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Graças ao centro de convívio acabei com a solidão”, Anónimo.
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Sou utente do meu Centro há 18 anos, sinto-me muito feliz, por fazer parte desta família… Nesta instituição encontramos tudo o que precisamos… Amor, caridade, dedicação e muita paciência”, Cândida Carvalho.
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Fiquei com uma opinião muito diferente do Bairro e gostei de trabalhar com ciganos”, Maria Eulália Ribeiro (funcionária).
Estes são alguns dos testemunhos que se podem ler na publicação comemorativa dos 25 anos da fundação do Centro Social da Paróquia da Areosa. Utentes, funcionários, colaboradores, voluntários de agora e de outros tempos não quiseram deixar passar a data em branco e fizeram questão de felicitar o trabalho desenvolvido pela instituição particular de solidariedade social.
Nascido com o intuito de dar resposta às diversas carências sociais que existiam na década de 80, o centro iniciou a actividade apenas com a valência de centro de convívio para idosos, por iniciativa do então pároco da Igreja de Nossa Senhora da Areosa, o Padre José Maia. Muito direccionado para a integração da comunidade cigana, a instituição foi crescendo e deixou de ter um carácter apenas assistencialista, para se dedicar a uma intervenção mais activa na sociedade. Actualmente, a sua área de acção divide-se entre dois pólos: o centro da Areosa, no qual desenvolve as valências de centro de dia, centro de convívio, apoio domiciliário e ATL e o centro do Bairro S. João de Deus, que também mantém as valências de centro de dia, centro de convívio, uma cantina social e um ATL, embora este último esteja em vias de fechar, devido à falta de crianças. A actividade diária da instituição chega a cerca de 900 utentes, um número elevado tendo em conta os 48 funcionários que trabalham no centro.
O Padre José Pires Diz é, desde 1996, presidente da direcção do centro social e considera “vital” a acção diária da instituição. “Nós estamos a socorrer muitos idosos, muitos doentes e temos valências muito diversificadas que dão resposta às necessidades desta comunidade”, afirma. Maria Goreti Moreira colabora com o centro há 17 anos e desde 2000 assumiu funções como directora da instituição. Ligada às causas sociais desde a infância,
Goreti Moreira acredita que “as respostas surgem naturalmente”. “Estas coisas não são premeditadas e acho que o sucesso está aí” e apresenta como exemplo um dos projectos mais recentes da instituição “Casas’ Comunitária’s”. “Tínhamos cá uma idosa, que já era utente do centro há mais de 20 anos e que vivia sozinha. A senhora tinha algumas posses e sofria de um grande isolamento social”, explica a directora. “Nós dávamos-lhe apoio domiciliário ao fim-de-semana e houve um domingo em que a funcionária chegou e a senhora não abria a porta, porque estava caída no chão”, conta, explicando que aquela situação fê-la perceber que o centro não tinha uma resposta eficaz para este tipo de casos. “A senhora faleceu pouco tempo depois, nos braços de uma funcionária da nossa instituição e o sobrinho quis doar os seus pertences ao centro. Não podia ficar indiferente e resolvi usar aquele dinheiro para construir uma resposta para pessoas na mesma situação daquela idosa e assim nasceu A Primeira”, recorda carinhosamente.
“A Primeira” foi o nome com que a instituição baptizou a primeira casa comunitária do centro social. Com capacidade para seis utentes, a casa acolhe pessoas idosas para dormir, sempre acompanhadas por uma funcionária do centro. Não sendo uma resposta tipificada na Segurança Social, a casa não tem acordo de cooperação, não podendo ser enquadrada nos centros de noite, uma vez que, segundo Goreti Moreira, “faltam-lhe algumas características típicas, que o centro possui, mas não enquadradas no âmbito da Casa Comunitária”. Pernoitar com segurança, sem medo de assaltos, de estar só ou de precisar de ajuda durante a noite são os principais motivos que levam os utentes a recorrer a este serviço. Alguns dos utentes mantêm a sua habitação e todas as ligações com o seu meio, mas escolhem vir dormir acompanhados. “Temos uma senhora que viveu a vida toda sozinha e agora tem a oportunidade de fazer o que sempre gostaria de ter feito: cuidar de outras pessoas”, exemplifica a directora. “Ela ajuda a pôr a mesa, a arrumar a loiça, a fazer o leite-creme e todos os dias de manhã vai à sua casa passear o cão e ver as suas coisas”. “A Primeira” nasceu em 2006 e pretende ser o início de uma rede de casas comunitárias que servirão apenas de “complemento” às necessidades dos mais velhos.
“Tenho uma filha e agora nasce-me uma neta”, foi assim que o fundador do centro social, Padre José Maia, começou a eucaristia comemorativa dos 25 anos da instituição. Para espanto de alguns, o antigo dirigente referia-se à instituição que nascia simbolicamente naquele dia, a “Liga de Amigos do Centro Social da Paróquia da Areosa”. Com o objectivo de promover o encontro de pessoas com vista a atenuar os factores de exclusão e de isolamento, a Liga de Amigos pretende ser mais uma extensão da actividade do próprio centro. “Fiquei muito surpreendida com a quantidade de pessoas que se inscreveram e com os parceiros institucionais que se quiseram logo associar”, diz Goreti Moreira. Entre as diversas actividades que se propõem levar a cabo destaca-se a gestão e amplificação do projecto das “Casa’s Comunitária’s” que ficou a cargo desta nova IPSS. A directora consegue resumir a estratégia futura da geração pós-25, como lhe gosta de chamar, numa palavra central “encontro”. Para Goreti Moreira “o encontro é mais do que um ponto de partida, é um ponto de chegada, onde o importante não é querer, mas poder”.
