Resguardado pelo castelo que domina toda a cidade, o edifício principal da Santa Casa da Misericórdia de Bragança fica no centro da cidade. Quem chega repara logo nos tectos altos, a lembrar velhas casas senhoriais, nas imensas janelas que lhe dão muita luz e claridade, mas é a vida a característica que mais se salienta. Por toda a casa e zonas envolventes há pessoas a conversar, idosos sentados em bancos de jardim a descansar, a jogar às damas ou a fazer renda. Todas as sombras são avidamente procuradas, ouvindo-se constantemente os alertas das funcionárias para que as pessoas se protejam do sol.
Teresa Paradinha trabalha há uma década na Santa Casa da Misericórdia de Bragança. É educadora social e convive diariamente com as centenas de idosos aos quais a instituição dá apoio. Uma década de trabalho que lhe deixa muitas marcas, mas que representa um pequeno contributo no universo dos quase cinco séculos de serviço que a instituição presta à população local.
Fundada em 1518 por compromisso outorgado pelo rei D. Manuel I, a Santa Casa teve como principal campo de intervenção a saúde, através do seu hospital. Em 1973, com a entrada em funcionamento do novo Hospital Distrital de Bragança, cessou o contributo nessa área e reconverteu a actividade para a assistência à infância e terceira idade. Diariamente, os 246 funcionários da instituição estão ao serviço de quase um milhar de utentes distribuídos pelas várias valências, desde lares de idosos, centros de dia, apoio domiciliário, ATL, escolas do primeiro ciclo do ensino básico, jardins-de-infância, centro de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica, serviço de amas, entre outras.
Os três lares situam-se todos no edifício principal e estão fisicamente interligados, comungando de grande parte dos serviços, como a cantina, a lavandaria ou o salão grande. A dimensão da obra obriga a esta divisão para ser mais fácil gerir em termos administrativos e práticos. Pela sua especificidade, o apoio à terceira idade acarreta elevados valores de manutenção. Os acórdãos de cooperação com a Segurança Social não ultrapassam os 50 por cento de comparticipação. A Santa Casa dispõe de um orçamento anual na ordem dos cinco milhões de euros que só elasticamente é que consegue chegar para tudo. “Uma instituição destas não pode governar-se só com os acordos de cooperação da Segurança Social, as famílias suportam a outra parte que falta e que nos ajuda a garantir a qualidade que oferecemos”, quem o diz é o actual Provedor da instituição, Eleutério Alves, eleito após o falecimento do antecessor em 1998, daquela que é a maior instituição de solidariedade social do distrito.
Dos zero aos 100 anos, e até mais, a Santa Casa acolhe essencialmente os utentes do concelho de Bragança, embora também receba de concelhos vizinhos, quando as situações assim o justifiquem, já que a lista de espera para entrar nos lares da instituição ultrapassa os 300 candidatos, não fosse este distrito do interior sofredor profundo do problema do envelhecimento da população. “Temos pessoas em lista de espera que nunca chegam a entrar, embora também haja casos de gente que se inscreve logo quando faz 65 anos por segurança”, explica Eleutério Alves.
Apesar da longa lista de espera, as situações merecem uma análise casuística e as emergências têm sempre prioridade. “Muitas vezes, está para ser chamada uma pessoa da lista de espera, mas, de repente, cai-nos uma situação de urgência, por exemplo, vinda do hospital e nós temos que responder”, diz o Provedor. Grande número de utentes entra na Misericórdia enviados do hospital da cidade, por já ter alta clínica, ainda a precisar de cuidados, mas também através da Segurança Social ou de familiares. A pressão para receberem doentes em convalescença ou com alta clínica, mas a precisar de tratamento e acompanhamento é tão grande que Eleutério Alves tem como meta a construção de uma unidade de cuidados continuados. Já foi feita uma candidatura no âmbito do projecto europeu “Saúde XXI” que aguarda despacho. “Acontece muitas vezes os utentes de Bragança terem de ser deslocados para Murça ou Vila Flor ou até outros pontos da região, ficando longe da família, porque aqui não há nenhuma instituição que lhes possa dar resposta”, refere o Provedor.
Também na área da saúde estão a ser desenvolvidos esforços para que seja possível abrir uma parafarmácia e a longo prazo transformar numa farmácia. “A nossa aposta é no campo da saúde, porque é essencial ao complemento do sector social”, salienta Eleutério Alves. A clínica de medicina física que a instituição já possui e que funciona há sete anos é, segundo o Provedor, a única em todo o distrito que pode garantir serviço de fisioterapia aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, mas ainda está à espera de um acordo de cooperação com o Ministério da Saúde que permita abrir as portas daquele serviço a toda a população. “Esse acordo foi-nos prometido várias vezes, mas já lá vão sete anos e nada”, lamenta Eleutério Alves. As críticas do dirigente máximo da Santa Casa não se ficam por aqui. Para ele, o Estado tem-se “demitido” no seu papel de apoio à criação e manutenção de equipamentos sociais e “tem criado reservas no sentido de não aumentar os acordos nem de criar novos”, afirma.
Alheios a estes assuntos, os utentes dispõem de um conjunto diversificado de actividades ao longo de todo o ano. Os diversos protocolos celebrados com outras instituições permitem organizar intercâmbios, visitas a santuários, excursões, etc. Para ocupar os tempos livres dos idosos foram criados muitos ateliers, como, por exemplo, de música, de artes tradicionais ou de trabalhos manuais, havendo exposições de tempos a tempos para mostrar os trabalhos. Teresa Paradinho salienta que é relativamente fácil trabalhar com os idosos, porque, diz ela, “vamo-nos conhecendo e quando morre um, sofremos como se fosse da família”.
Com o peso social que representam os quase 500 anos de existência, a Misericórdia de Bragança tem a função de um pilar na estruturação da vida social do distrito. Intervindo num sem número de áreas sociais, cada uma com particularidades próprias, encontra-se, no entanto, um denominador comum: a aposta constante na qualidade dos serviços prestados. As preocupações diárias e o “equilibrismo” mensal para gerir o orçamento são compensados pelo sorriso nos rostos de quem lá vive e pela confiança que toda uma comunidade lá deposita.
Data de introdução: 2007-08-09