Foi ainda nos anos 1980 que surgiu a ideia de criar o Centro Social Paroquial de Nossa Senhora da Nazaré, mas apenas em 1991 iniciou atividade, com as três respostas sociais que ainda hoje mantém: ERPI, Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário (SAD).
“A dinâmica eclesial nesta comunidade foi e é muito forte e a preocupação social com as idades mais avançadas esteve sempre presente”, começa por contar Alexandre Cruz, diretor de Serviços da instituição sedeada na Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo, acrescentando: “Realizaram-se uma série de iniciativas para angariação de fundos, juntamente com apoios de outra natureza, com a preocupação de fazer com que uma comunidade que tem muita dinâmica socioeconómica apoiasse os irmãos mais velhos. A instituição surge nesse contexto de missão eclesial social, mais tarde transformada em IPSS”.
A opção por se dedicar em exclusivo à terceira idade foi tomada porque “era a preocupação principal ao tempo, embora os estatutos salvaguardem a resposta a todas as idades”.
Esta opção foi ainda sustentada no facto de na comunidade da Gafanha da Nazaré já existirem respostas à infância, em concreto pela Obra da Providência e ainda pela Fundação Prior Sardo, que, em 2014, foi integrada no Centro Social Paroquial.
“Como havia essa resposta à infância, o Centro priorizou o apoio à terceira idade. Da Fundação Prior Sardo ficámos com o SAAS e a Universidade Sénior, em 2014, com 40 elementos, mas a partir de 2015 foi sempre a crescer e, hoje, são cerca de 140”, refere Alexandre Cruz.
Atualmente, a instituição acolhe em ERPI 67 utentes e 20 em Centro de Dia e apoia 35 idosos através do SAD, com uma equipa de 50 funcionários. Para além disto, dinamiza ainda uma Universidade Sénior, frequentada por cerca de 140 pessoas.
Para melhor cuidar dos utentes, os responsáveis pelo Centro Social Paroquial consideram fundamental a renovação do edificado da instituição.
“Precisamos de outra casa. O espaço já tem 30 anos e há sempre problemas de manutenção”, sustenta a diretora-técnica Inês Cuco, acrescentando: “Até para dar uma outra motivação à equipa, para além de desejarmos ter um espaço renovado para receber as famílias com outras condições. Por outro lado, uma nova casa é importante para darmos mais resposta à comunidade”.
Inês Cuco refere a questão do alargamento de capacidade, porque “todas as semanas a instituição recebe inscrições e muitas famílias chegam desesperadas, porque é tudo novidade e a necessidade é grande”.
E esta questão não se coloca apenas na ERPI. “A procura pelo Centro de Dia nem se fala. Esta é uma resposta deficitária no concelho e só existe aqui e na Gafanha do Carmo”, lamenta Inês Cuco, sublinhando: “Temos lista de espera para todas as respostas. Para ERPI são sempre cerca de 100 inscrições. As do Centro de Dia ronda a dezena e para SAD são um pouco menos”.
Perante as necessidades da comunidade que serve, os dirigentes da instituição há muito começaram a equacionar e a desejar construir um equipamento de raiz, tendo para tal adquirido um terreno, numa zona nobre da cidade da Gafanha da Nazaré, no ido ano de 2009, iniciando, então, um calvário de candidaturas a apoios estatais, que, no entanto, foram sendo sucessivamente indeferidos.
“A instituição nasceu em 1991 e, com o passar do tempo, a expectativa de otimizar e modernizar o edificado esteve sempre presente. Em 2009, a instituição adquiriu 10 prédios rústicos, junto ao mercado municipal da Gafanha da Nazaré, com perto de oito mil metros quadrados. O objetivo era desafogar esta instituição para, a prazo, ser transformada, com apoio do Estado, numa unidade de cuidados continuados ou paliativos”, começar por recordar Alexandre Cruz, prosseguindo: “Executou-se, nesse ano, uma candidatura ao QREN, mas, após várias démarches, esta foi indeferida”.
Apesar da deceção, os responsáveis pela instituição não desistiram e no ano de 2020 foi apresentada uma candidatura ao PARES, também para construção de raiz, transferência da sede e alargamento da capacidade (ERPI de 67 para 70, Centro de Dia de 20 para 30 e SAD de 35 para 60, “pela necessidade social identificada”).
