde levemos a nossa dinâmica até ela, mas também projetá-la na comunidade”, diz o «vice», acrescentando: “Não tem sido fácil, mas ainda tenho esperança em avançarmos com esse projeto”.
Nesse sentido de abertura à comunidade, refira-se a organização da Festa do Arroz Doce, que parou na 24ª edição, por causa da pandemia, mas também a sala snoezelen que existe na instituição e que está aberta à comunidade.
E como seria Vale de Figueira sem o Centro de Bem-Estar Social?
“Era muito mais pobre. Estudo muito a história de Vale de Figueira e são estas terras pequenas que fazem um concelho e um país. Estou a fazer uma cronologia histórica de Vale de Figueira desde 1147 até 2013 e vejo que o que se passa aqui é o reflexo da história nacional. E quanto à importância desta casa em Vale de Figueira, eu comparo-a muito com o que foi a construção de um pequeno convento em 1556, que albergou nove frades arrábidos, da Ordem Terceira dos Franciscanos, e que em 1627 construiu um novo convento para 14 frades. Ou seja, a importância daquele convento naquela altura é a mesma da instituição nos dias de hoje. Isto porque no convento foi feita a primeira escola primária. Se olharmos à importância do convento na dinâmica e na criação de eventos em Vale de Figueira, é a mesma que esta casa tem hoje, que veio enriquecer ainda mais esta comunidade. Podia, no meu entender, enriquecer muito mais se estas casas fossem mais abertas à comunidade. É um esforço enorme que estas casas fazem para atrair a comunidade. Mas seria muito mais pobre, para além das 35 famílias que obtêm aqui parte do seu rendimento”, responde José Gaspar.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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