Sob o signo do Sol

Foi finalmente assinado o Protocolo de Cooperação para 2008.
Está sol, é Verão, estamos todos a partir para férias. Fixemo-nos, pois, nos pontos positivos:
1 - É um Protocolo, isto é, resulta do acordo, da vontade das partes – do Governo, da CNIS, da União das Misericórdias e da União das Mutualidades.

Antes este do que o figurino do ano passado, em que a actualização dos valores dos acordos de cooperação foi fixada por Portaria, nos termos definidos de forma unilateral pelo Governo.
Volta-se assim – espero que seja para ficar – ao modelo que tem sido o tradicional na cooperação, do Plenário de Alfena para cá: negociação, acordo, assinatura do Protocolo.
(No que está bem, é escusado mexer; e não há necessidade de causar estragos só para alimentar o tique retórico que acompanha praticamente todos os anúncios do frenesim do Governo. Se os meus leitores estiverem atentos, verificarão que não há discurso governamental que não contenha, logo nas frases iniciais, a fórmula “pela primeira vez em x anos” (ou décadas, ou séculos, consoante a espécie da peça e o entusiasmo da propaganda…) – como se se estivesse a criar novamente o mundo.)
É também esse o modelo imposto pelo Pacto da Cooperação para a Solidariedade Social.
Não haveria, num Estado de Direito, que saudar o que é apenas o normal cumprimento da lei e dos contratos – mas, tão desabituados que andamos dele, estamos como aqueles doentes que, lá bem no fundo desenganados quanto à fatalidade da doença, se vão enganando a si próprios com a mera aparência das melhoras.

2 - Também deve ser levado a crédito do Protocolo a alteração, por enquanto meramente prometida, relativamente ao pagamento do subsídio de alimentação nas creches familiares.
A situação actual, de as amas enquadradas directamente pelos Serviços da Segurança Social receberem desta esse subsídio, que, por sua vez, não era pago às Instituições de enquadramento no que se refere às creches familiares, representa uma forma de descriminação negativa absolutamente injustificável e um ónus lançado às Instituições que se propuseram substituir a Segurança Social no atendimento das crianças em ama.
Este é aliás um bom exemplo de que a mera actualização dos valores de comparticipação, como se fez com a Portaria do ano passado, não esgota as questões da cooperação – exigindo esta a participação negocial de quem conhece as questões concretas que o desenvolvimento das respostas sociais comporta; isto é, das Instituições.

Se em 2007 tivesse sido negociado o Protocolo, esta discriminação – que faço a justiça de reconhecer que não foi querida, mas apenas não prevista – já teria sido resolvida no ano passado.
3 - As extensas especificações que este Protocolo introduziu no que respeita aos lares de idosos e às comparticipações familiares têm igualmente aspectos positivos.
Vem no bom sentido a alteração da competência para a comprovação da situação de dependência, bem como a flexibilização do montante máximo de pagamento das comparticipações dos utentes, até 125% do valor de referência, tal como a explicitação de que a conta de exploração desta valência, no que respeita às receitas das comparticipações dos utentes e da Segurança Social, pode ser superavitária em 15%.

Nem se entendia bem a insistência, por parte do Governo, na criação de condições, no seio das Instituições, de sustentabilidade e auto-financiamento, aliás com efeitos práticos na exigência de progressivas percentagens de participação das Instituições em programas de investimento, com a persistência de uma teia de constrangimentos – e um discurso oficial paralelo – que as condena ao défice e ao pauperismo.
Que as condena à fraqueza e à impotência perante os poderes públicos.
Sendo embora também apenas uma explicitação, e não uma inovação – pois já se pratica, e bem, em muitos casos -, revela abertura de espírito a consagração expressa de que a comparticipação dos utentes pode abranger a contratação com os filhos do pagamento de parte dela, até à concorrência de 125% do dito valor de referência. (Para todos os utentes, e portanto também para os das quotas de colocações pelos Centros Distritais, que não são diferentes dos outros.)

Seria aliás estranho que o Governo, que introduziu o princípio da pertinência dos rendimentos dos filhos na análise da condição de recursos para a atribuição do complemento solidário dos idosos, viesse recusar esse princípio no campo da cooperação.
Tal representaria uma muito pouco democrática visão do mundo, ao não querer estender às suas relações com a sociedade os bons princípios que aplica nos seus interesses privativos.
Aliás, a dita explicitação ainda ficou longe da formulação mais adequada – já que, em boa coerência com os princípios gerais, a norma protocolar deveria abranger todos os devedores legais de alimentos, e não apenas os descendentes de 1º grau.

Embora, como já disse atrás, se trate apenas de uma mera explicitação, e não de uma inovação, o que da norma consta, pelo que, de harmonia com o princípio da autonomia privada, que rege as relações das Instituições com terceiros, nada impede, a meu ver, e no plano da lei, que as Instituições contratem com qualquer herdeiro presumido a obrigação do pagamento até à concorrência do custo real.
Com efeito, alimentos são, no dizer da lei, “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” do que houver de recebê-los, como define o artº 2003º do Código Civil.
O que compreende, evidentemente, o custo efectivo com a colocação residencial em lar.
E os seus devedores vão muito mais longe, em número e grau, do que os descendentes directos de 1º grau, a que o Protocolo aparentemente restringe a possibilidade de negociação (artsº 2009º e 2010º do Código Civil).
Compreende as várias ordens de sucessíveis.
O que está bem.

A interpretação restritiva do Protocolo, nos termos expostos, conduziria, em termos práticos, a uma protecção da posição sucessória dos sobrinhos, ou outros herdeiros, superior à dos filhos – efeito que o sistema jurídico rejeita.
4 - Não cabe no tom ligeiro da crónica, nem no espaço dela, o exame detalhado de uma questão densa e de natureza essencialmente jurídica, como é esta.
Voltarei a ela, com vagar, se a prática nas relações de cooperação se encaminhar para esta visão restritiva – que, como disse já, não me parece conforme à lei.
E chegarei a posições juridicamente mais sustentadas do que as do Parecer do Professor Freitas do Amaral relativamente ao Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol.

* Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta

 

Data de introdução: 2008-08-07



















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