São 21 etapas, num total de 721 km de Viana do Castelo a Faro em cadeira de rodas. A proeza começou a 1 de Agosto e pretende ser um alerta contra o clima de “hipocrisia” que se vive no país no que se refere aos deficientes. José Lima, de 52 anos, vai pedalar entre 35 a 40 km diários num protesto contra as “gritantes desigualdades” que os cidadãos com deficiência enfrentam. “Quero mostrar aos outros deficientes e à sociedade em geral que somos capazes de muitas coisas e até de um desafio como este, que não só é difícil para mim, mas também o é para qualquer pessoa dita normal”, diz.
A cadeira foi adaptada com uma terceira roda, pedais manuais e uma espécie de caixa de velocidades. Na cabeça leva um capacete de ciclista, veste um colete reflector e a mochila às costas. Todo o percurso foi cuidadosamente preparado e durante o mês de Julho, José treinou diariamente para que o corpo se habituasse. “Tento encontrar percursos planos, porque mesmo tendo a adaptação na cadeira de rodas, tenho dificuldades nas subidas”, afirma.
Com formação em electrónica industrial, foi um alto quadro de empresas portuguesas no mundo. Desempenhou funções na Venezuela e em Angola, país este que viria a marcar decisivamente o seu futuro. Em 1997, um acidente de trabalho deixou-o paraplégico. “Estava a reparar um elevador no Ministério das Finanças em Angola, que me esmagou contra uma parede de betão. Tenho sorte em estar vivo”, conta. A partir daí, e após os longos tratamentos em diversas unidades hospitalares do país, teve que se adaptar à sua nova condição e passou a enfrentar um sem número de preconceitos e barreiras. “Quando concorro a um posto de trabalho, envio o currículo e por telefone está tudo bem e até chego a ir a várias entrevistas, mas quando lá apareço em cadeira de rodas, apresentam uma série de desculpas e despacham-me”, confessa revoltado. Esta é uma das principais razões que o leva a efectuar esta empreitada. “Esta volta é um grito de dor, de protesto, por eu saber que posso trabalhar, tenho conhecimentos técnicos e experiência para o fazer e há três anos que estou desempregado. Nós, deficientes, não temos igualdade de oportunidades”, reafirma. Sem emprego, não ficou de braços cruzados e montou uma mini-gráfica em casa, onde já editou dois livros da sua autoria e outras obras assinadas por autores da região. “Faço todos os processos de criação do livro desde a escrita, à impressão e à encadernação”. Na mochila que vai transportar na viagem leva alguns desses volumes para vender. “Sempre dá para ganhar algum”, refere. O sítio na Internet “deficientes activos” (
http://webleones.home.sapo.pt/) é outra das suas ocupações diárias e a principal montra de venda dos livros que diz serem o único sustento que tem.
José Lima pertence a um grupo de cidadãos voluntários que colabora com a Câmara Municipal de Viana do Castelo para o projecto “Município Saudável”, que entre outros objectivos pretende tornar a cidade mais acessível às pessoas com deficiência, eliminando barreiras e facilitando a mobilidade. “Se eu quiser viajar de Viana do Castelo ao Porto de autocarro ou de comboio, não posso”, exemplifica. “Não há nenhum autocarro que faça esse trajecto que tenha uma plataforma de estrado baixo que permita o acesso em cadeira de rodas. Nos comboios que passam aqui em Viana é ainda pior. Para além dos três degraus, a porta é mais estreita que a largura de uma cadeira”.
José Lima escreveu a várias câmaras municipais pedindo ajuda para as pernoitas, sendo que até à data da realização desta reportagem, apenas de uma não tinha obtido qualquer resposta. A GNR a PSP também foram contactadas no sentido de prestar apoio na estrada e nas entradas e saídas das cidades. Recentemente, foi também contactado por motards que se mostraram disponíveis para auxiliá-lo em todo o percurso. “Ao longo do trajecto vou ser acompanhado por diversos motards que me vão ajudar a circular”, uma ajuda sempre bem-vinda, uma vez que há percursos com subidas e troços de estrada estreitos que lhe causam alguma apreensão. “Tenho medo de ser esmagado contra a parede por um camião, é o meu maior receio”, confessa.
Quase na estrada, José Lima conta que para o ano o desafio será ainda maior. “Vou tentar fazer a mesma viagem a voar num paramotor, com a minha cadeira, ao longo da costa. Não sei se vou conseguir, porque há um custo envolvido”, afirma com precaução. Por agora ficamos à espera de o ver cortar a meta a 21 de Agosto em Faro.
Data de introdução: 2007-08-09