ACTORES SOCIAIS

Uma força política ignorante de si e tão desprestigiada

Pobreza! O tema é uma vez mais pesado, sobretudo para quem há muito lida diariamente com as suas múltiplas manifestações. E, no entanto, é necessário que falemos dele, ininterruptamente, ainda que em debates ou em esclarecimentos políticos, os índices de pobreza em Portugal, quando revelados, sirvam apenas para que a oposição e governo se acusem mutuamente sobre quem faz ou quem nada contribui para o melhoramento dos 18% dos Portugueses que em 2006 estavam no limar da pobreza. Por isso, a Jornada Mundial para a Erradicação da Pobreza não é dia de Natal, mas o culminar de inúmeras batalhas travadas ao longo de cada dia do ano, a favor de uma Justiça sem rosto e sem nome, que afirma o direito e a sua continua transformação.

O estado de desigualdade e precariedade que se tem vivido ultimamente em Portugal, agudizado pelo impacto da actual conjuntura económica mundial, tem não só exigido e justificado um maior investimento humano e técnico na procura de soluções no terreno, como tem provocado um maior debate público sobre as questões da pobreza e exclusão. Se as transferências sociais têm servido para diminuir a taxa de pobreza em Portugal, ainda que os resultados conseguidos continuem bem longe do efeito verificado noutros países da União Europeia, também o compromisso, o esforço, o estudo e a generosidade de centenas de actores sociais tem contribuído para o melhoramento de milhares de vidas humanas. Sem este meio milhão de actores, residentes e a operar em Portugal, o país seria bem diferente do que é actualmente, com todos os seus problemas, encantos e desafios. Mesmo assim, as razões pelas quais o valor e o resultado das transferências sociais é insuficiente, também parece ser o motivo por que uma tal força humana, com o seu equipamento, fique aquém do resultado que mais se esperaria.

A indiferença resultante de uma inexistente educação para a alteridade e o défice de participação na res publica, por falta de uma educação para a política, não são características detectadas apenas nos que são frequentemente denominados de não-humanistas mas nos que se definem como defensores da liberdade e autonomia humana. Na verdade, não faltam ao humanismo moderno exemplos de pura barbárie. Nas palavras de Charles E. Scott, o que valorizamos e sabemos pode até responder eficazmente ao que especificamente ameaça a coesão social, como a pobreza, a doença, a dissensão violenta e as alterações ambientais. Mas o perigo existe na exclusão e nos limites do que silenciosamente procura aliviar estes conflitos, seja uma particular ordem das coisas, uma lei, ou uma meta transcendental exigida por uma subjectividade, pela natureza ou por uma palavra divina. Por isso, mais do que erradicar a pobreza, as políticas sociais e o enorme trabalho desenvolvido por centenas de organizações ditas humanitárias podem estar a protelá-la ou até a institucionalizá-la.

O dever de problematizar a pobreza, num dia em que esta tarefa deve conseguir mobilizar países inteiros a dar-lhe uma maior atenção, sugere uma maior participação da sociedade civil no governo de todos, enquanto se propõe recuperar e reposicionar, em oposição a todo o tipo de actuação ignorante de si e tão desprestigiada, o numeroso grupo de actores sociais como força política fundamental, na defesa da alteridade e na promoção dos direitos humanos fundamentais.

A desigualdade, nomeadamente em Portugal, retractada na Assembleia da República, pelos fotografos da Kameraphoto e pelo Carlos Vasconcellos Cruz, como um problema político e o encontro nacional de actores sociais, com a Leonor Beleza, são, em Outubro, expressão de uma consciência crítica que deve ser capaz de afirmar subversivamente a Justiça, diante da perigosidade de qualquer instituição, ordem social ou estratégia sócio-política.

* Director Executivo da Associação CAIS

 

Data de introdução: 2008-10-09



















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