Dar voz e poder aos pobres

Ao olhar para o que é ainda hoje a extensão da pobreza e a sua gravidade, o agravamento de desigualdades entre países e no seu interior, não podemos deixar de nos inquietar com a enorme injustiça que tal situação envolve.

Onde se situam as razões para o fracasso de décadas em que, um pouco por toda a parte, se promoveram programas de luta contra a pobreza?

Queremos aqui ressaltar apenas um dos factores explicativos: a voz dos pobres não se faz ouvir com intensidade suficiente e o poder de que dispõem está muito longe do necessário para fazerem valer os seus direitos.

É uma questão que nos interpela, nós que vivemos num mundo de abundância, sabendo que dar voz e poder aos pobres na resolução dos seus problemas é, cada vez mais, entendido como uma condição para o sucesso das estratégias de luta contra a pobreza.

A pobreza e a exclusão social são vividas por pessoas concretas e num determinado contexto sócio-cultural pelo que, se por razões operacionais, se tipificam aqueles fenómenos, não deixam de ser muito heterogéneas as situações dos pobres bem como as suas aspirações.

Certo é que eles têm direito a viverem livres da pobreza e a poderem tomar em mãos a sua vida. Sendo assim, reconhecer esse direito, incentivar e formar os pobres para desenvolverem as sua iniciativas e para o exercício do poder é uma obrigação dos não pobres, tantas vezes não assumida, quer pelos poderes públicos, quer pela sociedade civil. É o que sucede, por exemplo, quando se privilegia um conjunto de acções definidas a partir do topo, as quais dificilmente se ajustam às múltiplas realidades dos empobrecidos e desprezam as suas próprias capacidades.

Por outro lado, não obstante a constante afirmação do direito à igualdade de género, as mulheres continuam a ser discriminadas socialmente e no mercado de trabalho. O seu contributo potencial para vencer a pobreza é enorme como tão bem entendeu Yunus ao elegê-las como destinatárias preferenciais do micro-crédito. São as mulheres que, em verdadeira manifestação das suas capacidades de iniciativa e de gestão de orçamentos magros, conseguem fazer viver as respectivas famílias, tantas vezes sacrificando o seu bem-estar pessoal.

O envolvimento dos pobres nas soluções a eles dirigidas, permite também ganhar eficiência na aplicação das medidas de combate à pobreza, o que envolve, porém, a condução de uma metodologia participativa que faça apelo à sua adesão, em termos de levantamento das suas necessidades, de críticas à forma como têm sido conduzidos os programas e de procura de soluções adaptadas às várias situações em presença. Uma tal aproximação favorece ainda o combate à subsidio-dependência impedindo que a situação de pobreza se prolongue por tempo demasiadamente longo sem fazer apelo às competências e à participação dos pobres para saírem da situação em que se encontravam.

Não é todavia apenas uma questão de eficiência que está em causa. A participação activa e informada dos pobres na formulação, execução e acompanhamento das estratégias que os elegem como alvo, é uma aspiração que encontra fundamento no direito à participação expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu artigo 21º – “todos têm direito a participar no governo do seu país, directamente ou por representantes eleitos”, ou ainda no artigo 25º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos acerca da “participação nos assuntos públicos” e no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais que, no seu artigo 25º, refere o direito à participação numa sociedade livre.

Compreende-se assim que a noção de empoderamento (empowerment) tenha vindo a ganhar crescente importância no seio de organizações internacionais com acção relevante no combate à pobreza no mundo em desenvolvimento, como é o caso do P.N.U.D. e, também, do Banco Mundial que a define como “a expansão dos recursos e das capacidades das pessoas pobres para participarem em, negociarem com, influenciar, controlar e tornar responsáveis as instituições que afectam as suas vidas”.

Esta noção tanto é aplicável em termos individuais, como em relação a associações de pobres ou outras entidades que, em seu nome, podem exercer pressão sobre o estado e a sociedade com vista a tornar efectivos os direitos humanos (a que correspondem obrigações legais para outros), merecendo que lhes seja prestado apoio administrativo e judicial.

Também entre os países desenvolvidos existe a convicção de que a participação cidadã deve aumentar em benefício de uma sociedade mais inclusiva. Nesse sentido se tem vindo a propor que, no seio da União Europeia, e tendo em vista os objectivos do combate à pobreza, o empoderamento seja reforçado passando a corresponder a uma atribuição de poder efectivo e não permaneça, como tantas vezes sucede, apenas confinado à instituição de mecanismos de consulta formais, como sinal de imperfeito funcionamento das democracias.

É necessário, em todo o caso, não subestimar os obstáculos que a exigência de participação encontra na aplicação das políticas de inclusão social, os quais podem ser especialmente difíceis de ultrapassar entre os estratos mais severamente experimentados por situações de pobreza, que podem inclusivamente prolongar-se por várias gerações.

Resta a expectativa de que a via participativa – a única compatível com o reconhecimento da dignidade e das competências dos pobres – permitirá obter resultados mais duradouros no combate à pobreza, o que compensa a maior lentidão e complexidade que o processo envolve.

* Membros da Comissão Nacional Justiça e Paz

 

Data de introdução: 2008-07-21



















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