Todos os anos morrem meio milhão de pessoas afogadas em todo o mundo. O afogamento continua a ser a segunda causa de morte acidental nas crianças, ultrapassada apenas, pelas mortes em acidentes rodoviários (Unicef, 2001). O perfil do Relatório de Avaliação sobre Segurança Infantil em Portugal, publicado pela European Child Safety Alliance, confirma que os afogamentos continuam a ser uma intervenção prioritária no nosso país (ECSA, 2009).
Em Portugal, nos últimos sete anos, estima-se que cerca de 150 crianças e adolescentes até aos 18 anos morreram por afogamento. O número de mortes por ano tem-se mantido relativamente estável desde 2005, altura em que se verificou um decréscimo acentuado no número de casos fatais (a média de mortes/ano entre 2002 e 2004 foi de 27, enquanto que a média estimada entre 2005 e 2008 é de 17). E apesar de Portugal ser um país com cerca de 550 km de praia, os resultados deste relatório demonstram que a maioria dos afogamentos fatais não acontece no mar, mas em ambientes aquáticos construídos: piscinas familiares, tanques e poços.
Mas o problema dos afogamentos não se restringe às mortes. De acordo com um estudo holandês, estima-se que por cada criança que morre por afogamento, 140 ficam hospitalizadas e 20 recorrem aos serviços de urgências. Nos casos em que as crianças sobrevivem, podem ficar com lesões neurológicas permanentes com impacto a diferentes níveis, influenciando a qualidade de vida da criança e da sua família.
Em 2007, morreram pelo menos 11 crianças afogadas e em 2008 pelo menos 13 (dados da APSI e ISN). No entanto, se a taxa de cobertura dos casos mortais registados na imprensa se mantiver nos 61 por cento (2005 e 2006), o número de crianças mortas terá sido de 34 (16 em 2007 e 18 em 2008).
Hoje, sabe-se que mais de 80 por cento dos casos de afogamento (World Congresso on Drowning, 2002) podem ser prevenidos e que nenhuma estratégia de prevenção é por si só suficiente para evitar o acidente e reduzir as consequências. Para reduzir de forma significativa a mortalidade e morbilidade resultante dos afogamentos é necessária a implementação integrada e complementar de auxiliares de flutuação, a vigilância activa e permanente e o salvamento imediato. Para tal, é necessária a intervenção de vários sectores da sociedade, desde o poder central e local até aos profissionais de saúde e educação e às próprias famílias.
Quem aconselha é a Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), uma instituição particular de solidariedade social criada em 1992 com o objectivo de reduzir o número e a gravidade dos acidentes com crianças e jovens em Portugal, não só nos casos de afogamento, mas em tudo o que se refere a segurança infantil e juvenil. Criada pelas mãos do pediatra Mário Cordeiro e de um cidadão sueco, Kaj Edanius, a APSI tem desenvolvido um intenso trabalho na área da promoção da segurança infantil. “Com uma filosofia de intervenção baseada na investigação / acção, a APSI tornou-se uma referência única em Portugal, mas também com grande reconhecimento internacional, em que o nosso nível de conhecimento está à altura dos países com as taxas mais baixas de mortalidade por acidentes”, explica Sandra Nascimento, actual presidente da direcção.
A APSI tem feito diversas campanhas de prevenção e intervem essencialmente nos ambientes onde acontecem mais acidentes: rodoviário, doméstico, escolar, de lazer, desportivo e aquático. É a única entidade portuguesa que trabalha esta área de forma integrada, uma vez que existem associações que actuam em áreas específicas, como a segurança rodoviária ou as queimaduras, por exemplo. “A maior parte dos acidentes é possível de, se não evitar, pelo menos controlar as suas consequências, para que não sejam fatais ou definitivas e é isto o trabalho que a APSI tem feito ao longo dos anos”, refere a presidente. Para Sandra Nascimento, a maioria das pessoas associa a segurança à ausência de risco, embora isso não seja verdade. “O risco também é necessário para desenvolver determinado tipo de capacidades e competências. O que nós não aceitamos são as mortes e as sequelas definitivas, pois não é justo que uma criança nas suas actividades normais como correr ou trepar, morrer”.
