Os pobres em Portugal estão mais pobres, segundo uma análise da Pordata, que hoje destaca uma subida da taxa de risco de pobreza pela primeira vez em sete anos, ao passar de 16,4% em 2021 para 17% em 2022.
Foi no grupo de crianças e jovens que a taxa de risco de pobreza mais se agravou, bem como nas famílias com crianças dependentes, refere a Pordata, em comunicado, sublinhando "o maior aumento da taxa de intensidade de pobreza da última década".
"Olhando para a intensidade de pobreza, verifica-se o maior aumento desde 2012, de 3,9 pontos percentuais, situando-se nos 25,6% em 2022 (21,7% em 2021)", observaram os técnicos da base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A taxa de intensidade de pobreza mede a distância do rendimento mediano da população em risco de pobreza, face ao valor do limiar da pobreza, ou seja, a profundidade da pobreza.
"Em Portugal, metade dos pobres tinham, em 2022, um rendimento monetário disponível 25,6% abaixo da linha de pobreza e esta profundidade aumentou face a 2021", lê-se no documento divulgado pela Pordata, no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.
Um em cada 10 trabalhadores é pobre, o que deve ser encarado como "um fator de preocupação".
A incidência da pobreza no grupo dos desempregados, que tinha diminuído entre 2020 e 2021, voltou a subir: 3,3 pontos percentuais, face a 2021.
De acordo com a Pordata, trata-se de "uma das subidas mais elevadas da última década", com exceção do ano de pandemia.
Numa análise à evolução da pobreza e fatores associados, a Pordata sublinhou também que em 2023, Portugal viu mais do que duplicar o preço de compra das casas, comparativamente a 2015, muito acima do valor registado a nível da União Europeia, de 48%.
"Confrontando este aumento com a variação da remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem, verificamos que, face a 2015, os salários em Portugal aumentaram 35%, muito aquém do aumento de 105% das casas", constataram os estatísticos.
Quase 40% da população vive em agregados sem capacidade para substituir mobiliário ou pagar uma semana de férias.
Da mesma forma, 30,5% da população não tem capacidade para fazer face a uma despesa inesperada, sem recorrer a empréstimo.
A avaliação da Pordata teve por base os dados mais recentes disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
O conforto térmico das habitações continua a ser um ponto crítico, uma vez que no contexto europeu, Portugal se destaca pela negativa, reportando, a par de Espanha, "a mais elevada proporção" de pessoas a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida: 20,8%, ou seja, uma em cada cinco pessoas. No extremo oposto do ranking europeu está o Luxemburgo, onde apenas 2,1% dos habitantes reportam esta dificuldade económica.
Quase um terço das famílias monoparentais com crianças dependentes vive com menos de 591 euros por mês.
PORTUGAL TEM 2,1 MILHÕES DE POBRES
A coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza tem "uma enorme expectativa" que as medidas implementadas em 2022 e 2023 tenham agora impacto na redução da pobreza, apontando que nesse período estavam em execução 70% das medidas.
Em entrevista à agência Lusa, por ocasião do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala hoje, Sandra Araújo admitiu que quem trabalha nesta área está "refém" de indicadores estatísticos que acabam por estar "desfasados no tempo".
Referiu que as recentes notícias que dão conta de um aumento do número de pobres em Portugal têm por base indicadores divulgados em 2023 referentes aos rendimentos da população em 2022, da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística (INE).
"Esses dados nós já os conhecíamos e sim, houve de facto um aumento nessa altura. Passámos de 16,4% na taxa de pobreza monetária para os 17% e, de facto, há aqui um aumento considerável que tem a ver com o facto de estarmos a passar por uma crise, uma conjuntura extremamente difícil", salientou Sandra Araújo.
Sandra Araújo defendeu que as medidas que têm vindo a ser postas em prática no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP) não tiveram ainda tempo para produzir efeitos, admitindo, por isso, a "enorme expectativa" em relação ao impacto dessas medidas nas estatísticas que deverão ser apresentadas no final deste ano.
A responsável disse acreditar que as medidas implementadas em 2022 e 2023 "possam ter aqui algum reflexo positivo", ou seja, tenham contribuído para a redução da pobreza em Portugal, sublinhando que os efeitos das medidas mais recentes, levadas a cabo em 2024, como a Agenda do Trabalho Digno ou o aumento do salário mínimo nacional, só serão visíveis mais à frente.
Referiu que foi, entretanto, feito um relatório intercalar para monitorizar o plano de ação da estratégia, graças ao qual foi possível ficar a saber que das 273 atividades planeadas para esses dois anos, foram executadas 192, "o que equivale a 70%".
Especificou que em termos de eixos de intervenção -- uma vez que o plano de ação tem seis -- "a grande parte" se centra no primeiro eixo, para a redução da pobreza nas crianças e jovens e nas famílias nas quais estão inseridos, e no eixo 3, relativo ao trabalho e às qualificações, potenciando o emprego como fator de eliminação da pobreza.
"São os eixos maiores e são também os eixos que têm um maior nível de concretização de atividades, que apresentam um compromisso bastante mais robusto", apontou.
Concretamente em relação ao primeiro eixo, referiu que houve a preocupação em aumentar o rendimento disponível das famílias com menores recursos, "desde logo com o reforço das transferências sociais", tendo destacado a implementação da Garantia para a Infância, um valor monetário pago em complementaridade com o abono de família às crianças de famílias mais pobres.
Salientou igualmente a majoração do abono de família nas famílias monoparentais, a redução da carga fiscal para os agregados dos escalões mais baixos de IRS, a redução da tarifa social de energia, o programa "Bilha Solidária", a isenção das taxas moderadoras ou o alargamento do programa "Porta 65" a todos os agregados com uma quebra de rendimentos na ordem dos 20%.
Sobre esta última, acrescentou que a expectativa inicial era de abranger 185 mil famílias, mas chegou aos 236 mil agregados.
Lembrou, por outro lado, que o país está a passar por "um período conjuntural extraordinariamente complicado", que "não se tinha previsto" quando a estratégia foi desenhada.
Em relação a medidas mais recentes, Sandra Araújo deu como exemplo "uma que poderá ter um efeito muito positivo" na redução da pobreza entre a população mais idosa, que é a convergência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) com o limiar da pobreza.
Sobre o número total de pessoas abrangidas pelas medidas da estratégia, a coordenadora nacional disse não ter esse número contabilizado, uma vez que estão em causa medidas "muito diversas e distintas", dando como exemplo as 800 mil que beneficiam da tarifa social de energia ou das 150 mil crianças que recebem a Garantia para a Infância.
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