Das 19 mil mulheres que abortaram voluntariamente em 2009, 340 fizeram-no duas vezes nesse ano e 890 já o tinham feito no ano anterior. Números ainda baixos comparativamente a outros países, mas que podem aumentar, alerta uma especialista. Dados da Divisão de Saúde Reprodutiva da Direcção-Geral de Saúde (DGS) indicam que das 18 951 mulheres que fizeram interrupção voluntária da gravidez (IVG) em 2009, 1,8 por cento fizeram-no duas vezes e 4,7 por cento já tinha recorrido a esta prática em 2008. "Em relação aos números de outros países, são números ainda muito baixos, mas é natural que possam vir a aumentar com a despenalização do aborto", disse Maria José Alves, da Associação do Planeamento Familiar (APF), a propósito da passagem dos três anos sobre a entrada em vigor da lei do aborto.
Como ginecologista obstetra na Maternidade Alfredo da Costa, uma das unidades públicas que fazem mais IVG no país, Maria José Alves conta que as mulheres que repetiram o aborto são "muito diferentes" e que nem todos os casos significavam que não tinham aderido totalmente à contracepção.
"Fazer contracepção é difícil" e algumas destas mulheres necessitam de ser motivadas de uma forma diferente para esta prática, reconhece. Quando as mulheres recorrem à primeira consulta para IVG são questionadas sobre o método que usam e o que correu mal. Na segunda consulta, os médicos tentam perceber o que falhou e há uma preocupação em aumentar a escolha dos métodos e que a contracepção seleccionada seja rapidamente facilitada, explicou.
A chefe da Divisão de Saúde Reprodutiva da DGS adiantou, por seu turno, que "as mulheres que recorrem à IVG são um subgrupo muito concreto porque, se estão grávidas, é porque algo falhou na contracepção: a maioria usava um método contraceptivo irregularmente, com erros ou não usava qualquer método".
Para além destes dois grandes grupos, existe ainda uma minoria que utiliza um método seguro, que falhou. Por isso mesmo, defendeu Lisa Vicente, "é muito importante, que além de se dar o método contraceptivo, se explique às mulheres a forma de o usar sem falhas".
Maria José Alves reafirma essa necessidade e defende a formação dos médicos e enfermeiros nesta área para poderem informar melhor as mulheres. "Não se pode dificultar o acesso à contracepção", que tem de ser "integrada, o mais possível, na vida das pessoas".
Os dados sobre a contracepção utilizada antes da interrupção da gravidez não são conhecidos, uma vez que esta informação não faz parte do formulário do Registo Nacional que serviu de base ao relatório da DGS, que recomenda que esta questão deverá ser "alvo de estudos futuros". A lei do aborto tinha como um dos "grandes objectivos" tornar "o procedimento seguro para as mulheres", uma meta que foi conseguida, segundo Lisa Vicente.
Recentemente foi tornado público o Relatório de Mortes Maternas 2001/2007, segundo o qual, neste período, morreram 14 mulheres, num total de 92 que sofreram complicações relacionadas com o aborto. "Nos últimos anos são menos as complicações graves (infecções, sepsis, perfurações) associadas ao abordo clandestino", salienta.
Os dados das mortes maternas ocorridas em 2008/2009 ainda não estão publicados, mas a análise preliminar aponta para que não tenham existido mortes relacionadas com aborto no quadro legal ou fora do quadro legal.
A lei que permite a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 10 semanas por opção da mulher entrou em vigor a 22 de Abril de 2007, na sequência de um referendo cujo "sim" venceu com 59 por cento dos votos.
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