Foram diversas as batalhas que a associação tem enfrentado ao longo dos anos para tentar reduzir o número de acidentes em Portugal. Para além da prevenção dos afogamentos, a associação contribuiu muito para que o uso de cadeirinha de segurança automóvel fosse obrigatório para as crianças. Mais recentemente, as normas de regulamentação das balizas representaram outra conquista do trabalho da APSI. “Começamos a investigar os acidentes, onde tinham acontecido, em que circunstâncias. Fizemos um estudo da legislação e também um estudo pelo país todo para verificar o estado das balizas. Investigamos boas práticas noutros países e depois apresentamos os resultados e pressionamos para que fosse instituída uma lei que determinasse a obrigatoriedade das balizas estarem presas”, exemplifica Sandra Nascimento.
A presidente esclarece também que não cabe à instituição fiscalizar o mercado e que isso só acontece em determinada acção e com propósitos de investigação e conhecimento. Embora com assento fixo nos principais órgãos afectos à normalização de produtos quer a nível nacional como internacional, a APSI não determina a instituição das normas, limitando-se a aconselhar em áreas específicas, como, por exemplo, nos brinquedos e artigos de puericultura, nos espaços de jogo e recreio, nas balizas, nas piscinas ou nas guardas para edifícios. “Através da normalização correcta dos produtos podemos evitar muitos acidentes, e essa é também uma área que temos trabalhado muito e sensibilizado quer as famílias para uma escolha acertada no momento da compra, quer as empresas que fabricam os produtos”.
A associação trabalha em instalações alugadas e um dos objectivos passa pela aquisição de um espaço próprio, até porque a renda é elevada. “Como não temos valências propriamente ditas, não recebemos nada da Segurança Social. Temos tido protocolos de cooperação que nos têm permitido crescer um bocadinho mais e dar alguma sustentabilidade, além de nos assegurarem o dia-a-dia”, explica. Segundo a presidente, a instituição tem trabalhado através de candidatura a diversos programas de financiamento, o que condiciona o trabalho, uma vez que as candidaturas não são regulares e os prazos de pagamento das prestações dos montantes atribuídos “chegam tarde”. O que tem ajudado a sustentar o dia-a-dia das nove pessoas que trabalham na instituição, para além dos projectos desenvolvidos são as parcerias com os privados, que desde sempre ganharam um papel fundamental no equilíbrio financeiro da APSI.
APSI contesta nova lei de segurança para espaços de lazer e recreio A APSI considera que a nova lei relativa aos parques infantis, que entrou em vigor Junho passado, deverá ser suspensa. Não concordando com algumas cláusulas da nova lei sobre os parques infantis, que considera serem limitativas, a presidente da APSI, Sandra Nascimento, acredita que o primeiro-ministro, José Sócrates, acabará por aceitar o pedido de suspensão da mesma.
Sandra Nascimento considera que nesta lei está patente um excesso de zelo por parte do Governo e admite que a associação não concorda com a vedação dos parques infantis nem com a cláusula que proíbe o acesso de algumas crianças a estes espaços.
De acordo com a presidente da APSI, algumas das regras da nova lei podem ser demasiado limitativas e, consequentemente, diminuir o estímulo, o interesse e a diversidade daqueles espaços destinados às crianças.
A nova legislação relativa aos parques infantis prevê, entre outras coisas, a passagem da responsabilidade da fiscalização dos parques, das autarquias para a ASAE.
Por outro lado, defende a APSI, o diploma introduz obrigações que, nalguns casos, colidem com princípios das novas normas de segurança europeias, desenvolvidas por especialistas de diversos países da Europa (entre os quais se encontra a APSI em representação dos consumidores Europeus) ao longo de vários anos de trabalho aprofundado e rigoroso. Numa carta aberta ao primeiro-ministro, a instituição manifesta-se indignada com a publicação da lei sem terem sido consultados especialistas na área e refere que a nova lei vem repetir erros técnicos anteriormente identificados, mantendo e adicionando requisitos que em nada beneficiam as crianças, podendo mesmo prejudicá-las.
Texto e fotos: Milene Câmara
Data de introdução: 2009-09-17