1 - Há cerca de 10 anos – era então dirigente do Centro Social de Ermesinde, uma instituição particular de solidariedade social com mais de 50 anos -, apresentei uma candidatura a um Projecto de Luta Contra a Pobreza, que foi aprovado pelo então existente Comissariado Regional do Norte de Luta Contra a Pobreza.
O Projecto designava-se Ermesinde Cidade Aberta e tinha um naipe variado de objectivos.
(À época, ainda se não chamava “missão” aos objectivos, como agora manda a vulgata. E a “visão”, termo com que hoje se abre a apresentação normalizada de qualquer organização, era vocábulo que reservávamos para nomear um dos cinco sentidos e para definir os arroubos místicos.
Mas estas novas modas, normalizações e modelos únicos, seja para as maçãs ou para as organizações, são assunto para outra crónica …)
Voltando aos velhos objectivos, esse Projecto destinava-se a, entre outros, promover o sucesso educativo das crianças e jovens das Escolas públicas de Ermesinde que, verdadeiramente empenhados no estudo, não logravam progredir na aprendizagem, por carecerem, sem culpa sua, de conhecimentos de matérias disciplinares que constituíam requisito da apreensão de novas matérias.
Era o caso de matérias relativas a anos de escolaridade anteriores, que, por razões de absentismo docente ou de falta de estabilidade dos professores na Escola, não haviam sido ministradas no tempo próprio.
2 - Ermesinde é terra de professores primários, como então se chamavam, que, vindos do vale do Douro e seus afluentes pelo caminho de ferro, aqui desaguavam e se fixavam com as famílias, para porem os filhos a estudar no Porto – a 10 minutos de comboio.
Foi o caso dos meus avós maternos.
No início dos anos 90, o Governo promovera e estimulara, com bonificação de tempo de serviço, a aposentação precoce dos professores primários, permitindo-lhes, aos 52 anos de idade, reformarem-se com a pensão completa – e foram muitos os que passaram então à inactividade.
(Também nos nossos dias os professores se reformam aos milhares, como nos dizem os jornais.
Hoje, porém, e ao contrário do que acontecera há 10 anos, em vez de bonificação, têm uma penalização de 4,5% por cada ano de idade abaixo de 62 anos – de tal forma que um professor primário que se reforme hoje com 52 anos de idade receberá cerca de metade da reforma que receberam os que se reformaram, com a mesma idade, há 10 anos.
Há ainda outra diferença: é que os reformados de há 10 anos foram aliciados com benefícios. E os de hoje são empurrados pelo clima que se vive nas Escolas e pela desconsideração social e profissional de que foram injustamente vítimas nos últimos três anos.)
Nesse Projecto Ermesinde Cidade Aberta, professores do 1º e 2º ciclo do ensino básico, precocemente reformados mas mantendo intactas as competências e a sabedoria, eram contratados pelo Centro Social de Ermesinde para, nas instalações deste, e em cooperação com as Escolas, tentar suprir as deficiências das aprendizagens anteriores dos alunos, nas áreas curriculares de Português e Matemática.
3 - O Projecto correu bem e permitiu conciliar o interesse do apoio escolar com a manutenção da actividade por parte dos professores, não os condenando ao envelhecimento precoce.
Concordo, portanto, com a ideia, que li nos jornais, de o Ministério da Educação pretender recuperar, para actividades de apoio escolar e para a formação dos colegas no activo, os professores recentemente reformados.
Coisa diversa será saber se os professores estarão interessados em voltar a trabalhar, mesmo em regime de voluntariado, nas escolas de onde quiseram fugir e para um patrão que os maltratou.
Ou se a adesão não será maior, e mais qualificada, se forem as IPSS o rosto e o motor dessas actividades.
Quando o Ministério da Educação determinou, no jeito impositivo que o caracteriza há décadas, a criação das actividades de enriquecimento curricular no primeiro ciclo do ensino básico, tive ocasião, nestas mesmas crónicas, de defender que tais actividades deveriam ser promovidas nas instalações das IPSS, em articulação com as Actividades de Tempos Livres e em cooperação com as Escolas.
Ao fim e ao cabo, o mesmo modelo que em Ermesinde se pôs em prática há 10 anos.
No jornal de hoje, 4 de Fevereiro, dá-se conta de que a CONFAP pretende que as escolas do 1º ciclo estejam abertas doze horas por dia – das 7,30 horas às 19 horas -, e que tal sucederá já no presente ano lectivo em algumas escolas.
Retiro do texto apenas um expressivo parágrafo: “Na prática, o que a Confap propõe é que, entre as 7h30 e as 9h da manhã, as escolas ocupem as crianças com actividades lúdicas. As aulas deverão decorrer entre as 9h e as 15h30, com intervalo para almoço. A partir daquela hora e até às 17h30, decorrem as actividades de enriquecimento curricular, seguindo-se novo período de apoio à família até às 19h ou 19h30. No período de férias lectivas, as escolas deverão igualmente assegurar actividades para as crianças.”
A CONFAP informa ainda de que a questão se encontra a se negociada com o Ministério da Educação há cerca de um ano.
O que, a ser verdade, constitui uma nova ofensiva contra o ATL.
4 - Já pouco me espanta.
Mas cuidei que a CONFAP, sempre tão lesta a dizer que sim às propostas do Ministério da Educação, não deixaria de acompanhar o diagnóstico constante do Relatório que afinal não era da OCDE – e ser a primeira a querer cumprir as suas recomendações.
Li o Relatório.
Não vou comentar a operação montada para a sua divulgação, já bem debatida na Assembleia da República.
Mas pretendo chamar a atenção para o facto de, disseminados no meio dos panegíricos, o Relatório não ter podido ignorar alguns pontos fracos – e tê-los expressamente enunciado.
Entre eles, a inconveniência de as crianças, quando as actividades de enriquecimento curricular decorrem no espaço escolar, ficarem tantas horas confinadas no mesmo espaço; e também a circunstância de a precariedade das formas de contratação e das remunerações dos professores envolvidos nas AECs ter como resultado prático a perturbação e pulverização dos horários curriculares.
Ao fim e ao cabo, dando razão ao que sempre dissemos na CNIS.
Sem ninguém nos pagar o estudo.
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Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta
Data de introdução: 2009-02-10