AUGUSTO MARQUES, PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA E DA CASA DO POVO DE QUIAIOS

Cargos políticos e sociais são complementares

Quiaios tem data de baptismo do ano 897 da era cristã, mas o seu nascimento foi muito antes. Hoje é uma freguesia do concelho da Figueira da Foz, com 4500 habitantes. Na época estival, porém, a população duplica, graças à tranquilidade da sua praia e às condições de alojamento que oferece. Terra simpática, como é, mostra ao visitante sinais da sua antiguidade e importância social. E para ajudar nos problemas mais candentes da população residente tem uma instituição dinâmica – Casa do Povo de Quiaios –, fundada em 1973, essencialmente para apoiar os trabalhadores rurais. Como IPSS, estatuto que adquiriu em 1991, assumiu outros serviços, mais vocacionados para a família, mas não ficou por aí. Para conhecermos melhor o que faz e o que pretende fazer, o SOLIDARIEDADE foi ouvir o seu presidente Augusto Marques, que o é há nove anos, sendo também presidente da Junta de Freguesia, em segundo mandato.

Augusto Marques garante que não há qualquer espécie de incompatibilidade entre as funções que exerce na Casa do Povo de Quiaios (CPQ) e na Junta de Freguesia. Diz que as Juntas têm normalmente “meios escassos”, sendo mesmo “nulos em matéria social”, pelo que pode e deve haver uma normal cooperação. “Nunca vi conflito de interesses no exercício simultâneo destes dois cargos que exerço, mas vejo uma complementaridade saudável”, frisou.
Assegurou que há uma mais-valia nesta dupla função, porquanto “pode estimular outros autarcas a envolverem-se mais no social”, através das suas intervenções a nível político, tanto nas Assembleias de Freguesia e Municipal e noutros órgãos, como no dia-a-dia da vida.

Há meses, a CPQ foi convidada a dar o seu testemunho, enquanto membro da Comissão Social de Freguesia de Quiaios (CSFQ), na tentativa de sensibilizar os presidentes das Juntas de Freguesia do concelho de Coimbra, precisamente para a dinamização de acções sociais e para a criação das suas próprias Comissões. Augusto Marques notou, no entanto, que persistem “muitas resistências” nesta área, apesar da importância de uma estrutura de reflexão e de suporte como aquela, que concretiza, na prática, o trabalho em rede.

Falando da CSFQ, inicialmente dinamizada por si, na dupla missão de presidente da CPQ e da Junta, reconheceu que desde a primeira hora ela tem “figurado como um excelente elemento de coordenação” entre as várias instituições da freguesia, sejam de carácter cultural e social, como educativas e de saúde, entre outras. A nível nacional, as CSF estão devidamente regulamentadas, existindo a de Quiaios desde 2003.

A CSFQ reúne com regularidade para analisar várias questões que vão surgindo, normalmente do âmbito da pobreza e da exclusão social. Em conjunto, procuram-se soluções, assumidas pelas próprias instituições, enquanto nos casos mais complicados se recorre ao encaminhamento para instituições especializadas, como é o caso do CAT (Centro de Atendimento a Toxicodependentes) de Coimbra, sempre disponível para ajudar.
Só por si, a CPQ atendeu, nas suas valências, em dois anos de existência da Comissão, 16 utentes em situação de extrema carência, sinalizados nas reuniões, para além do apoio a outras pessoas remetidas para instituições de tratamento.

Quanto a novos problemas sociais da freguesia, nomeadamente os relacionados com o desemprego, Augusto Marques assegurou que as carências emergentes têm merecido uma atenção cuidada. Nessa linha, a CPQ, que não tem capacidade e meios para responder a tudo e todos, comunica os casos a diversas entidades, especialmente à Segurança Social e à Câmara Municipal da Figueira da Foz, as quais, dentro das suas possibilidades, vão dando as respostas essenciais.

Considera que a Habitação Social é necessária, sobretudo nas zonas urbanas. Porém, e para já, a Casa do Povo tem apostado na ajuda à recuperação de habitações dos mais pobres da freguesia, mas o presidente não deixou de apontar as dificuldades sentidas nessas intervenções, “que requerem recursos materiais avultados”. Ainda considera que há programas oficiais que urge aproveitar, disso dando conta às famílias mais carecidas, “pois as candidaturas dependem exclusivamente das pessoas”.

Espírito de vizinhança minimiza desemprego

A CPQ, para além das valências normais das IPSS, como Creche (36 utentes), Jardim-de-Infância (43), ATL (70), Lar de Idosos (30), Centro de Dia (13) e Apoio Domiciliário (40), tem uma valência cultural, constituída pelas Filarmónica Quiaense (50 músicos), Orquestra Ligeira (20) e Escolas de Música (25 alunos). Mantém ao seu serviço 41 funcionários, para além do maestro, da maestrina e da professora de música. Como voluntários, estão todos os membros da direcção. “Já temos feito apelos públicos no sentido de estimular a colaboração das pessoas, mas persiste a ideia, em muitos meios, de que o voluntariado é para os outros”, afirmou o presidente da instituição.

