CEDEMA, LISBOA

E depois, como é que vai ser?

O título desta reportagem é a pergunta que é feita vezes sem conta pelos pais dos adultos “especiais”. O tempo corre, o envelhecimento chega e as respostas são tardias ou insuficientes. É este o drama dos familiares das pessoas adultas com deficiência, que depois da idade escolar têm poucas soluções para os filhos.

Em 1982, um grupo de pais resolveu por mãos à obra, garantir o futuro dos seus descendentes e fundou a CEDEMA – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Mentais Adultos, uma instituição particular de solidariedade social que tem como missão o atendimento, protecção e bem-estar da pessoas com deficiência mental e das suas famílias. “Na altura, havia muitas instituições para responder à parte infantil e até à adolescência, mas para a idade adulta e velhice não existia nada. Os pais sentiam-se muito apreensivos quanto ao destino dos filhos, depois deles morrerem, ou de já não terem capacidade para cuidar deles e fizeram esta instituição”, explica a actual presidente, Maria Antónia Machado.
O objectivo principal consistia na criação de um lar e os fundadores conseguiram que a Câmara de Lisboa lhes doasse um terreno para a construção do equipamento. Contudo, o Instituto de Segurança social aconselhou que fosse feita uma parceria com outra instituição que já operasse no terreno, com conhecimento e prática na matéria. Assim foi: estabeleceram uma parceria com a APPACDM de Lisboa e construíram o Lar de Pedralvas, inaugurado em 1994.

“Na altura ficou resolvido o problema para aquele grupo inicial de pessoas, mas começaram a surgir mais pedidos e tentou-se responder às novas solicitações”, declara a presidente. Foi nessa altura que a Maria Antónia Machado assumiu funções e rapidamente se apercebeu de uma série de situações urgentes: várias pessoas com deficiência estavam órfãs e a viver fechadas em casa. A CEDEMA começou então por criar um pequeno espaço para 10 utentes e mais tarde conseguiu ocupar o lugar onde está actualmente, cedido pela autarquia de Lisboa a um preço simbólico. E foi aí que a instituição desenvolveu um conjunto variado de serviços de apoio aos adultos com deficiência, desde informática, expressão plástica, teatro, actividades de adaptação à vida diária, como, por exemplo, saber comer numa mesa, saber estar em público. “Temos muita preocupação em reabilitar e por isso há um conjunto de actividades muito dinâmicas que vão do desporto, à arte e às tarefas do dia-a-dia”. A responsável explica que estas pessoas sofrem de um envelhecimento precoce e se não forem muito estimuladas rapidamente perdem as capacidades motoras e cognitivas. “O indivíduo quando é obrigado a criar, essa actividade ajuda a estimular o cérebro. Por exemplo, ao ensinar a fotografar, estamos a trabalhar muitas competências, desde o saber escolher um motivo fotográfico até ao simples acto de empenhar uma máquina fotográfica sem tremer”.

A componente artística é largamente explorada, quer a nível das actividades internas, como das parcerias externas com várias instituições e museus da cidade. “Fazemos reuniões de coordenação semanais em que definimos programas lúdicos através dos quais trabalhamos a socialização, os comportamentos, para que estas pessoas possam ser facilmente aceites quando saem das portas da instituição para o mundo exterior. Trabalhamos muito os comportamentos sociais, para que possam ser mais facilmente aceites pelos outros”.
Susana Suzarte é monitora de artes plásticas e cerâmica há cinco anos na CEDEMA e acredita no potencial de desenvolvimento através da expressão plástica. “Para além de toda a técnica que aprendem, seja ela pintura, cerâmica, simultaneamente é desenvolvida e estimulada a parte da coordenação motora, da imaginação, ou seja, as actividades envolvem todo o corpo e as emoções, o que para eles é muito benéfico”.

