1. Parco em palavras, no mês de Junho o Presidente da República repetiu o alerta: a situação é insustentável e, nestes próximos anos, o Estado não tem condições de impulsionar a economia.
Para uma crescente maioria dos portugueses, o presente já é muito difícil e o futuro deixou-se envolver por um espesso manto de dúvidas.
Provocada pela especulação financeira, a crise global fez vir ao de cima uma crise social e de valores, de contornos ainda por definir e de consequências ainda imprevisíveis. Também uma crise de credibilização. Particularmente entre nós.
Em contas de pesadas gotas sucedem-se os pacotes de austeridade. Uns atrás dos outros, sem se saber nem quando param nem para onde nos conduzem. Não se anunciam metas nem se vislumbra uma luz no fundo do túnel. Algumas medidas são apresentadas como sendo de um controlo ou de um rigor que apenas agora se descobriu ser necessário, como se antes não fosse de exigir de quem nos governa nem rigor nem controlo. Os cortes nas prestações sociais são duros e sucessivos. Para agravar a situação, o desemprego não pára de aumentar e afecta particularmente as franjas das populações mais frágeis. A chamada classe média está deprimida. Aos novos pobres juntaram-se os novos asfixiados pelas medidas. Também ali estão todos aqueles que acreditavam em direitos sociais que agora se volatilizam. Ainda se vai dizendo que se está a tentar salvar o Estado Social, mas já não falta quem duvide se é isso mesmo que se quer salvar ou se não estamos mesmo a cair no chamado neo-liberalismo, puro e duro, ou noutra situação de que ninguém fala mas que muitos temem.
Paralelamente, notícias recentes desvendam que a crise não foi má para todos: comprometeu seriamente os comprometidos mas favoreceu os favorecidos. Como sempre. E lá vai aumentando o fosso entre os poucos que têm muito e os muitos que têm pouco, quase nada ou mesmo nada.
Até quando ainda vai ser possível falar e acreditar em Estado Social?
2. O Estado Social é um tipo de organização política e económica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protector e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador e mediador de toda a vida e saúde social, política e económica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e protecção à população.
Os Estados de bem-estar social desenvolveram-se principalmente na Europa, onde os seus princípios foram defendidos pela social-democracia. Entre os seus objectivos há dois essenciais: a garantia do bom funcionamento do mercado e a defesa dos direitos dos cidadãos na alimentação, na educação, na habitação e na saúde. Uma das ideias fundamentais deste pensamento é a da igualdade de oportunidades. Ao longo do tempo desenvolveram-se políticas públicas, aumentando o orçamento do Estado para essas áreas. Esta forma de organização político-social, que foi sendo equacionada na segunda metade da II Guerra Mundial mas é filha directa da Grande Depressão de 1929, desenvolveu-se ainda mais com a ampliação do conceito de cidadania, com o fim dos governos totalitários da Europa Ocidental, com a hegemonia dos governos sociais-democratas e com a influência do humanismo cristão e das correntes euro-comunistas, com base na concepção de que existem direitos sociais indissociáveis da existência de qualquer cidadão.
A um período de experimentação, que coincidiu com o alargamento do direito de voto e o aparecimento da segurança social, seguiu-se um período de consolidação, em que o Estado não poderia ficar indiferente àquilo que se passava e, por isso, tratou de intervir através da criação de emprego. O período de expansão desenvolveu-se logo após a II Guerra Mundial. O modelo estava a ser bem sucedido e seria aplicado de uma forma generalizada. Até aos anos 80 o processo produziu os 30 gloriosos anos de crescimento económico e estava a ganhar o confronto com o liberalismo capitalista.
Foi um tempo de lideranças motivadas, éticas, estruturadoras, simultaneamente com visão e espírito de missão. A política era a nobre ciência da comunhão, do serviço da causa comum e do devir colectivo.
Se o Estado Social é posto em causa, para que serve o Estado?
3. Começaram a rarear as lideranças e começaram a pairar as dúvidas sobre o futuro do Estado Social: estar-se-ia a viver uma crise de governabilidade e a razão seria o excesso de democracia, de controlo público sobre as empresas e sobre a economia e a acumulação de custos tendencialmente insuportáveis.
O Estado português tornou-se demasiadamente autista, folclórico e consequentemente ineficaz e pesado. São demasiados os custos para o manter e ao seu serviço. Não é que os políticos ganhem muito (até nem ganharão); mas será necessário manter e alimentar tantos aparelhos e tão pesados, com tantos assessores, chefes, departamentos, fundações, gabinetes, institutos, representantes, secretários, sociedades mistas e outras instâncias cuja produtividade e interesse se não vislumbra? E com tantos amigos cartonados? Sempre que há uma mudança lá sobra um número incontável de colocações e de “compensações”. A estratégia é fazer-se amigo e, mais seguro ainda, “ter estado lá”. Para alimentar o que se alimenta, associar o que se associa e manter o que se mantém, não abunda a moderação.
Mais que ludibriar a questão com querelas inúteis para temas como o do Estado Mínimo ou do Estado Viável, impõe-se reconhecer que, para sobreviver e ser Social, o próprio Estado precisa de uma “eminentíssima” e urgentíssima reforma, que não se compadeça com meras medidas de simplificação mas que se sustente em valores seguros, como coragem, credibilidade e acima de tudo humanismo.
È urgente criar ideais e construir caminhos que recoloquem o Estado ao serviço de causas nobres e interesses comuns e nos devolvam a esperança. O Estado Social é necessário e é possível.
Por Lino Maia, Presidente da CNIS
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