Até há poucos dias a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas parecia uma quase certeza. O abandono da corrida por Joe Biden e a emergência de Kamala Harris como candidata do partido democrático parece ter, de novo, colocado a corrida em termos competitivos. Algumas sondagens nacionais já dão Kamala Harris ligeiramente à frente de Donald Trump, a recolha de fundos pela candidata democrática está a correr bem, contudo, na meia dúzia de estados onde finalmente tudo se decide Donald Trump ainda leva vantagem. Veremos!
Se Donald Trump for eleito muita coisa vai mudar na América e no mundo. Hoje gostaria de deixar umas palavras sobre uma variável que continua a ser chave para todos nós, a saber, a cotação do dólar americano.
Donald Trump continua obcecado pelo deficit comercial americano o qual é gigantesco (começa a aproximar-se do trilião de dólares) e sistemático.
Sabemos como a cabeça de Donald Trump só funciona com modelos de soma zero, isto é, modelos em que aquilo que eu ganho é o que tu perdes, o que eu perco é o que tu ganhas.
Segundo tais modelos o deficit comercial americano é o resultado de pervasiva batota perpetrada pelos parceiros comerciais e, de todas as batotas, a mais poderosa é a deliberada manipulação cambial de modo a manter os respetivos câmbios subavaliados. Os principais suspeitos são o Japão, a China e a União Europeia.
Com câmbios artificialmente rebaixados é fácil para os suspeitos do costume exportar para os Estados Unidos ao mesmo tempo que é difícil para os Estados Unidos exportar para os países “batoteiros”, logo o deficit comercial americano é inevitável.
Donald Trump está errado, não há nenhum sinal de que o dólar esteja sobreavaliado ou de que o Japão, a China ou a zona euro prossigam políticas deliberadas de rebaixamento dos câmbios. É verdade que o dólar tem estado relativamente forte no passado recente, mas isso deve-se ao facto de os Estados Unidos terem taxas de juro mais altas do que os principais parceiros comerciais ou, no caso do Japão, significativamente mais altas. Atualmente é possível fazer dinheiro tomando dívida em yens japoneses, com taxas de juro muito baixas, comprar dólares e aplicar os dólares a taxas significativamente mais altas. Claro que se corre risco cambial (ou compra-se proteção), contudo, ainda assim, o negócio floresce e reforça o dólar.
Não cabe aqui uma dissertação sobre as origens profundas do deficit comercial americano – quer pela lonjura da coisa quer pelo demasiado técnico do palavrório – contudo, lembrarei sempre que, como demonstraram abundantemente muitos economistas, sobretudo americanos, o país que emite a moeda de reserva internacional e que serve de referência no essencial das transações comerciais e financeiras a nível global, é tendencialmente deficitário em termos comerciais.
Mas que pode fazer a trumpiana criatura para provocar a descida da cotação do dólar?
Desde logo pode fazer uma intervenção no mercado. Os Estados Unidos têm sob a tutela da secretaria do Tesouro um fundo, o Exchange Stabilization Fund (ESF), o qual permite realizar operações de mercado com vista a regular a cotação do dólar. No caso vertente o ESF apresentar-se-ia no mercado vendendo ativos denominados em dólares e comprando ativos, por exemplo, denominados em euros o que, em princípio, tudo o mais igual, faria descer a cotação do dólar em relação ao euro.
As intervenções dos estados no mercado de câmbios são raras e não é por acaso. São caras, muitas vezes não são efetivas e, mesmo quando são efetivas, em geral, os efeitos desejados são de curta duração. Veja-se, a propósito, a recente intervenção do Banco do Japão para defender a cotação do yen, a qual terá custado 36,8 biliões de dólares com efeitos muito limitados.
O ESF americano dispõe de ativos de pouco mais que 200 biliões de dólares o que, obviamente, não garante poder de fogo para intervenções de mercado significativas. Por aí, Donald Trump não vai longe!
Se eventualmente Donald Trump não puder resolver o problema da cotação do dólar no terreno do mercado pode sempre, através de medidas administrativas, corrigir os supostos efeitos. Por exemplo, pode colocar tarifas à importação dos produtos e serviços dos países “batoteiros” as quais, fazendo subir o preço final dos produtos importados, teriam o mesmo efeito que uma desvalorização do dólar. As tarifas teriam ainda a vantagem de criar receitas para o estado. Donald Trump tem dito que irá colocar uma tarifa de 10% sobre todas as importações sendo que, no caso da China, porventura o “batoteiro-mor”, serão de 60%.
Conviria que alguém explicasse à criatura que as tarifas, mesmo descontando as prováveis retaliações, não vão resolver nada a não ser prejudicar os consumidores americanos que vão pagar mais caro por produtos e serviços importados. É tudo menos garantido que o dólar perca valor e quanto ao deficit comercial, afora alguma correção no curto prazo, é altamente provável que não encolha por aí além.
As tarifas são inflacionistas, fazem subir os preços. Com inflação mais alta é necessário ter taxas de juro mais altas e, com taxas de juro mais altas, lá regressa a atratividade do dólar como meio de investimento o que, obviamente, vai puxar para cima o câmbio do dólar, ou seja, justamente o que se queria evitar.
Claro que os efeitos das tarifas são one-off e pode dizer-se que o seu efeito inflacionista se dissipa ao fim de algum tempo. Talvez!
O problema é que, se as tarifas forem mesmo efetivas, isso vai enfraquecer as economias dos parceiros “batoteiros” e, na perspetiva trumpiana, justamente castigados. Com economias mais fracas as suas moedas tenderão a perder cotação e, concomitantemente, o dólar tenderá a ganhar.
Christine Lagarde, a atual presidente do BCE, cujos conhecimento de teoria económica e, sobretudo, de teoria monetária são limitados, até ela (pasme-se!) já veio dizer que se o BCE for obrigado a baixar as taxas de juro para proteger a economia de uma putativa fraqueza, hélas, a taxas de câmbio do euro poderão baixar.
Ou seja, mais uma vez, Donald Trump vai colher exatamente o contrário daquilo para que semeou – um dólar, provavelmente, mais forte.
Alguém se deu ao trabalho de calcular quanto teria que desvalorizar o dólar para, eventualmente, limpar o deficit comercial do tio Sam. As contas apontam para 40%. Ninguém acredita que seja possível ir tão longe de forma sustentada!
Se Donald Trump ganhar as eleições em Novembro é provável que tenhamos que enfrentar situações muito complicadas na Ucrânia, no Médio Oriente e, de uma forma geral, no posicionamento da América face ao mundo.
O que seguramente dispensávamos era uma guerra cambial!
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