A Presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) foi à Assembleia da República no dia 3 de outubro com uma má novidade. A Lusa noticiou[1] que disse aos deputados que a diferença salarial entre mulheres e homens inverteu a tendência da última década e voltou a aumentar, ainda que marginalmente. Mais, disse que esta tendência é mais notória nos quadros superiores e profissões mais qualificadas.
As deputadas e os deputados da Subcomissão Parlamentar para a Igualdade de Género não parecem ter dado muita importância à audição da Presidente da CITE já que, segundo a notícia, apenas quatro dos 12 membros efetivos da dita Subcomissão estavam presentes na audição.
O desinteresse dos membros da Subcomissão pode ser eventualmente, entre outros motivos, devido à consciência de que na sua própria casa, o número de mulheres apresenta a mesma tendência. Nas eleições de 2024 foram eleitas menos 9 deputadas do que nas de 2019, eleições a partir das quais se inverteu a tendência de crescimento que era permanente desde 1985.[2]
Ainda assim, os 33% de deputadas eleitas é superior aos 16% de presidentes de conselho de administração que são mulheres[3].
Podemos escolher os indicadores que queiramos, chegaremos sempre à mesma conclusão de que há algo que impede a paridade entre mulheres e homens na vida pública e no mundo do trabalho.
Essa desigualdade não é uma especificidade portuguesa. O relatório publicado anualmente pelo Banco Mundial sobre igualdade de género face à lei, na sua edição deste ano, cobrindo 190 países, concluiu que as mulheres têm menos de 2/3 da proteção legal dos homens. No que diz respeito a Portugal o relatório indica algumas áreas significativas de melhoria[4], que vale a pena considerar.
No plano legal, o país está perto da garantia da igualdade, mas recebe duas recomendações: adoção de legislação abrangente sobre assédio sexual e sobre casamento infantil[5].
No plano dos quadros de apoio, o relatório recomenda melhorias no domínio da violência contra as mulheres, incluindo a dotação de recursos para programas de prevenção e mitigação dessa violência.
O relatório tem ainda um plano de opiniões de peritos, em que sobressai a questão levantada pela Presidente da CITE no Parlamento, a da discriminação salarial.
Passados 50 anos sobre o 25 de abril, que acelerou drasticamente a redução das desigualdades entre mulheres e homens, a igualdade de género continua por cumprir. E se isto é verdade para a vida pública estende-se para a vida privada e em especial para a vida familiar. As mulheres, como é sabido, juntam à discriminação salarial, uma carga desproporcional de tarefas familiares e de trabalho do cuidado, que cria uma dupla discriminação.
Mais preocupantemente, regressam ao espaço público narrativas que empurram para uma suposta ideologia de género a defesa da igualdade de direitos de homens e mulheres, disfarçando a legitimação da discriminação com uma suposta diferença natural que talharia melhor uns e outros para um e outro tipo de tarefas.
Infelizmente, neste domínio, mesmo o Papa Francisco repete mensagens equívocas, como quando disse recentemente a estudantes da Universidade Católica de Lovaina que “a feminilidade nos fala de um acolhimento frutífero, de uma dedicação cuidadora (“nurturing”) e vivificante. Por isso, uma mulher é mais importante que um homem, mas é terrível quando uma mulher quer ser um homem: não, ela é uma mulher, e isso é ‘pesado’ e importante”. O discurso mereceu uma crítica pública da Universidade em que esta se afirma como uma universidade inclusiva e “reafirma o seu desejo de que todos floresçam dentro dela e na sociedade, quaisquer que sejam as suas origens, género ou orientação sexual, convocando a igreja a seguir o mesmo caminho, sem nenhuma forma de discriminação."[6]
Felizmente, não há sinais de cedência dos nossos governos a essa visão. O atual governo está comprometido pelo seu Programa com a redução das disparidades salariais e a redução da violência doméstica, tendo-se proposto implementar várias medidas concretas de promoção da paridade, de igualdade salarial, de conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar, de combate à violência contra as mulheres. O anterior já afirmava o mesmo tipo de compromisso. Falta saber se surgem em tempo as políticas públicas que transformam o discurso em ação que torne menos inatingível a igualdade de género.
[1] Cf. “Fosso salarial entre homens e mulheres aumentou pela primeira vez em nove anos – CITE” acessível em
https://www.lusa.pt/article/2024-10-03/43670255/fosso-salarial-entre-homens-e-mulheres-aumentou-pela-primeira-vez-em-nove-anos-cite (notícia completa acessível apenas a subscritores).
[2] Dados disponíveis na Pordata, acessíveis em https://www.pordata.pt/sites/default/files/2024-06/Portugal_Mandatos_nas_eleicoes_para_a_Assembleia_da_Republica__deputados_do_sexo_feminino_por_partido_politico.xlsx
[3] Dados do estudo da Informa D&B, noticiado pela lusa a 21 de março de 2024, acessíveis em https://www.cig.gov.pt/2024/03/mulheres-em-30-dos-cargos-de-gestao-e-desigualdade-e-maior-nas-grandes-empresas-estudo/
[4] “Women, business and the law – Portugal”. Dados acessíveis em https://wbl.worldbank.org/content/dam/documents/wbl/2024/pilot/WBL24-2-0-Portugal.pdf
[5] Em Portugal a idade legal de casamento permite casamentos com menores, sendo as raparigas quem mais tem casamentos precoces.
[6] Para seguir esta polémica, incluindo a resposta do Papa Francisco à crítica, ver a notícia da Catholic News Agency, disponível em https://www.ewtnvatican.com/articles/pope-francis-responds-to-critics-of-his-comments-on-women-in-belgium-3459
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