Já João Pereira trabalha na área da reabilitação através da prática de actividades desportivas. A instituição oferece um leque de alternativas desde a natação, à hipoterapia, à ginástica, ao futebol, ao golfe, entre outras, realizadas de forma mais pontual. O golfe tornou-se na grande novidade dentro da instituição, quer pelos bons resultados que têm sido obtidos pelos utentes nas competições, quer pela inovação que acarreta como terapia. “É uma modalidade altamente terapêutica, pois exige muita concentração e coordenação motora, além de que o verde e o facto de ser num espaço aberto e bastante bonito é muito tranquilizador”, explica o monitor. A instituição desenvolveu uma parceria com a Federação Portuguesa de Golfe para tentar disseminar a prática pelo país e abri-la a mais pessoas. Para já, realizam dois encontros anuais da modalidade em que participam utentes de várias instituições de Lisboa.

A CEDEMA aposta igualmente no apoio aos familiares dos utentes, uma componente pouco habitual no panorama nacional deste tipo de instituições. “As famílias destas pessoas ficam muito sobrecarregadas e aparecem-nos casos em que o pai ou mãe precisa de mais apoio do que o próprio utente”, refere a presidente. Os casos de depressão no cuidador são frequentes, bem como de isolamento, muitas vezes continuado e que dura há vários anos. As equipas multidisciplinares acompanham caso por caso e sempre que necessário apoiam as famílias. Exemplo disso são as duas colónias de férias anuais. Uma delas abrange também as famílias dos utentes e para além da parte lúdica é aproveitada para ensinar ou corrigir comportamentos de ambas as partes. “Durante uma semana proporcionamos uma férias ao utente e ao familiar, nas quais a mãe ou pai não tem que pensar em nada, está tudo tratado.” Tudo tratado significa um conjunto de actividades lúdicas desde a praia à discoteca, para além das dormidas e alimentação. “Para muitos destes familiares estas são as únicas férias que têm, quer por incapacidade de se deslocarem, quer por incapacidade financeira e nesta semana é possível estarem com aquela pessoa que se habituaram a cuidar permanentemente, sem necessidade de o fazer, apenas desfrutando da companhia um do outro”. A associação organiza ainda outro período de descanso, em Setembro, desta vez, destinado exclusivamente aos utentes, para que as famílias também possam ter liberdade para “respirar fundo”, como refere Maria Antónia Machado.

Maria Antónia Machado, PresidenteA procura constante levou a instituição a abraçar um novo projecto que vai contemplar a construção de uma residência permanente para pessoas com deficiência mental, mas com espaços destinados também aos ascendentes, num terreno cedido pela Câmara Municipal de Odivelas. “É cruel no fim de vida estarmos a separar uma mãe de um filho, por isso, previmos quartos para ambos”. O espaço contempla ainda uma residência temporária para utentes do centro de actividades ocupacionais, para treino de autonomia residencial ou situações de férias dos familiares, entre outras valências.

“Cada vez mais as instituições são confrontadas a abrir unidades residenciais, as famílias não estão preparadas para assumir um familiar destes, o que é perfeitamente compreensível”, diz a responsável. Maria Antónia Machado sublinha que faltam instituições que acolham e trabalhem com estas pessoas na idade adulta e que o problema tende a aumentar, já que a esperança média de vida destes doentes se tem aproximado da média da população em geral. “Infelizmente já temos uma grande lista de espera para o novo equipamento, o que nos vai obrigar a fazer uma triagem criteriosa, dando primazia às pessoas que estão em risco de orfandade”.

Pelo seu trabalho em prol da inclusão, a CEDEMA foi agraciada pelo presidente da República a 10 de Junho de 2008 com a comenda de “Sócio Honorário da Ordem de Mérito da República Portuguesa”, uma distinção que muito agradou à equipa dirigente e técnica. Mas, distinções à parte, tanto técnicos como dirigentes são unânimes em afirmar que este trabalho não significa apenas “dar”, pois recebem muito em troca. “É muito bom trabalhar com estas pessoas, é super gratificante, porque cada dia nós recebemos uma resposta deles que nos leva para casa com um sorriso, por menor que seja”, afirma João Pereira. Susana Suzarte acrescenta ainda que a cada dia que passa “há um novo desafio”, já que cada evolução é uma “vitória alcançada”.

Texto e fotos: Milene Câmara

 

Data de introdução: 2010-07-08



















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