“A candidatura ao PARES também foi indeferida e, nesse ato de indeferimento, transitou para o PRR. De 2009 a 2020 foi realizada uma simplificação do projeto construtivo, para não haver tantos redondos. De 2020 para 2022, a candidatura ao PRR, depois de muita informação adicional solicitada, o que deixou a expectativa do seu deferimento ao fim de 13 anos, foi igualmente indeferida, porque a instituição não tem o licenciamento do equipamento onde labora há 33 anos”, conta o diretor de Serviços, rematando: “Mais valia dizer que não há dinheiro para todos. Só não pusemos as gruas no ar por causa da nossa responsabilidade social, pois há salários e fornecedores a pagar”.
Entretanto, surge a crise energética. “Tivemos aqui momentos que, apesar de redução de consumo, as faturas eram de quatro mil euros... Ora, com todas estas questões, a obra para avançar teria de ser orçamentada novamente e, em vez de quatro milhões, custaria oito milhões de euros”, argumenta Alexandre Cruz, que conclui: “As razões dos indeferimentos levam-nos a este ponto, ou seja, estamos numa casa com não conformidades, mas queremos passar para uma casa nova e moderna, com conformidades”.
Nesse sentido, a instituição já encontrou uma solução… ao pé de casa!
“Vamos passar aqui para o lado. A instituição deliberou a alienação dos terrenos junto ao mercado, que estão numa zona nobre, e no verão de 2023 soubemos que os terrenos contíguos e ao lado do Centro estavam à venda e, em boa hora, tratou-se de todo o processo institucional e comprou-se”, conta.
São cerca de dois mil metros, que a juntar ao já existente perfaz cerca de quatro mil metros, já há autorização para iniciar o processo burocrático, gerir a frente de rua com a autarquia, com o objetivo de a instituição ficar com uma frente grande e aberta para a rua.
“Vamos começar, da frente para trás, a desenhar para se avançar a prazo com a construção e começar a desafogar as valências, em especial, o Centro de Dia”, sustenta o diretor de Serviços, que explica o pretendido: “O propósito é manter o lar e a sede no edifício onde estamos, alargar para o novo com as outras valências e ir requalificando. Terá que haver reflexões sobre as opções de alargamento do lar para o novo edificado, num piso superior, e a requalificação deste edificado, como as medidas do quarto, a salubridade, etc. É necessário requalificar este espaço, porque é aqui que vamos ficar. Até agora pensava-se que íamos para outro espaço, não se levantaram gruas, por isso temos de requalificar paulatinamente este equipamento. Não é possível construir de raiz noutro local, arranjou-se uma solução aqui ao lado e vamos crescer e requalificar no mesmo lugar”.
Por outro lado, há a intenção de reabilitar o Centro de Recursos, onde funciona a Universidade Sénior, com cerca de 140 utilizadores diários. Aliás, a instituição tem sido o grande catalisador regional, com muita interação entre as pessoas da Universidade e as do lar e do Centro de Dia. Recentemente o Centro Social Paroquial de Nossa Senhora da Nazaré organizou o segundo encontro regional de Universidades Seniores, com a participação de cerca de 500 pessoas.
Os projetos requerem dinheiro e, sobre finanças, Alexandre Cruz apresenta o histórico do Centro como cartão de visita.
“A instituição tem tido sempre resultados positivos ao longo dos seus mais de 30 anos de atividade”, revela. No entanto, “houve dois anos horríveis, com resultados negativos, que foram os da pandemia de Covid-19”.
Alexandre Cruz recorda uma formação em Aveiro, a que foi com o presidente da instituição, padre César Fernandes, no ano de 2019. “Em pré pandemia, já 40% do Sector Social em Portugal tinha resultados operacionais negativos. Isto é tesouraria!”, argumenta, recordando: “Com a pandemia apanhámos dois murros no estômago. 2021 já foi a aliviar, mas o ano de 2020 foi muito mau! Menos utentes, planos de contingência, Centro de Dia parado… E já temos o Centro de Dia em pleno, mas há instituições que não reabriram a resposta. Mantivemos a equipa, apesar de algumas baixas, mas gastámos imenso dinheiro em EPI”.
