EUGÉNIO FONSECA

Agora, que os eleitos só pensem no bem comum

Sou um político resiliente, sem nunca ter sentido a necessidade de me envolver na política ativa. Quero dizer que, há mais de cinquenta anos, fiz a opção de viver a minha cidadania em setores relacionados com a proteção e intervenção sociais com o objetivo de cooperar para a transformação da sociedade a que pertenço e que se veio alargando do local ao internacional. Fi-lo sempre integrado em instituições com identidade cristã, pertencentes à Igreja Católica. Agora, continuo a trilhar o mesmo caminho, mas com instituições de solidariedade da sociedade civil, sem perder os meus valores humano-cristãos e assumindo-me como católico. Isto para deixar claro que cada pessoa que, a propósito de alguma causa, toma alguma atitude, seja ela positiva, negativa ou nenhuma, está a assumir uma posição política no sentido intrínseco da palavra que quer dizer cuidar da polis, ou seja da cidade. Teríamos um país diferente se cada um/a dos seus habitantes, de acordo com a sua idade, competências, contexto social, cultural, religioso… se dedicasse, depois do seu trabalho remunerado, a uma atividade em favor do bem de alguém ou da sua comunidade.

Têm-no dito alguns Papas – Francisco repetiu-o várias vezes –, referindo-se aos que optam mesmo por se integrarem na vida política, que fazê-la é uma das formas mais nobres de exercer a cidadania. Não posso estar mais de acordo. Todavia, é uma opção muito exigente. Refiro algumas dessas exigências: seriedade nos compromissos e reta consciência nas responsabilidades assumidas; forte disponibilidade na capacidade da doação do tempo; motivação primordial para a realização do bem comum; consciência ética apurada; capacidade de diálogo e de cedência quando estão em causa objetivos maiores. Que se tenha em conta que a política ativa não é uma profissão, mas uma outra forma, repito muito nobre, de servir a causa pública. Enveredar por esta forma de cidadania para procurar alcançar objetivos pessoais, é desvirtuar tão nobre missão. Mais imperiosa se torna a política ativa, quando alguns dos que optaram por ela são eleitos pelo povo para tudo fazerem para que em Portugal haja menos desigualdades sociais e todas as consequências que as mesmas acarretam. É isso a democracia. Mas, este modelo de governação política, também, dá a possibilidade de a sociedade se organizar em vários tipos de instâncias para cooperarem com os políticos ativos de modo a que o poder não fique concentrado neles.

Escrevo este texto no dia seguinte ao das eleições. Fiquei triste por 35% dos eleitores não terem cumprido este seu direito que deveria ser compreendido também como um dever. Sei que já houve eleições em que a abstenção foi maior, mas lamento que não se aproveite a oportunidade que a democracia nos dá de se escolher quem queremos que nos represente na Casa da Democracia. O povo escolheu e a sua escolha é soberana. Atrevo-me a pensar que em cada voto, fundamentalmente dos que pertencem à classe média ou vivem em situação de pobreza, foi o desejo de se ter um Portugal com maior justiça social e solidariedade. Dentro destes dois valores humanos cabem muitas necessidades que, muita da nossa gente, ainda sente.

Agora, que o Parlamento seja um lugar onde se legisle a pensar mais no povo, do que nos Partidos a que se pertence. Muitas vezes tenho dito e torno a afirmar, para situações incontornáveis como: a criação de postos de trabalho com salários dignos; a erradicação da pobreza absoluta; o acesso a cuidados de saúde e a habitação a custos acessíveis; a diminuição do abandono ou insucesso escolar, deveria haver “Pactos de Regime”, ou com outra designação, para que se obtivessem consensos no sentido da criação de medidas de políticas públicas, se dispensassem dogmas ideológicos e imperasse a cultura democrática do diálogo. O diálogo construtivo deveria ser a regra de ouro dos encontros entre os deputados e não o insulto, por vezes gratuito e pouco digno da missão que desempenham.

Poder-se-á pensar que estou a fazer um apelo para que se reneguem princípios ideológicos; não se trata de renegar tais princípios, mas sim de ter a capacidade de relativizar a sua rigidez, em função dum bem maior, quando esteja em causa a defesa e respeito pela dignidade humana, que, estes sim, são princípios absolutos sem os quais não viveremos em verdadeira democracia, correndo o risco de se vir a enfraquecer os valores que suportam a própria democracia.                                    

 

Data de introdução: 2025-06-12



















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