CNJP PROMOVE AUDIÇÃO PÚBLICA

Dar voz aos pobres para erradicar a pobreza

Teresa Mota Costa, 42 anos, vive em lutas burocráticas diárias com a Segurança Social. Desempregada. Dois filhos. Um deles, o André de 15 anos, tem paralisia cerebral. Vive sempre no limite, pois não tem dinheiro suficiente para elevados encargos. Não tem créditos porque também não tem dinheiro. Arrendou uma casa e, com a ajuda do marido, taxista, vai travando batalhas diárias, agravadas por situações financeiras de familiares.

Pedro Jorge Santos fala de uma pobreza diferente. Toxicodependente durante quase 20 anos, a viver na rua, foi marginalizado. Há cinco anos que trabalha na instituição que o acolheu e se interessou por ele: a Comunidade Vida e Paz. Mais do que o trabalhar, afirma que, voluntariamente, “dá de si aos outros” e isso é o mais importante, porque também ele, durante anos, sentiu a “indiferença de quem passa”.
Domingas Augusto é guiniense, mãe de três filhos e responsável por um enteado. Veio para Portugal para trabalhar. Alugou uma casa, tendo o companheiro a responsabilidade de pagar os 400 euros de renda mensal. Mas, sem que Domingas soubesse, ele não o fazia. Com dívidas acumuladas, deixou-a. Domingas foi despejada e teve que resolver a sua vida e a dos filhos ao seu encargo. Alugou uma casa pequena, onde as quatro crianças não têm espaço. Ganha 500 euros por mês. Tem que dar para alimentar cinco pessoas. Tem vontade de fazer mais, porque não é preguiçosa. “Os pobres são os que mais trabalham e os que são pior pagos”, afirma Domingas Augusto.

Estes são alguns exemplos dos pobres que deram o seu testemunho na audição pública organizada pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) em parceria com diversas instituições, entre as quais a CNIS, realizada no Centro Cultural Franciscano a oito de Novembro, em Lisboa. No documento conclusivo da audição “Dar voz aos pobres para erradicar a pobreza” pode ler-se que a pobreza “é uma situação de negação de direitos humanos fundamentais” e que a negação dos recursos indispensáveis à satisfação das necessidades humanas básicas “priva os pobres das condições necessárias ao exercício dos seus direitos civis e políticos”. Este é “um problema de cidadania e o combate à pobreza deve envolver todos”, disse Manuela Silva, presidente da CNJP.

Ao promover este encontro, a CNJP pretendeu convocar pobres e não pobres para uma reflexão conjunta de modo a contribuir para o fomento de uma cultura de justiça, de solidariedade e de coesão social. Se este “problema de cidadania” persiste em Portugal (e até se agrava, em alguns casos), não é por “fatalidade”, já que os recursos materiais, humanos e de conhecimento já alcançados “são suficientes para que todos tenham acesso” à satisfação das necessidades básicas, mas porque “a economia funciona desfocada da satisfação das necessidades das pessoas dotadas de menor poder de compra”. Se o fenómeno continua a existir, insiste a CNJP na voz da sua presidente, é porque “os frutos do progresso material não se repartem com justiça e equidade por todos os sectores” da comunidade nacional e porque “a sociedade não dispõe, ainda, dos indispensáveis mecanismos para proporcionar a todos uma igualdade de oportunidades no acesso a bens essenciais e a serviços básicos de saúde, educação, habitação ou segurança”.
Com um painel de especialistas variado, o dia foi marcado por intervenções de diversos sectores sociais, desde a justiça à igreja. Maria do Rosário Carneiro, vice-presidente da CNJP e investigadora na área, explicou que a pobreza é alvo de “preconceitos circulares”. “Os pobres são considerados preguiçosos, incompetentes, dependentes, responsáveis pela sua situação, não credíveis e perigosos”. Razões “não fundamentadas” para gerar preconceitos. “A maioria dos pobres trabalha, tem um emprego pesado, longo e mal pago. 60 mil licenciados estão desempregados”, indica.

Por sua vez, Laborinho Lúcio, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e antigo ministro da Justiça, em governos chefiados por Cavaco Silva, disse que existe a necessidade de “erradicar a pobreza sem demagogias”. O jurista defende que se fala muito em pobreza, mas que não se fala dos pobres. “Aborda-se a pobreza enquanto categoria e remete-se para o mundo da estatística e não como um conjunto de pessoas que nascem, vivem e morrem sem nunca terem atingido as condições humanas. Isto é uma vergonha para todos nós”, frisou. Para Laborinho Lúcio o problema da pobreza no nosso país não se coloca ao nível do enquadramento legal, uma vez que “Portugal é considerado, mesmo a nível europeu, um dos países com melhores mecanismos legais. O nosso problema está em tornar consequentes as práticas, capacidade de intervenção, avaliações da prática”. Sem fazer críticas à tutela, o antigo ministro da justiça, social-democrata, considera que a pobreza é um problema global, que não é novo. “Portugal é apontado como um dos países onde mais se tem evoluído no combate à pobreza. Há uma leitura positiva, mas não significa que está feito tudo o que poderia ser feito”.

