1 – Estive, no dia 30 de Maio, na abertura solene do Congresso das Misericórdias, em Braga.
A Sessão de abertura foi presidida pelo Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Dr. José Vieira da Silva, que, na ocasião, interveio salientando as prioridades definidas pelo Governo para os próximos anos para o desenvolvimento das políticas sociais, bem como o modo de as realizar.
Retive, dessa intervenção, algumas notas que me parecem bom pretexto para esta crónica.
2 – O Ministro anunciou, a dado passo, os eixos prioritários de intervenção do seu Ministério no que tem que ver com o seu relacionamento com as instituições de solidariedade.
Resumiu-as em três:
Em primeiro lugar, o alargamento das respostas na 1ª infância, designadamente em creches, por forma a abranger, em 2009, 35% das crianças dos 3 meses aos 3 anos.
A esse propósito, o Ministro enfatizou, e bem, o papel desses equipamentos, não só na promoção do desenvolvimento das crianças e na criação de condições de igualdade para todos no acesso aos direitos, mas também no âmbito da protecção da família, permitido aos pais uma vida profissional estável pelo acolhimento, em condições de segurança, dos seus filhos.
As instituições estão de acordo com o Governo nestes objectivos.
O segundo eixo refere-se à qualificação profissional dos trabalhadores das instituições de solidariedade.
Também por aqui o tom do Governo e das instituições é idêntico – o que aliás é dito com clareza no Protocolo de Cooperação para 2006, onde a CNIS e o Ministério acordam um programa de formação de 5 000 trabalhadores por ano num contexto de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências.
Trata-se também esta de uma prioridade essencial. Não só por se enquadrar no objectivo nacional de qualificação escolar dos recursos humanos do nosso Pais, mas fundamentalmente, pelo que nos diz respeito, por estar verdadeiramente nas mãos dos nossos trabalhadores – e mãos em sentido próprio, material – a qualidade dos serviços que prestamos às pessoas.
Finalmente, o terceiro eixo é, nas palavras do Ministro, a diferenciação positiva no acesso às prestações sociais.
Também neste princípio o discurso do Governo e os princípios que norteiam as IPSS são confluentes.
Não é, de resto, outra coisa que já fazem as instituições quando fixam as comparticipações dos utentes ou das famílias em função dos rendimentos e da capitação.
E, por outro lado, também no Protocolo de 2006 a CNIS e o Ministério acordam o desenvolvimento de novas modalidades deste princípio, no que toca às comparticipações pagas pela Segurança Social.
3 – Parece, assim, que a CNIS e o Governo se encontram de acordo quanto ao essencial: na identificação das necessidades mais intensas; nos princípios que devem impregnar a intervenção; no objectivo de tornar melhor a vida das pessoas e das famílias.
O que às vezes nos separa é o modo.
Ora, o modo não é coisa de somenos.
Há até muito quem entenda – foi essa a matriz teórica da minha geração – que o fundo e a forma, isto é, a substância e o modo, são indissociáveis, se pertencem mutuamente, são partes do mesmo todo.
A própria democracia é, antes de tudo, o respeito pela forma: pelos procedimentos, pelas formalidades – eleições, separação e limitação dos poderes, controlo da actividade do executivo…
Também a sabedoria antiga nos dá uma contribuição a esta atenção que é preciso ter ao modo – aos “modos”, como se diz em registo popular: “est modus in rebus“.
E por vezes, na verdade, alguns sinais que vêm do Governo – ou das estruturas dele dependentes – não vêm “com bons modos”.
Não foi à toa que salientei que o acordo entre a CNIS e o Governo nas prioridades acima referidas consta de contrato escrito – o Protocolo de Cooperação.
Esse Protocolo, além de definir o fundo, isto é, o quadro da cooperação nas várias valências, estabelece igualmente o modo.
E o modo é este: as inovações e alterações ao quadro estabelecido só o podem ser por negociação com a CNIS.
Ora, as últimas semanas trouxeram alguns sinais, em certas matérias – ATL, diferenciação positiva – que parecem apontar para decisões – e alterações – já definidas, à revelia e antes de qualquer concertação com a CNIS.
Como se fossem factos consumados.
Como se o modo estivesse mudando.
5 – Também por isso foi significativo ouvir o Ministro, em Braga, lembrar como um momento definidor de uma nova cultura – um momento “inicial, inteiro e limpo” – o Pacto de Cooperação para a Solidariedade, celebrado no Governo do Eng.º António Guterres.
E dizer que esse instrumento tinha de ser tratado – cito de cor – “com carinho, atenção e sensibilidade.”
Com carinho – como se faz às coisas preciosas.
Com atenção – para que não se estrague.
Com sensibilidade – por ser para as pessoas.
São palavras do dia a dia das instituições.
Foi importante ouvir o Ministro perfilhá-las, para mais a propósito de um Pacto que constitui, na verdade, a consagração da concertação e do diálogo como modo, o nosso modo.
Ainda mais importante quanto é certo que o diálogo e o legado do Eng.º António Guterres não parecem ter hoje grande cotação.
Modo mudando?
Esperemos que não – “pacta sunt servanda”.
* Vasco Graça Moura
** Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta
Data de introdução: 2007-06-06