PRESIDENTE DA REPÚBLICA PROMULGOU LEI

Cavaco dá

Sim, mas muito contrariado e com a crise no pensamento. Estas palavras resumem a declaração de ontem de Cavaco Silva, quando anunciou que promulgava o diploma que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. O Presidente disse "sim" para evitar mais problemas "face à dramática situação em que o país se encontra", mas deixou fortes críticas aos partidos.

E como o "sim" foi dado em nome da crise, para não acentuar as divisões entre os portugueses nem desviar "a atenção dos agentes políticos da resolução dos problemas que afectam gravemente a vida das pessoas", Cavaco Silva aproveitou a ocasião para dar uma alfinetada ao Governo. Lembrou que no discurso do Ano Novo tinha alertado que se poderia estar "a caminhar para uma situação explosiva", para dizer que há momentos "em que a ética da responsabilidade tem de ser colocada acima das convicções pessoais de cada um".

Recordando que o Parlamento aprovou em Fevereiro "uma lei que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo", o Presidente da República lamentou que "não tenha havido vontade política para alcançar um consenso partidário alargado sobre uma matéria de tão grande melindre, de modo a evitar clivagens desnecessárias na sociedade portuguesa".

Este diploma teve origem numa proposta do Governo e foi aprovado pelo Parlamento em votação final global no dia 11 de Fevereiro com os votos favoráveis do PS, BE, PCP e PEV e contra do CDS-PP. No PSD houve liberdade de voto e seis deputados abstiveram-se, enquanto os restantes votaram contra a alteração da noção de casamento estabelecida no Código Civil.

Crise e desafios

"Face à grave crise que o país atravessa e aos complexos desafios que tem à sua frente, importa promover a união dos portugueses e não dividi-los, adoptar uma estratégia de compromisso e não de ruptura", acrescentou o Presidente, dando desde logo um sinal de que viria a promulgar a lei.

Vieram então mais críticas aos partidos com assento parlamentar. Para Cavaco Silva, as forças políticas que aprovaram o diploma "não quiseram ponderar um princípio elementar da acção política numa sociedade plural": "O de escolherem, de entre várias soluções jurídicas, aquela que fosse susceptível de criar menos conflitualidade social ou aquela que pudesse ser aceite pelo maior número de cidadãos, fosse qual fosse a sua visão do mundo."

Considerou mesmo "que não teria sido difícil alcançar um compromisso" no Parlamento "se tivesse sido feito um esforço sério nesse sentido".

Para Cavaco Silva, bastava ter olhado para as soluções jurídicas encontradas em países como a França, a Alemanha, a Dinamarca ou o Reino Unido, que "não são discriminatórias e respeitam a instituição do casamento enquanto união entre homem e mulher". Deixou assim claro que sua principal oposição ao diploma é ele considerar a união entre pessoas do mesmo sexo como "casamento civil". "Aliás, no mundo inteiro, só em sete países é designada por "casamento" a união entre pessoas do mesmo sexo. Dos 27 Estados da União Europeia, são apenas quatro aqueles que o fazem", recordou.

Por isso, acrescentou não ser verdadeira a afirmação "de que a inexistência do casamento entre pessoas do mesmo sexo corresponde a um fenómeno residual no mundo contemporâneo, um resquício arcaico típico de sociedades culturalmente mais atrasadas".

O Chefe de Estado recordou depois ter submetido o diploma à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional, tendo por este sido considerado não inconstitucional, mas que tal não o impedia de o vetar e devolver ao Parlamento. Não o faz depois ponderar os efeitos práticos de uma tal decisão e "ter em devida conta o superior interesse nacional, face à dramática situação em que o país se encontra". Não o faz também por ter indicações de que as forças políticas que o aprovaram o voltariam a fazer, o que o obrigaria a promulgar o diploma.

E foi então que a crise, "os milhares de portugueses que não têm emprego, o agravamento das situações de pobreza, a situação que o país enfrenta devido ao elevado endividamento externo e outras dificuldades que temos de ultrapassar" chegaram à intervenção presidencial.

"Os portugueses recordam-se, certamente, de que na minha mensagem de Ano Novo alertei para o momento muito difícil em que Portugal se encontra e disse mesmo que podíamos "caminhar para uma situação explosiva". E disse também que não é tempo de inventarmos desculpas para adiar a resolução dos problemas concretos dos portugueses", afirmou ainda, falando claramente para o Governo.

Certo é que o Presidente decidiu promulgar a lei que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo no dia em que se comemorou o do Dia Mundial contra a Homofobia, que tinha levado à rua, em Coimbra, cerca de três centenas de pessoas na primeira marcha do género realizada na cidade (ver link).

À hora a que o Presidente falava ao país, no horário nobre dos telejornais, nos jardins à frente do Palácio de Belém cerca de duas dezenas de artistas plásticos juntaram-se como forma de se manifestar a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Entre eles Vasco Araújo, João Pedro Vale e Ana Vidigal, todos do Movimento pela Igualdade. Saíram de casa para dar a cara pela sua causa.

Decisão depois do Papa

Cavaco Silva esperou pelo penúltimo dia do prazo e pelo fim da visita do Papa para anunciar a sua decisão. Na passada quinta-feira, em Fátima, no encontro com as organizações da Pastoral Social, Bento XVI afirmou: "As iniciativas que visam tutelar os valores essenciais e primários da vida, desde a sua concepção, e da família, fundada sobre o matrimónio indissolúvel de um homem com uma mulher, ajudam a responder a alguns dos mais insidiosos e perigosos desafios que hoje se colocam ao bem comum." O Papa recebeu fortes aplausos após esta declaração.

Com a promulgação do diploma, este será agora publicado em Diário da República, após o que entrará em vigor. Ao promulgar sem vetar, o Presidente abdicou de usar plenamente os seus poderes constitucionais, limitando-se a reafirmar a sua discordância em relação ao diploma. Não é, aliás, a primeira vez que o Presidente comunica directamente com os cidadãos através da mensagem ao país, para expor as suas divergências em relação a um diploma que promulga. Foi o que se passou com a promulgação do Estatuto dos Açores. Depois da reaprovação do diploma pela Assembleia da República emo resposta ao seu veto político, Cavaco acabou por promulgá-lo, mostrando contudo de forma veemente o quanto o condenava.

A verdade é que se Cavaco vetasse o diploma a Assembleia teria possibilidade de o reaprovar por maioria simples, após o que a lei seria enviada para o Presidente e este teria de assinar num prazo de oito dias.

Fonte: Público

 

Data de introdução: 2010-05-18



















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