A história repete-se a cada rosto que nos sorri durante a visita. Os rostos são de meninos e meninas para quem a vida foi madrasta desde tenra idade e que precisam de um cólo para crescer em segurança. São muitas as crianças institucionalizadas em Portugal que, cada vez mais, passam do adjectivo “temporário” para o “permanente” no seio das instituições de acolhimento.
A Associação de Solidariedade e Acçao Social (ASAS) em Santo Tirso é uma instituição particular de solidariedade social que nasceu há 15 anos com o objectivo de dar esse colo às crianças que precisam. Nasceu por iniciativa de um grupo de mais de duas dezenas de tirsenses que se preocupavam com a problemática da criança em risco, um problema agravado pelos níveis sócio-económicos muito baixos deste concelho do Vale do Ave, com índices de analfabetismo e alcoolismo muito elevados.
A ASAS desenvolve uma intensa actividade muito enraizada na vida da comunidade que ultrapassou a dimensão da criança em risco para se tornar num pólo dinamizador da actividade social do concelho. As crianças estão divididas, consoante a idade, pelos dois centros de acolhimento da instituição. O mais antigo é a Unidade de Acolhimento “Renascer” que está instalada numa moradia no centro da cidade. Acolhe crianças desde o nascimento até aos seis anos. Tem capacidade para 24 crianças, com quatro lugares destinados a acolhimento de emergência. O processo de institucionalização é sempre da responsabilidade dos tribunais, da Segurança Social e das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, sendo sempre encarado como uma fase de transição, com carácter complementar ao papel da família, mas a teoria distancia-se da realidade vivida no quotidiano daqueles meninos.
Maria do Céu Brandão é responsável pela direcção de serviços. Enquanto assistente social já presenciou muitas situações de prolongamento da vida de crianças na instituição, o que faz com que se criem muitos laços que nem sempre são fáceis de quebrar. A trabalhar na ASAS há 14 anos afirma que “todas as crianças precisam de vinculação, mas esta não pode afectar o caminho legal que lhes é destinado, por mais profundos que sejam os sentimentos”. A técnica diz que uma das grandes preocupações da instituição é a criação de laços com os meninos que são acolhidos, uma situação desejável desde “que se saiba que aquela criança tem um percurso de vida a seguir”. No entanto, Maria do Céu Brandão confessa que já aconteceram alguns de casos de colaboradores que se demitiram por não aguentarem a pressão de verem ir embora alguns dos meninos a quem se tinham afeiçoado. “Temos um caso de uma criança que acabou por ser adoptada por uma colaboradora nossa”, uma excepção à regra, já que é política da IPSS separar a parte profiossional da afectiva e incutir essa ideia nos colaboradores, para que sejam minimizados ao máximo os constrangimentos psicológicos.
Fruto dessa estadia prolongada, que se vem tornando cada vez mais habitual, a ASAS, em Setembro de 2000, inaugurou o Centro de Acolhimento Temporário “Raízes”, com capacidade para acolher doze crianças, dos seis aos doze anos. O principal objectivo é dar uma resposta “integral, institucional e global às crianças e jovens desde o nascimento até à autonomização”, como explica Gilda Torrão, secretária-geral da ASAS. A instituição assume-se como sendo uma “residência familiar”, em que as crianças frequentam todos os serviços da comunidade, desde a escola, às piscinas, ao cabeleireiro, às actividades desportivas, etc. “A comunidade tem tendência a olhar para estas crianças como coitadinhas e é preciso que se comece a encará-las como pessoas que também são capazes de dar, o que facilita o próprio processo de adopção”, salienta Gilda Torrão. Neste sentido a ASAS tem desevolvido vários projectos de formação e de sensibilização na comunidade para ensinar a conviver com as crianças institucionalizadas, sem lhes pôr esse rótulo. Os meninos da ASAS já lançaram um livro, um cd com alguns temas originais que depois foram apresentados em diversos espaços públicos, incluindo programas de televisão, “como forma de sensibilizar a população para as capacidades destas crianças e ajudar a mudar mentalidades”, diz Gilda Torrão.
Em Dezembro passado, por exemplo, a IPSS lançou o livro “À Descoberta da ASAS” junto da população estudantil de Vila das Aves, ajudando a preprar a comunidade escolar para a chegada do novo centro de acolhimento para meninos dos oito aos 14 anos, a “Casa Sol”, como já foi baptizado. Um contrato de comodato estabelecido com a Junta de Freguesia das Aves por 25 anos permite a instalação do centro num edifício que está actualmente a sofrer obras de recuperação, uma vez que se encontrava muito degradado. Gilda Torrão aponta como data prevista para a abertura o final de 2008. O valor de recuperação do imóvel é de 203 mil euros e a instituição não possui fontes de rendimento próprias. Contudo, a dificuldade de espaço para aquela faixa etária só será minorada caso se verifique o pressuposto da “rotatividade”. Depois de definido o “projecto de vida” - idealmente, é estudado em meio ano -, a criança sai do acolhimento dando lugar a outra, explica a responsável. Mas nem sempre a complexidade dos casos permite uma permanência de apenas seis meses e, embora 18 seja o máximo, alguns menores vêem a sua institucionalização prolongada por anos. Dos 14 anos até à autonomia ainda vão alguns anos e o “sonho da ASAS é poder oferecer resposta para esse tempo”, diz Gilda Torrão, explicando que já existe um projecto para a construção de uma última casa de acolhimento, até aos 18 anos, que aguarda financiamento.
A acção da IPPS estende-se para além das crianças e tenta chegar ao cerne das problemáticas que conduzem à institucionalização dos menores. O Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Paternal, aberto em 2004, surgiu na sequência do trabalho desenvolvido no acolhimento temporário. “No centro acompanhamos, neste momento, 90 famílias no contexto do seu domicílio, o que nos permite ensinar a realizar tarefas básicas, bem como avaliar as capacidades dos pais, ajudando a prevenir situações de risco e até a institucionalização dos menores”, explica Maria do Céu Brandão, directora de serviços.
A “Escola de Pais” foi uma das iniciativas da ASAS que chegou a reunir numa só sessão três centenas de pais, em colaboração com os agrupamentos de escolas do concelho. O Gabinete de Acção Social (GAS), com instalações em Santo Tirso e na Trofa, é uma estrutura que visa a promoção do desenvolvimento social local e a integração social e económica da população mais carenciada dos dois concelhos. Através de uma intervenção de campo, com atendimento personalizado e pluridisciplinar, actua em parceria com outras instituições e com órgãos governamentais e autárquicos sendo que, actualmente, acompanha quase duas centenas de pessoas.
O Centro Comunitário da Trofa é outra das apostas sociais da ASAS que oferece apoio especializado a toda a comunidade, priveligiando a população mais desfavorecida em áreas tão variadas como a ajuda psicológica, jurídica, ao nível da formação ou da oferta de serviços de higiene pessoal (com duches e vestiários), entre muitas outras.
Ajudar as crianças e a comunidade a “crescer com asas” é quase um lema para a meia centena de trabalhadores da IPSS que, com a ajuda de 40 voluntários, oferecem a cada menino que lá entra um par de asas para uma vida que, na maioria dos casos, começou de forma dramática.
Data de introdução: 2008-01-06