Acabei de ler, há poucos dias, o livro que se intitula a “Esperança” que é a autobiografia do Papa Francisco. Nem sequer me sinto obrigado, por ser cristão católico, a declarar o meu conflito de interesses, porque considero tão importante o conteúdo do livro que o recomendo a toda a gente, independentemente, de ser ateu agnóstico ou pertencer a qualquer religião. Aos católicos nem sequer recomendo, afirmo que deveriam sentir-se na obrigação de o ler. Depois de o fazermos, poderemos concordar ou não com algumas posições e afirmações do autor, mas sem ler o livro é que não podemos, cada um com as possibilidades que tem, de discordar e tornar públicas as suas dissensões. O próprio autor admite e deseja isso mesmo.
Na verdade, tinha pensado em outro assunto para o meu modesto texto para este mês. Porém, o que se passou, no passado dia 28, na Casa Branca, nos EUA, fez-me optar pelo tema que proponho à vossa reflexão. Faço-o, apenas e só, na perspetiva de um cidadão do mundo que há muito se sente atento e preocupado com as estratégias geopolíticas a nível económico, de ideologias fundamentalistas ou populistas, de modelos de governanças, …. Quero acreditar que o que se passou no encontro entre os presidentes dos EUA e da Ucrânia seja um acontecimento da má sorte de um dos homens mais poderosos do mundo. Para além do péssimo acolhimento, chegou a responsabilizar o seu hóspede de poder vir a ser o responsável pela terceira guerra mundial. A realidade é que ela já está a acontecer, embora, aos pedaços, como algumas vezes tem dito o Papa Francisco.
Porque é que trago este tema para um jornal dirigido a todo o público, mas com uma especificidade maior para todos os que se interessam ou estão mesmo envolvidos no setor social e solidário, particularmente, as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)? É que se trata de um setor com condições adequadas, particularmente nas faixas etárias infantis e juvenis, mas mesmo noutras idades, sem esquecer a relação com a comunidade envolvente. Nas instituições abrangidas por estes setores aprendem-se, desde a mais tenra idade, todos os valores que são necessários para uma sociedade onde exista: mais coesão social; maior solidariedade; uma sensibilidade acrescida pela diferença; um cuidado pelos outros, sobretudo pelos mais vulneráveis; mais sentido de justiça; um respeito mais sensível pelos animais e por tudo o faz parte da Natureza; um desenvolvimento cognitivo progressivo; a ocupação feliz dos tempos livres. Infelizmente, sabemos que ainda há muitos concidadãos sem acesso às respostas socias ou socioeducativas das IPSS; que nem sempre os pais ou filhos orientam as suas famílias pelos mesmos critérios educativos ou de cuidados humanos integrais, que se procuram inculcar nos seus familiares; que os meios sociais, com particular preocupação para as redes sociais, exercem, hoje, uma influência incontrolável sobre as pessoas, geradora de problemas pessoais e socias, por vezes, muito graves. O bullying nas escolas e nos locais de trabalho ou a violência no namoro ou a entre casais, assim como os conflitos entre gangs, quase sempre, provenientes de bairros críticos, entre outras situações onde a paz é posta em causa. Refiro-me ao nosso país, mas a nível internacional são numerosos os países em guerra, apesar de se falar, apenas com maior frequência, de Israel e o Hamas, da Rússia e Ucrânia. São 59, os países em guerra por todo o mundo.
A propósito da guerra e da paz, permitam-me que, a partir de agora, passe a opinar menos e a dar a conhecer mais o pensamento do Papa, transcrevendo alguns dos trechos do capítulo 21, do livro, acima referido, que tem como título, “O escândalo da Paz”. Ele refere-se à devastação já causada pelo conflito existente entre a Rússia e a Ucrânia e faz o que está ao seu alcance que é o apelo à paz. Reconhece que não é fácil, por isso, diz: «O caminho da paz tem os seus riscos, é certo, mas comporta riscos infinitamente maiores o caminho das armas, a compulsão para repetir uma eterna corrida aos armamentos que contamina a alma e subtrai enormes recursos a utilizar para combater a desnutrição, para garantir tratamentos médicos a todos, para edificar a justiça, em suma, para entrar verdadeiramente na única via que pode evitar a autodestruição da humanidade.»[1]. A maioria das guerras, senão a sua maior parte, tem fundamentos económicos. Nestes casos, eu preferiria chamar-lhes financeiros, porque a economia é uma ciência muito mais abrangente e, por vezes, a sua área financeirista torna-a perversa. Ora, este negócio tornou-se, conjuntamente com o tráfico humano e o das drogas, dos mais rentáveis a nível mundial. Depressa se constroem e se deslocam fábricas construtoras de armamento. Em quase todos os países as percentagens dos PIB neste setor são mais elevadas que na educação, saúde, habitação, cultura, níveis salariais. Sobre isto, Francisco é muito objetivo: «Se não se fabricassem armas durante um ano, a fome no mundo acabaria por completo, um só dia sem despesas militares salvaria 34 milhões de pessoas, mas, em vez disso, escolhe-se aumentar as despesas militares, tal como nunca acontecera... e fabricar a fome. Sou suficientemente velho para ter visto, com os meus próprios olhos que a guerra é sempre um caminho sem meta: não abre perspetivas, não resolve nada, gangrena tudo e deixa o mundo pior do que o encontrou.»[2] .
A paz é possível! Expressou, algumas vezes, essa convicção, o S. Paulo VI. Pode ser uma utopia, mas cheia de potencialidades de ser muito promissora, porque prenhe de esperança. Bastaria, apenas, sermos desde pequenos, mas também ao longo da vida, educados contra a violência e pela paz. Há já instrumentos pedagógicos elaborados para esse efeito. Sugiro, pelos menos, a alguns dirigentes das nossas IPSS, que experimentem. É esse o apelo que o Papa Francisco nos faz: «Não obstante, não podemos render-nos, não podemos cansar-nos de lançar sementes de reconciliação. Não podemos ceder nem à retórica nem à psicose belicista, pois o destino da humanidade, não pode ser o de construir reinos armados até aos dentes que se enfrentam no medo (...) devemos cultivar a certeza de que cada semente de paz dará o seu fruto. Tal como todas as ações de guerra, também a guerra das palavras afasta o momento em que “justiça e paz se beijarão” (Sl 84 11).[3]
Estou convicto de «Sem Paz não há futuro». Haverá alguém que discorde?
[1] Cf. FRANCISCO, Esperança: A Autobiografia, Lisboa, Nascente- Penguin Random House Grupo Editorial, Unipessoal, Lda, 2025, 284.
[2] Cf, Ibidem, 285.
[3] Cf, Ibidem, 286.
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