“A Obra saiu das paredes da igreja”, quem o diz é Casimiro Gomes, presidente da Obra Social Nossa Senhora da Boa Viagem desde 1998. Integrada na comunidade de Vilar, na freguesia de Massarelos, no coração da cidade do Porto, a instituição particular de solidariedade social oferece uma vista de postal para quem a visita. Com o rio Douro como pano de fundo, a Obra nasceu a 12 de Abril de 1988, tendo por objectivo a prestação do serviço de apoio domiciliário. Ainda hoje considerada pelo presidente como a “bandeira” do trabalho da instituição.
Desde 1983 vinha sendo desenvolvido um trabalho semelhante pela Conferência Vicentina de Nossa Senhora da Boa Viagem, no entanto, esse serviço era efectuado com grandes dificuldades devido à escassez de meios humanos e financeiros. “Começámos o apoio domiciliário na casa do meu pai. Na altura, eu era presidente da associação de moradores de Massarelos e o meu pai pediu-me para arranjar um espaço para o efeito. Nessa época, as refeições eram confeccionadas fora e nós fazíamos a distribuição, bem como o serviço de tratamento de roupa”, relembra o dirigente.
Surge, então, a necessidade de criação de uma instituição autónoma, tornando-se urgente o alargamento do quadro de pessoal, possível com a realização de um acordo de cooperação com o Centro Regional de Segurança Social, em 1987. A partir da assinatura desse Acordo e das suas sucessivas renegociações, a Obra Social teve um rápido desenvolvimento, tendo-se verificado, desde então, o aumento dos serviços prestados, bem como, do número de utentes. “Esta casa, onde estamos agora, foi comprada com dinheiros do meu pai. Mais tarde, várias pessoas contribuíram para o pagamento das prestações e com fundos provenientes do PIDDAC (Plano de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central) fez-se a reconstrução da casa de forma a torná-la num Centro de Dia”, explica Casimiro Gomes. O equipamento, que é único na freguesia de Massarelos, funciona desde Janeiro de 1995 e tem capacidade para 60 idosos.
Com o intuito de diversificar o âmbito de acção surge também o Centro Comunitário, na sequência de serviços criados na freguesia, desde 1992, através do Projecto de Luta Contra a Pobreza “Nascer e Viver em Massarelos”. Elegem como principal objectivo a promoção dos grupos sociais menos favorecidos da população da freguesia, tendo em vista a promoção e integração social dos indivíduos, família e comunidade. A actividade da instituição não pára e em Setembro de 2001, entrou em funcionamento o Centro de Acolhimento Temporário de Idosos “Domingos Gomes”, uma valência pouco comum a nível nacional. O CATI foi concebido para acolher 25 idosos acamados ou dependentes, por um período de tempo limitado e que permita a sua reabilitação física e emocional. “Pretende-se impulsionar a articulação entre os diversos recursos de saúde existentes na freguesia, em prol dos idosos que vivem temporariamente em situações de perda de autonomia”, diz Casimiro Gomes.
“O CATI é um local onde o idoso pode ficar quando vem do hospital ou de casa para descanso das famílias e nós ajudamo-lo a recuperar a autonomia possível de maneira a que possa regressar ao seu domicílio”. O presidente lamenta que a Segurança Social queira “desvirtuar” o conceito e que pretenda a adaptação para lar ou até para unidade de cuidados continuados. “Foi-nos proposto que passássemos para uma Unidade de Cuidados Continuados, o que, em termos monetários, era-nos muito mais vantajoso, mas recusamos”. Casimiro Gomes entende que a especificidade do CATI reside na criação de condições que permitam que o idoso regresse sempre ao meio familiar e que essa filosofia de acção deve ser mantida. “Por exemplo, temos um idoso no centro de dia que caiu e fez uma fractura. Vai ao hospital, quando tem alta vem para o CATI, recupera durante três meses, mas ainda não adquiriu condições para frequentar o centro de dia. Vai para a sua casa e nós prestamos-lhe apoio domiciliário e quando adquire autonomia suficiente regressa ao centro de dia. Temos vários casos assim. O idoso nunca saiu do seu meio, da sua comunidade, fez o circuito todo e regressou à primeira valência, que é o centro de dia. É isto que nós queremos continuar a fazer”, diz o dirigente.
