A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas considera que a nova lei do divórcio deixa desprotegidas as mulheres vítimas de violência doméstica por não prever "expressamente" que aquele crime seja causa de divórcio "sem o consentimento do outro cônjuge". "As mulheres vítimas de violência doméstica precisam que, nos processos de divórcio, os Tribunais de Família reconheçam o seu sofrimento e a culpa do agressor", defende a associação num parecer enviado ao Parlamento.
Na opinião da associação, um sistema que suprima o divórcio litigioso por violação culposa dos deveres conjugais "não pode deixar de prever expressamente a violência doméstica contra as mulheres e os maus-tratos às crianças, como causas de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge".
"Caso contrário, a lei está a contribuir para a invisibilidade do fenómeno da violência e para a perpetuação da discriminação das mulheres e das crianças continuando o Código Civil a reflectir a concepção tradicional de família como santuário e a imunidade do agressor", explica.
Segundo a associação, o desejo político de construir uma sociedade moderna não pode permitir o apagamento da realidade social e desproteger as vítimas de violência, assim como desconsiderar o seu sofrimento e as suas necessidades de reparação.
No parecer, a associação manifesta apreensão com alguns aspectos das recentes alterações legislativas ao regime jurídico do divórcio, considerando que não estão devidamente acautelados os direitos das mulheres vítimas de violência e das que realizaram durante o casamento o trabalho doméstico e de cuidado das crianças.
O diploma que altera o Regime Jurídico do Divórcio - aprovado com os votos favoráveis do PS, PCP, BE e Verdes e votos contra do CDS-PP e da maioria da bancada do PSD -, foi devolvido em Agosto pelo Presidente da República à Assembleia da República.
O novo regime jurídico do divórcio, vetado por Cavaco Silva, pretende pôr fim ao conceito de divórcio litigioso e acabar com a noção de violação culposa dos deveres conjugais.
Para o Presidente, o diploma pode conduzir à "desprotecção do cônjuge que se encontre em situação mais fraca - geralmente a mulher - bem como dos filhos menores".
Também para a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), o diploma desprotege as mulheres em vários aspectos.
Segundo a associação, o diploma assenta numa realidade social ficcionada de uma sociedade com igualdade "de facto" entre homens e mulheres, sem violência doméstica contra as mulheres.
No entanto, e de acordo com dados estatísticos recentes, citados pela associação, na sociedade portuguesa uma em cada quatro mulheres é vítima de violência doméstica perpetrada pelo marido, sendo que a maior parte destas mulheres têm filhos menores, de quem cuidam no dia-a-dia.
Assim, explica a associação, num contexto jurídico em que o divórcio sem consentimento é alargado, também as mulheres abandonadas pelos maridos suscitam preocupações, na medida em que "na elaboração dos acordos complementares ao divórcio por mútuo consentimento, perdem poder negocial e não vêem as suas necessidades asseguradas".
A lei, acrescenta a APMJ, tem normas sobre pensão de alimentos pensadas para mulheres que, de um ponto de vista económico, estão em posições idênticas às dos homens.
Segundo as mulheres juristas, a experiência de outros países em que foram introduzidos regimes semelhantes ao do diploma em causa, revelou-se negativa para um largo conjunto da população feminina, colocando as famílias monoparentais numa situação de pobreza ou abaixo do limiar da pobreza.
Ainda relativamente à violência doméstica, a associação refere que no preâmbulo do projecto de lei era afirmado que esta estava prevista como fundamento para requerer o divórcio.
Contudo, acrescenta, em artigo algum do decreto ou do projecto é encontrada qualquer referência expressa à violência doméstica.
Na opinião da associação, a violência contra as mulheres e as crianças não pode ser discutida apenas nos tribunais criminais, deve também ser apreciada nos tribunais de família.
"Caso contrário, corre-se o risco de, no regime de exercício das responsabilidades parentais, as mulheres que, em sede de processo criminal não viram apreciada aquela situação, serem obrigadas a ter que entrar em contacto com o agressor para tomada de decisões em relação aos filhos, colocando-os em perigo, num regime de visitas forçado", refere.
Por outro lado, adianta a associação, estas mulheres são ainda perseguidas penalmente por crime de subtracção de menores, tal como é tipificado no artigo 249 do Código Penal.
Esta norma de punição das mulheres, adianta a associação, aumenta o conflito parental uma vez que os pais passam a ter ao seu dispor a ameaça de queixa-crime contra o outro.
"Como na maioria dos casos são as mulheres que têm a guarda dos filhos são elas que se encontram nesta situação de poderem ser perseguidas penalmente", explica a APMJ.
Tudo isto, adianta, é uma contradição, uma vez que o poder legislativo protege as mulheres vítimas de violência, através da lei penal e processual penal, e depois esquece que estas mulheres têm filhos e que aparecem nos processos de regulação das responsabilidades parentais e de incumprimento porque recusam visitas ao agressor, para protegerem os filhos e a si próprias.
17.02.2009
Data de introdução: 2008-09-18