Henrique Pinto, director da Associação Cais e convidado para um dos painéis da audição pública deixou um desafio aos presentes, mostrando que o combate à pobreza é uma responsabilidade de todos e a todos exige comportamento. “Quando receberem o aumento do vosso ordenado em 2009, façam contas. E se acharem que conseguem, com o rendimento que recebiam em 2008 viver em 2009, digam ao vosso patrão e exijam que esse aumento de cerca de 2,5 por cento seja dado directamente a quem precisa”. Assim “estaremos cada um de nós a tratar de alguém e a erradicar a pobreza”.

Durante a tarde, foram apresentados vários “olhares” sobre a temática, com exemplos do terceiro sector, de políticas públicas e de inovação no combate à pobreza. Alfredo Bruto da Costa, sociólogo e autor do estudo “Um Olhar Sobre a Pobreza” para o Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), onde afirma que mais de metade dos agregados familiares portugueses viveram numa situação vulnerável à pobreza pelo menos durante um ano, no período entre 1995 e 2000, deixou um apelo prático ao governo, que segundo o especialista, a ser concretizado “poderia resolver rapidamente muitos dos problemas”. “Se foi possível mobilizar tão rapidamente recursos para salvar bancos, porque é que não é possível mobilizar rapidamente recursos suficientes para resolver uma situação de portugueses cuja dignidade humana não está a ser respeitada”, disse.

D. Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, lembrou que há cada vez mais pessoas, oriundas da classe média, a pedir apoio aos serviços sociais da Igreja. “O que tem crescido tem sido gente que trabalhava, mas começa agora a ficar desempregada – uma classe média que estava habituada a um certo nível de vida. Estas pessoas ainda têm muito receio e vergonha de aparecer como pobres, geralmente começam por pedir apoio à família até que se vêem na necessidade de recorrer a instituições da Igreja”, explicou. O Bispo auxiliar de Lisboa defende a criação de um observatório social para melhor combater este fenómeno da pobreza. “Algo que faça um estudo e um tenha uma atenção permanente à realidade, a partir desta proximidade que a Igreja tem de todas as situações. Isso ajudará a que o nosso conhecimento seja muito mais científico, honesto e objectivo, do que aquele que muitas vezes se tenta dar, o qual é muito mais ideológico-político”.

Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Solidariedade Social esteve presente no encerramento da audição pública e defendeu que é necessária a cooperação entre vários Ministérios para combater a pobreza de forma eficaz. “Um assunto com esta dimensão não é resolúvel no espaço de um Ministério. Para combater a pobreza de forma eficaz e principalmente de forma persistente, nós precisamos de uma intervenção na área da educação, da saúde, da segurança social, que são da responsabilidade de Ministérios específicos”, disse aos jornalistas. O ministro apresentou, como exemplo de medidas “muito relevantes”, a rede de cuidados continuados integrados, que classificou como “uma aspiração muito importante da melhoria das condições de vida dos idosos em situação mais frágil” e que é uma iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e do Ministério do Trabalho. Outro exemplo avançado foi a iniciativa “Novas Oportunidades”, que considerou “fundamental para elevar a tal igualdade de oportunidades”, que é uma iniciativa conjunta do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho. Já na resposta às declarações de Bruto da Costa, o ministro do Trabalho e da Solidariedade diz que o Governo não está a salvar a banca, apenas assume compromissos de apoio em nome da sua eficácia. “O governo não fez nenhuma dotação à banca para a salvar, assumiu compromissos de apoio, se necessário, para que ela seja eficaz, mas a preocupação não é salvar a banca. A banca tem um papel muito importante em qualquer economia e em qualquer país. É através dela que as poupanças das pessoas se transformam em investimento e sem investimento não há crescimento económico nem emprego nem desenvolvimento”, referiu.

Segundo os últimos dados divulgados pelo Eurostat, Portugal é o país com mais desigualdades na distribuição de rendimentos entre os 25 da União Europeia e o único que apresenta um desnível entre pobres e ricos superior ao dos Estados Unidos. O mesmo relatório referia ainda que em Portugal há, neste momento, 957 mil pessoas a viverem com menos de 10 euros por dia e que 18 por cento da população vive com menos de 366 euros por mês, o valor médio do rendimento nacional. Ainda assim, Portugal é o país da UE que mais reduziu a pobreza nos últimos anos, embora continue acima da média europeia.

 

Data de introdução: 2008-12-12



















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