Bairro do Outeiro 611: um “encontro” que resistiu aos preconceitos A ligação à comunidade cigana é outra das características distintivas do centro social. Instalado numa zona já periférica à cidade do Porto, a vivência com os ciganos sempre foi uma constante para a comunidade da Areosa. “Aqui havia muitas barracas de ciganos e até há bem pouco tempo, tínhamos ciganos à porta da igreja que criavam cavalos”, relembra Goreti Moreira. A igreja em forma de tenda vem intensificar essa relação.
O trabalho com a comunidade cigana começou no antigo Bairro do Outeiro 611, onde actualmente está instalada a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto com um projecto denominado “A Casinha do Rabisco”, desenvolvido em parceria com o Instituto da Droga e da Toxicodependência e que tinha como principal objectivo promover a inclusão social das crianças ciganas na escola. Paula Pimenta, actual directora técnica social da instituição, esteve desde o início muito ligada a esse trabalho. “Inicialmente a nossa intervenção era direccionada para as crianças, com o objectivo de integrá-las na escola, acompanhá-las em termos de higiene e alimentação”, explica. Com boas condições logísticas, o trabalho desenvolvido era muito rico e abarcava muitas áreas. “Nós até tínhamos condições para dar banho às crianças e emprestava-mos roupas limpas”. O projecto começou a dar resultados e no final do mesmo, passados três anos, já todas as crianças da comunidade cigana frequentavam a escola. A coordenação do projecto achou que tinha chegado a altura de evoluir para outras acções. “Tivemos um grupo de adultos ligado ao ensino recorrente, que frequentava a escola três vezes por semana, o grupo “De A a Z”. Quatro pessoas concluíram o primeiro ciclo”, diz orgulhosa Paula Pimenta.
A parceria com a escola EB 2,3 da Areosa ajudava a implementar estas acções, além de contribuir para que “os ciganos saíssem do bairro e interagissem com o resto da sociedade”. Mas nem tudo foram facilidades e se agora a técnica trata com familiaridade vários membros da comunidade, no início as coisas eram bem diferentes. “Quando fui para o bairro trabalhar correu o boato de que eu ia para lá tirar as criancinhas que não estivessem na escola e logo no segundo dia, um marido de uma das senhoras insultou-me de tudo de forma muito ameaçadora”, afirma.
Entretanto a Câmara Municipal do Porto mandou demolir o bairro e a comunidade cigana foi realojada por toda a cidade, mas a ligação ao centro social manteve-se viva, assim como à paróquia da Areosa. “Já não moram aqui, mas preferem vir cá baptizar os filhos ou vir às compras”, diz Paula. Do grupo inicial do Bairro do Outeiro de 14 ciganas, seis continuam a vir regularmente aos encontros promovidos pelo centro. “Todas as terças, reunimo-nos e fazemos alguns trabalhos dentro das condições que agora temos”, explica a técnica.
Helena Anjos tem 30 anos e costuma vir ao grupo de convívio. É um caso diferente dentro da comunidade cigana, pois completou a escolaridade mínima obrigatória em Espanha, de onde é natural, e no país vizinho chegou a trabalhar numa Câmara Municipal, entre outros empregos. Desde que veio para Portugal, onde casou, nunca mais conseguiu arranjar trabalho e sente de forma muito mais intensa o preconceito e a exclusão de que é vítima toda a comunidade. “Aqui há uns anos fui a uma entrevista a um Centro de Emprego no Porto. Cheguei, o homem olhou para mim, pediu-me o bilhete de identidade e disse-me «Você é cigana? Então pode ir-se embora». E eu ainda lhe perguntei pela entrevista, mas ele respondeu-me que não era preciso”, conta com mágoa. Helena considera que a discriminação é muito mais forte e visível em Portugal e que coisas tão simples como ir às compras tornam-se tarefas difíceis. “Se entramos num supermercado, temos sempre o segurança atrás, pensam logo que vamos roubar”, afirma e dá exemplos de locais onde isso acontece repetidas vezes. Para esta mulher, que apesar de jovem aparenta muito mais idade, o “povo português é uma sociedade fechada e racista” e não compreende como é que o estigma permanece ao fim de tantos séculos de convivência. “Os imigrantes de Leste estão aqui há pouco tempo, mas nós estamos há uma vida”.
O trabalho de integração feito pelo centro social tem dado frutos e Paula Pimenta diz-se “muito satisfeita”. “Este tem que ser um trabalho continuado e só ao fim de alguns anos é que se conseguem ver resultados. Agora consigo que estas mães, que têm 10, 12 filhos os mandem todos à escola, o que já é um grande passo”. A coordenadora também se diz muito satisfeita pelo facto de várias das senhoras continuarem a querer frequentar o centro e apesar de morarem mais longe, não terem abdicado “deste bocadinho que temos à terça-feira”. Helena também concorda com esta posição e só lamenta “que este trabalho que ajuda tanto à integração, seja um exemplo único e que haja tanta dificuldade em arranjar verba para renovar este projecto”.
Data de introdução: 2007-06-18