CENTRO PAROQUIAL E SOCIAL DO SALVADOR

Um oásis social em Beja

Não é um documento oficial. É até um documento que causa algum embaraço ao padre Henrique Martins, pároco de S. Salvador, presidente da direcção do Centro Paroquial e Social da IPSS de Beja. É um texto em verso, com 34 quadras, onde está narrada a história da instituição sempre ligada ao sacerdote, natural de Miranda do Douro, que agora tem 74 anos. Começa assim:

O Padre Henrique Martins
Um convicto carmelita,
Nasceu p’ra servir Deus
E todo o que necessita.

Eis que a prova está à vista
E se olha com prazer,
Pois que todo este edifício
É para o povo atender.

De facto, o conjunto de edifícios espraia-se por um quarteirão da freguesia da zona sul de Beja e causa impressão. O padre Martins diz que é feio: “Não ficou bonito. Na Câmara, ao longo do tempo, reprovaram uma série de projectos que apresentámos, e acabaram por sugerir esta forma, uma espécie de comboio, feio e pouco funcional para idosos e crianças. Aos empurrões lá aprovaram como eles quiseram.”

Tudo começou nos verões de 1971, 72 e 73 com as férias das Missionárias da Legião de Maria, uma associação cristã. Eram 10 a 15 pessoas oriundas de várias localidades do país, Leiria, Lisboa, Braga, Porto, e até de Madrid e Salamanca, que sacrificavam quinze dias do descanso anual para trabalharem nesta zona do Alentejo, nos bairros pobres da cidade: o bairro do Pelame, N. S. da Conceição, bairro da Esperança, bairro das Saibreiras, bairros fora das muralhas da cidade, sem água canalizada, sem esgotos, enfim, sem condições. Durante o dia conviviam com as pessoas, à noite faziam encontros na rua. Desses verões saiu a necessidade de construir alguma coisa. “Fizemos o projecto, tinha balneários públicos, um salão e salinhas para a catequese. A Câmara ofereceu um terreno nesse bairro do Pelame. O engenheiro, amigo, que ficou de fazer os cálculos de estabilidade, demorou muito tempo a apresentar o projecto e o que é que aconteceu? Nesse intervalo rebentou o 25 de Abril. Ficámos sem o terreno.”

Foi um tempo difícil. Houve alguns problemas, sobretudo nos bairros. As pessoas tinham medo. Fechavam as igrejas, mas o padre Henrique Martins nunca deixou de celebrar, apesar das ameaças. “Com a ajuda do bispo, D. Manuel Falcão, conseguimos outro local. A primeira pedra foi lançada em 1981. E este empreendimento foi desde então construído por fases.”

A primeira valência foi centro de catequese e ATL, em 1982. Em 1985 abriu o Centro de Dia. Em 86 nasce a Creche e o Jardim-de-Infância com capacidade para 150 crianças. Em 1987 inaugura o Lar de Terceira Idade, uma necessidade, já que havia utentes acamados que ficavam a dormir. Hoje o lar funciona com cerca de 80 idosos. Em 2004 abre as portas de uma ampla igreja. Em Monte Gordo, no Algarve, a IPSS possui uma casa de praia para 15 pessoas. Actualmente o Centro Paroquial e Social do Salvador serve perto de 500 utentes distribuídos pelas valências de Creche, Pré-escolar, CATL, Lar de idosos e Lar Residencial.

O Lar Residencial foi a última grande obra do padre Henrique Martins. “O projecto de urbanização do bairro obrigou a que se fizesse uma opção de compra do terreno. A 15 de Outubro de 2010 foi lançada a primeira pedra, no ano jubilar, com a intenção de deixar um marco nesse ano. O Lar, sem qualquer financiamento da segurança social, nasceu e hoje funciona sem qualquer acordo, apesar das promessas que a Segurança Social nos fez. Foi inaugurado em 10 de Outubro de 2004.”

É um edifício impressionante de três pisos, com 34 quartos individuais, 30 quartos duplos, ar condicionado, aquecimento, café, cabeleireiro, ginásio e todas as modernas comodidades que se encontram num hotel, destinado a utentes autónomos. Está lotado, com 90 pessoas. Algumas, as que podem, pagam mensalmente pouco mais de mil euros e as mais carenciadas entregam reformas de duzentos e poucos euros.
Sem a prometida ajuda da Segurança Social para a construção não foi fácil erguer a obra. “Foi graças à ajuda económica dos benfeitores alemães. Fiz várias campanhas em jornais alemães, como era costume, é um hábito na Alemanha, incluir num jornal ou numa revista por entre os cristãos, a disponibilidade para a dádiva financeira. Eu recolhia as moradas e escrevia-lhes. Mandei mais de 5 mil cartas. Assim, fui arranjando dinheiro para a construção deste lar. Houve alguns apoios portugueses, mesmo aqui de Beja, mas foram insignificâncias comparados com as dos alemães. Graças à generosidade desses benfeitores foi possível fazer a obra. Agora o sistema de correios mudou. Agora só vem o nome, não a direcção. Já não é possível repetir. Esperávamos que fosse protocolado com 30 ou 40 utentes. A Segurança Social começou por dizer que sim mesmo antes da construção. Depois da empreitada feita ficou de fora. A obra já tinha começado, já estava feito o contrato com a empresa de construção. Aparecem cá muitas vezes… para fiscalizar.”

É com satisfação evidente que o padre Henrique Martins se demora na visita às instalações, distribuindo cumprimentos afectivos. Num dos corredores do Lar Residencial cruza-se com Maria Lopes Soares. Uma pequena velhinha simpática, natural do Alqueva, de sorriso pronto, muita vontade de conversar e mostrar a renda que ainda faz. Completa 105 anos em Outubro. Elogia o lar e desfaz-se em louvores ao presidente da instituição.

O Centro Paroquial e Social do Salvador, em Beja, com um orçamento anual da ordem dos dois milhões de euros, dá emprego a 140 pessoas e ocupação a diversos prestadores de serviços na área da saúde. Tem lista de espera para todas as valências. O Padre Henrique Martins sente que está na hora de fazer algo para ajudar a combater a toxicodependência. Já percebeu que a aposta é na qualidade e teme pelo futuro de algumas valências por causa das novas políticas relacionadas com a escola pública. Mas, acima de tudo, considera a obra concluída. “Agora nada mais há para construir, é manter. Ao longo destes 30 anos, eu quis fazer diferente, mas não deixaram. Interiormente, acho é um bem para a cidade de Beja. Fiz 50 anos de sacerdote e a Câmara mostrou reconhecimento.”
A funcionária que acompanha o padre Henrique Martins volta a recordar que a instituição tem a história gravada em verso e a gratidão ao fundador também lá está. De facto, basta ler a última quadra:

Todos dizem obrigado
Tanto o idoso como criança
Muitos homens como este
Fazem no mundo renascer a esperança.


Texto e fotos – V.M Pinto

 

Data de introdução: 2010-09-08



















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