COIMBRA

Fim-de-semana já não é igual a fome

Coimbra. Todos os sábados, há voluntários da ONGD Atlas a entrar em casa de cinco idosas, na Alta, para deixar comida e afecto. Dinheiro da "Campanha 1 Sopa 1 Euro" vai permitir ajudar o dobro das famílias durante um ano.

Sábado, hora de almoço. Aurélia de Carvalho, 83 anos, tem a porta da casa aberta, o prato e o talher ansiosamente dispostos sobre a mesa. "Já está à nossa espera!", sorri Raquel Pina, voluntária da Atlas, a Organização Não Governamental de Desenvolvimento (ONGD) que, ao fim-de-semana, mata a fome de cinco famílias da Alta de Coimbra. São mulheres idosas, sozinhas e doentes, sem o apoio de qualquer instituição nesses dois dias.

Em breve, haverá mais estômagos confortados. O dobro, mais concretamente. A "Campanha 1 Sopa 1 Euro", lançada pela Atlas, rendeu 2350 euros. O suficiente para duplicar o número de famílias apoiadas - passam a ser dez - e garantir-lhes refeições durante um ano, explica a presidente, Rosário Almeida e Sousa.

Alargar este apoio a pessoas de freguesias limítrofes fora sempre um objectivo, mas faltava à ONGD capacidade financeira para o concretizar. Daí o lançamento da campanha. É que cobrir estas lacunas custa-lhe, actualmente, cerca de 35 euros por semana. Nem todas as refeições, conseguidas junto das instituições parceiras (ver caixa), são oferecidas.

O serviço prestado pela Atlas não encerra para férias. Todos os sábados, rotativamente, há voluntários, na Alta, prontos a mitigar carências alimentares e afectivas. Deixam a cada pessoa quatro refeições (duas de carne e duas de peixe), sopa, pão e fruta.

No total, são 24 as pessoas que abdicam de uma parcela do fim-de-semana em prol de outrem. Há estudantes universitários, casais em início de vida ou pessoas mais velhas. E o número tende a aumentar - só a campanha, conquistou mais doze. "Ainda nenhum desistiu", orgulha-se Rosário. E sublinha: "Não queremos despejar a refeição, também a acompanhamos".

As famílias beneficiadas, actualmente, são compostas apenas por uma pessoa. Mulher. Em alguns casos, a ajuda ultrapassa, em muito, a vertente alimentar. Para Madalena Paiva Bernardo, por exemplo, "os rapazes" são uma alegria. Quando foi obrigada a sair da casa antiga, que ameaçava ruína, transportaram-lhe os móveis. A própria Rosário - auto-intitulada "a amiga das refeições" -, compromete-se a aviar-lhe uma receita médica, limpa-lhe as lágrimas que correm sem interrupção e oferece, literalmente, o ombro.

Madalena tem mais anos de vida do que consegue recordar. Sabe apenas que passou os 80. É viúva e, como a generalidade das pessoas abrangidas pelo projecto, sofre de saudades, sente-se sozinha, pobre ("Tenho uma reforma de nada") e debilitada. Surge à porta de pijama, chorosa, cheia de dores, na sua trança branca e longa. Sobre o projecto da Atlas, tem opinião bem clara: "Então não hei-de ficar contente, menina, se não tenho nada para comer?".

Voltemos a Aurélia. Não sabe ler nem escrever, sabe é que não quer abandonar a casa onde mora sozinha. Apanhamo-la "mal disposta", também se sente moída por dores. De súbito, algures entre o prato de canja e a carne com batatas, recupera o sorriso e põe-se a cantar. Alguém explica que, em tempos, foi voz e corpo irrequieto num rancho folclórico.

"Foi tão surpreendente, quando ela começou a cantar e a dançar!", solta, bem disposta, a brasileira Moara Crivelente, enquanto escala as ruas da Alta, a caminho da próxima casa. Tem 21 anos, estuda Relações Internacionais e acaba de se estrear no projecto.

Aurélia e Madalena são quase o espelho das outras mulheres apoiadas: idosas, sozinhas, doentes, com carências económicas. Rosário Almeida e Sousa completa o retrato: "Ou são pessoas muito idosas, que já não conseguem cozinhar; ou têm reformas tão baixas que ficam, durante dois dias, com uma alimentação muito deficiente".

A dirigente, que começou por cursar Direito porque queria "resolver os problemas das pessoas", exemplifica: "Há uma senhora com um rendimento tão baixo que não tinha dinheiro, sequer, para os remédios, e o que comia era uma sopa. Pelo menos ao fim-de-semana sabemos que se alimenta bem".

Fonte: Jornal de Notícias


 

Data de introdução: 2009-07-21



















editorial

O COMPROMISSO DE COOPERAÇÃO: SAÚDE

De acordo com o previsto no Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário, o Ministério da Saúde “garante que os profissionais de saúde dos agrupamentos de centros de saúde asseguram a...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Imigração e desenvolvimento
As migrações não são um fenómeno novo na história global, assim como na do nosso país, desde os seus primórdios. Nem sequer se trata de uma realidade...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Portugal está sem Estratégia para a Integração da Comunidade Cigana
No mês de junho Portugal foi visitado por uma delegação da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa, que se debruçou, sobre a...