Como justificação para o facto de o sector musical estar integrado na CPQ, Augusto Marques adianta que se tornou necessário dar a mão à Filarmónica em 1977, porque na altura “a Banda estava praticamente moribunda”. Tendo sido fundada em 1869, a Casa do Povo não podia, nem devia, deixar morrer uma instituição tão antiga e de tantas tradições na terra. Hoje, a Filarmónica e a Orquestra continuam a desempenhar um papel relevante na área da formação musical, para além de serem veículos valiosos para a projecção de Quiaios no País, através das suas muitas exibições. Esta valência tem contado com apoios da Câmara da Figueira da Foz e do Governo, através da Secretaria de Estado da Cultura.

Todas as actividades da Casa do Povo se desenvolvem em quatro edifícios, distribuídos pela freguesia, estando em projecto a ampliação do Lar de Idosos para mais dez utentes, já que a lista de espera é grande. Para junto da sede, onde funcionam os serviços administrativos, está programada a construção de instalações para a Escola de Música.

Quanto a apoios para essa construção e para as obras de manutenção no edifício do século XVII, que pertenceu aos Frades de Santa Cruz de Coimbra e que presentemente alberga o Lar de Idosos e o ATL, a CPQ espera consegui-los, tanto do Governo como da Câmara da Figueira da Foz. Augusto Marques sabe das dificuldades em obter subsídios, porque a crise é geral, mas não desistirá de se candidatar às comparticipações indispensáveis, na esperança de ver contemplada a instituição que dirige.

Embora reconheça que a população nem sempre pode colaborar como a direcção desejaria, o presidente da CPQ compreende essa realidade, pois sabe que os “vencimentos das pessoas são normalmente magros, o que limita as suas disponibilidades de colaboração”. Também assinalou que nesta freguesia, como em todas, há desemprego, que é minimizado, no entanto, pelo espírito de vizinhança, que ainda existe, e pelas ajudas familiares.

Questionado sobre solidariedade e voluntariado, inerentes às IPSS e às instituições similares, Augusto Marques reconhece que há pessoas e funcionários animados por tais sentimentos, mas considera que a CPQ espera dos seus colaboradores “fundamentalmente profissionalismo”, profissionalismo que é avaliado com regularidade. A esse propósito, o director técnico, João Gaspar, frisou ao SOLIDARIEDADE que há reuniões mensais nas várias valências para programação e avaliação do desempenho dos funcionários. “Os trabalhadores colocam aí as suas questões e as suas dificuldades, ao mesmo tempo que dão sugestões sobre a forma de melhorar os serviços; há bastante informação dentro da Casa do Povo, para que toda a gente saiba o que se passa e quais os objectivos que todos temos de atingir e superar”, disse.

As relações entre a direcção e os funcionários da CPQ são boas, como garantiu o presidente. “Um ou outro conflito de interesses é sempre resolvido no melhor sentido”, disse. E acrescentou: “Os dirigentes da CPQ são trabalhadores por conta de outrem; têm uma relação laboral com a sua entidade patronal e procuram, de alguma forma, transportá-la para a instituição. Ou seja: tentam todos estabelecer o equilibro, não pondo em causa, no essencial, os direitos dos trabalhadores, porque também o são, embora noutras instituições ou empresas.”
Quanto ao envolvimento da comunidade nas acções programadas pela instituição, o presidente Augusto Marques informou que os utentes e seus familiares são sempre convidados a ter um papel mais activo, para se atingir uma melhoria na qualidade dos serviços a prestar por cada valência.

Governo não pode prejudicar as IPSS

Quiaios ainda se mantém livre da existência de excluídos, como freguesia semiurbana que é. Os poucos casos que vão aparecendo têm tido os apoios normais. “Há, contudo, uma ou outra situação que a CPQ não resolve sozinha, por se tratar de pessoas praticamente irrecuperáveis; tanto estão na freguesia como depressa desaparecem”, adiantou Augusto Marques. E na qualidade de presidente da Junta referiu que a autarquia, apesar de ter preocupações nessa linha, pouco pode fazer, a maior parte das vezes, porque “os meios que possui nem pouco mais ou menos chegam para dar respostas a problemas sociais”.

Ao abordar a questão do ATL, sector em que o Governo está a mexer com alguma profundidade, o presidente da Casa do Povo denunciou que as medidas governamentais, já anunciadas, prejudicam as IPSS nas acções que têm desenvolvido até ao momento “e na forma como estavam articuladas”. “O caminho que o Governo tem preconizado é, inevitavelmente, o caminho que as coisas deviam tomar há muito tempo; agora, a forma de atingir esses objectivos é que não me parece a melhor”, salientou. E acrescentou: “Isto tudo devia ser pensado com calma, compensando o Estado as IPSS que há mais de 20 anos investiram no ATL, em pessoal e não só; achamos, em resumo, que a medida governamental é o caminho para se chegar a uma educação integrada e de qualidade, mas tudo devia ser estudado atempadamente e sem prejuízo para ninguém.”

Na opinião de Augusto Marques, se as medidas avançadas pelo Governo forem por diante, as escolas têm de garantir o acompanhamento completo, das 7.30 às 19 horas, o que não parece muito fácil de pôr em prática. Assim, as crianças poderão ter que andar a correr das instituições para as escolas e das escolas para as instituições, enquanto os pais estão nos seus empregos.

* Texto e fotos

 

Data de introdução: 2006-08-01



















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