1. Escrevo este crónica entre o dia 25 de Abril e o dia 1 de Maio.
Para as pessoas da minha idade – da minha geração -, trata-se de uma semana gloriosa, não sendo possível dissociar estas duas datas de tão grande intensidade simbólica.
Foi o primeiro 1º de Maio da liberdade, em 1974, que caucionou na rua, num ambiente de euforia e de festa, o apoio em massa dos cidadãos à Revolução militar que, uma semana antes, tinha posto termo a uma ditadura perversa e triste, que durante quase cinquenta anos aprisionou o país dentro de si próprio.
Cheguei a Coimbra no dia 25 de Abril de 74, pela manhã, para fazer exame de Medicina Legal, no último ano do curso, tendo sabido pelo Joaquim Namorado, poeta do Novo Cancioneiro, à porta da Atlântida, da revolução que corria em Lisboa.
E três anos depois, no 1º de Maio de 1977, nascia o Gonçalo, o meu filho mais velho, lembrando ainda hoje a minha mulher os ecos da manifestação que decorria nas traseiras da Maternidade Júlio Dinis durante o trabalho de parto.
2. Passaram trinta e três anos – a idade de Cristo – desde esse “dia inicial, inteiro e limpo” até hoje. E muita água correu por baixo das pontes.
Não há, aparentemente, sobressaltos quanto à subsistência do regime democrático.
No prazo estabelecido, lá vamos tendo eleições – para as autarquias, para o Parlamento, para Presidente da República.
Os governos sucedem-se, renovam-se e substituem-se.
Embora em grau menor, a mesma rotação de titulares vai-se fazendo nas autarquias.
O PS e o PSD vão exercendo à vez o poder – a governação, como agora se chama ao governo - , ora com, ora sem a muleta do CDS. Todos partidos com profissão de fé certificada e garantida nas virtudes do sistema de representação e da liberdade individual.
3. E, no entanto…
No entanto, a manifestação popular do 25 de Abril deste ano, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, foi uma das maiores manifestações dos últimos anos, contando com centenas de milhar de pessoas – mesmo nas contas da polícia, que, como se sabe, costuma contar por baixo.
(E a pujança das manifestações é sempre proporcional à insatisfação social dos manifestantes…)
No entanto, está marcada para o mês de Maio uma greve geral – a primeira greve geral contra um governo do PS.
No entanto, nas cerimónias oficiais de comemoração do 25 de Abril, no Parlamento, um deputado do PSD alertou para os riscos que ameaçam o exercício das liberdades públicas, nomeadamente a liberdade de informação, tendo nesse diagnóstico suscitado o aplauso da generalidade dos comentadores, de todos os quadrantes, que entendem que esses riscos são reais.
4.Uma das ameaças à liberdade que mais tem ocupado o debate público é a dos poderes conferidos por lei à Entidade Reguladora da Comunicação Social de intervir por via administrativa, e através de medidas sancionatórias, no conteúdo das peças publicadas nos órgãos da imprensa.
Ora, em meu entender – e creio que igualmente no entender de quem sabe o que a censura do antigo regime significou -, medidas de natureza administrativa, isto é, não determinadas pelos tribunais, que podem ir desde a suspensão de programas à supressão de peças publicadas e à aplicação de multas fora de qualquer propósito, por muito eufemismo pós-moderno que seja usado para as qualificar, não passam de formas de coacção e de censura.
Leio, de resto, nos jornais que no escrutínio dessa ERC caberão não apenas as peças dos jornalistas propriamente ditos, mas também as crónicas e os comentários de quem, não sendo jornalista, escreve nos jornais.
Quer dizer: Até estas singelas crónicas, que susbscrevo no Solidariedade, podem ser chamadas a capítulo.
Quem diria…?!
* Manuel Alegre
Data de introdução: 2007-05-04