E os gastos cresceram exponencialmente quando o vírus entrou na instituição, numa fase em que a luz ao fundo do túnel da pandemia era cada vez mais brilhante.
“Morremos na praia! Resistimos de março a dezembro, mas em dezembro de 2020 tivemos um surto, estavam as vacinas quase a chegar. Houve seis óbitos, mas de pessoas em situação já muito deficitária. Vivemos e sofremos à distância com o que se passou no Lar de S. José, em Ílhavo, e na Santa Casa de Aveiro, o caos e o pânico que foi, e tínhamos essa angústia”, conta o diretor de Serviços.
“Foi uma fase muito complicada, porque houve um período em que os utentes ficaram confinados aos quartos. Foi doloroso vê-los assim confinados ao quarto, depois o contacto com os familiares não existia… Foi um pesadelo”, refere Inês Cuco, com Alexandre Cruz a reforçar a ideia: “Foi um pesadelo porque, de xis em xis horas, tinha de haver cuidados aos utentes. Não pudemos fechar. E a equipa foi-se ressentindo, porque também foi ficando infetada. E quem é que ia prestar os cuidados? Tivemos um final de ano com gastos de cerca de 30 a 40 mil euros. Só de resíduos hospitalares, que tinham de entrar num circuito diferente de inutilização, foram logo cinco mil euros”.
No combate ao vírus, a instituição contou com elementos das brigadas criadas pela Segurança Social, mas introduziu algumas alterações à dinâmica das equipas.
“Contratámos uma empresa de limpeza e o pessoal desses serviços passou a prestar cuidados aos utentes, porque os conheciam melhor, passando os trabalhadores externos a fazer essas funções. E foi um dia de cada vez, mas com uma carga de trabalho incrível”, explica Alexandre Cruz, que conta um episódio, no mínimo, caricato: “Quando estava no isolamento de 12 dias, a tentar apagar fogos à distância e a tentar contratar pessoal à distância, tinha, por um lado, a Segurança Social a recomendar que se criassem equipas em espelho, com horários de 12 horas, sete dias seguidos e tinha, por outro lado, uma inspetora da ACT a dizer-me que aquilo era ilegal. Foi surreal”.
Tal como em muitas outras IPSS, o corpo de funcionários, na maioria mulheres, é cada vez mais multicultural, face às dificuldades em contratar. Na Gafanha da Nazaré passa-se o mesmo.
“Sim, temos sentido dificuldades em contratar e temos recebido algumas imigrantes, que apresentam algumas dificuldades iniciais de adaptação intercultural. Também por parte de quem está a receber se sente isso, mas o entendimento sobre obrigações, responsabilidades, normas, por vezes, é difícil. Há algumas situações assim, mas outras são impecáveis”, explica, acrescentando: “Como priorizamos a língua, por uma questão de comunicação com os utentes, temos muitas pessoas brasileiras, mas também da Venezuela e outras”.
A dificuldade em contratar é mais pelos horários ou pela remuneração?
“Como nós portugueses, nos anos 1960 e 1970, fomos para França fazer os serviços que os franceses não queriam, agora acho que estamos a entregar os nossos cuidados pessoais a mão imigrante. Hoje já não queremos ter este tipo de trabalho ou temos outras competências e queremos outro tipo de trabalho”, argumenta Alexandre Cruz, ao que Inês Cuco acrescenta: “E não há uma valorização do pessoal que trabalha nesta área, em termos de formação e de remuneração”.
“Este trabalho devia ser mais compensado no final do mês, em termos de salário. Aí, talvez, as coisas mudassem, mas… A valorização laboral é importante”, sublinha Alexandre Cruz.
E como seria a Gafanha da Nazaré sem o Centro Social Paroquial de Nossa Senhora da Nazaré?
“Seria uma Gafanha mais triste, mais pobre nesta área de podermos ajudar as famílias e, em algumas situações, seria caótico. Há uns anos era mais fácil cuidar dos seus, agora as pessoas trabalham e é muito complicado quando surge uma necessidade de cuidados. Aí, nós temos um papel fundamental”, sustenta Inês Cuco.
Por seu turno, Alexandre Cruz considera que “seria diferente, porque estamos a falar de um apoio a centenas de pessoas”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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