No início de 2003 entrou em funcionamento o Lar de Idosos “Padre Miguel” que disponibiliza 9 lugares de internamento permanente e definitivo, com prioridade aos idosos da freguesia de Massarelos. “É uma valência necessária, porque temos muitos idosos sozinhos e sem autonomia que têm que estar permanentemente cuidados e aqui temos sempre lista de espera”.
O apoio domiciliário continua a ser das grandes apostas da instituição, que conta já com 46 funcionários e 284 utentes distribuídos pelas seis valências (apoio domiciliário, centro de dia, centro de convívio, centro comunitário, centro de acolhimento temporário de idosos e lar). Sendo Massarelos uma freguesia de contrastes sociais grandes, com uma zona ribeirinha pobre e uma zona alta caracterizada por moradores de classe social mais elevada, a instituição encontra espaço de acção em ambos os pólos. “A nossa freguesia é muito peculiar, porque tem a zona ribeirinha sem condições, com casas de idosos que não têm saneamento, onde até há meia dúzia de anos haviam várias barracas e onde, actualmente, ainda existem ilhas escondidas e uma zona alta mais rica. Nós prestamos apoio a todas essas pessoas. Vamos a casas de pessoas muito pobres e a casas de pessoas de uma classe social mais alta, mas que para manter a sua autonomia e poder ficar na sua casa precisam da nossa ajuda”, refere Casimiro Gomes. O presidente faz questão de salientar que no apoio domiciliário não têm lista de espera e que não negam ajuda a ninguém, mesmo excedendo o número de utentes protocolados.
Enquanto dirigente social, há vários anos no sector da terceira idade, Casimiro Gomes lamenta o isolamento crescente da população idosa. “Muitas vezes, somos nós que damos pela falta das pessoas, seja porque não recebem a refeição em casa ou porque deixam de aparecer no centro de dia. Já tivemos casos em que encontramos idosos caídos no chão e que se não fossemos nós, provavelmente, morreriam”. O dirigente fala também na desresponsabilização das famílias para cuidar dos seus idosos. Segundo ele, uma grande maioria prefere sempre a opção do lar, mesmo quando o idoso tem autonomia para permanecer em casa. “Quando as famílias nos contactam, a maioria fala-nos sempre em colocar o idosos no lar, mas a nossa equipa técnica avalia a situação de forma a poder encaminhar para outra valência”.
A Obra Social foi também das primeiras instituições do país a estar totalmente certificada, o que aconteceu em 2005. “Foi um processo que correu muito bem e em 2008 já fizemos uma auditoria de renovação da certificação da qualidade”, refere o presidente. Casimiro Gomes considera que a certificação em gestão da qualidade foi uma “mais valia” para a instituição. “Julgávamos que trabalhávamos bem, mas havia muitos aspectos que não contemplávamos, principalmente a nível de controlo, de formação, de registos, de gestão. É de facto um processo com muita burocracia e o nosso primeiro modelo era muito maçudo, mas agora com a renovação já simplificamos muito e optimizamos o sistema”. Em 2009, a Obra Social pretende atingir até ao final do ano os requisitos do modelo C dos manuais da qualidade da Segurança Social, pois apesar de certificados ainda lhes falta várias condições impostas por esse documento.
Apesar do equilíbrio financeiro ser precário, a instituição quer continuar a crescer e avançar para a área da deficiência, com a criação de um lar residencial para pessoas adultas. “A freguesia de Massarelos não tem nenhuma resposta nesta área e nós, enquanto instituição, deparamo-nos com situações complicadas, em que devido ao falecimento dos pais, acabamos por ficar com pessoas deficientes a nosso cargo, pois não têm condições de permanecerem em casa sozinhas”, diz Casimiro Gomes. A direcção está à procura de terrenos e optaram por procurar fora do distrito do Porto, devido ao preço. Além disso, pretendem um espaço grande, onde haja condições para implementar actividades ao ar livre. “A ideia é termos tudo preparado a nível de projecto e de terreno para depois concorrer aos fundos que estiverem em vigor na altura, pois normalmente os prazos de concurso são muito apertados e só assim é possível cumpri-los”, refere o presidente.
Data de introdução: 2009-05-13