ASSOCIAÇÃO CRIANÇA E VIDA, PORTO

De Clube da Torre a instituição de solidariedade

A história remonta à década de 70, ainda antes do 25 de Abril, nos jardins da Cordoaria, no Porto. Na altura, a rua era o palco de brincadeiras para muitas crianças dos bairros pobres da cidade e, neste lugar em particular, para os meninos da chamada zona alta da Ribeira. As crianças, na grande maioria rapazes, passavam o dia na rua a comer o que aparecia, a pendurarem-se nos eléctricos e a cometerem pequenos delitos, possível embrião para futuros marginais.

As raparigas ficavam nas casas pobres a tomar conta dos mais pequenos, quer da família, quer dos vizinhos. À escola, poucos iam, afinal, nem estavam habituados a estar sentados num espaço fechado. Os pais, esses, andavam também pelas ruas, em empregos miseráveis, ou nas tascas de volta do copo de vinho de má qualidade. Quanto às mães, muitas eram aquelas que vendiam o corpo, andavam na “vida”, como o povo costuma dizer.

Foi perante este cenário que um grupo de voluntários resolveu fazer alguma coisa pelos meninos da rua, como lhes chamavam. O grupo conseguiu umas instalações emprestadas num corredor da Igreja de S. José das Taipas, no jardim da Cordoaria e começou a convidar os rapazes a participarem em actividades e jogos. “De início iam só os rapazes mais velhos, porque as meninas ficavam em casa a tomar conta dos pequeninos, mas elas também queriam vir, porque os irmãos contavam em casa o que faziam connosco”, relembra Teresa Resende, fundadora e actual membro da direcção da Associação Criança e Vida.

O grande objectivo era conseguir que as crianças frequentassem a escola e para isso foi necessário esse grupo comprometer-se com os professores de cada criança. Iriam desenvolver esforços para que cada uma frequentasse as aulas. Em contrapartida, pediram aos professores que os colocassem numa carteira mais à frente e que não desistissem de lhes ensinar, o que era uma prática comum na altura.

“As pessoas começaram a chamar-nos a ‘Obra dos Miúdos da Ribeira’, pois cada vez tínhamos mais crianças que passavam o dia connosco”. Teresa Resende recorda que iam buscar alguns dos meninos a casa, para que não faltassem à escola. Aos poucos, as raparigas começaram também a frequentar o corredor da Igreja que, entretanto, passara a uma salinha, e traziam os irmãos mais pequenos. “As pessoas foram notando o trabalho que estávamos a tentar fazer e começaram a oferecerem-nos mercearias e outros produtos para que déssemos aos meninos”.

No fim da década de 70 já tinham meia centena de crianças que diariamente queriam participar nas actividades e foi preciso arranjar um espaço maior. “Conseguimos umas salas na Torre dos Clérigos, baptizámos como o “Clube da Torre” e lá organizávamos passeios, actividades pedagógicas, jogos didácticos. A principal tarefa era colocar as crianças a fazer os deveres da escola”.

O número de meninos crescia e o grupo responsável notava que era preciso fazer mais, não só pelos tempos livres, mas pela higiene e pela alimentação. “Quando íamos a algumas das casa, ficávamos assustadas com a miséria que lá encontrávamos: cheiros nauseabundos, muita sujidade, falta de condições e, por vezes, até encontrávamos as crianças alcoolizadas”, afirma Teresa Resende.

O grupo fundador resolveu pedir uma casa emprestada, onde pudessem também dar banho àqueles que precisavam. Começaram a angariar sócios que pudessem pagar uma quota mínima e com esse dinheiro comprar alguns bens consumíveis essenciais. “Conseguimos uma casa emprestada na Rua do Rosário e ficamos lá até 1986, quando pela morte do dono, os herdeiros mandaram-nos um telegrama com uma ordem de despejo”.

Na altura, a associação já estava legalizada como instituição particular de solidariedade social e os colaboradores tinham a seu cargo mais de uma centena de crianças. Para além dos “meninos de rua”, outros pais vinham pedir para que ficassem com os filhos enquanto iam trabalhar. A direcção solicitou ajuda a várias instituições públicas e privadas da cidade. A resposta veio do Governo Civil do Porto que reuniu esforços juntamente com outras entidades para arranjar instalações. Compraram um edifício na Rua Miguel Bombarda, cujo pagamento foi completado pelo Fundo de Socorro Social.

A casa nova não era suficiente para tantos meninos e meninas e a direcção tratou de crescer e de arranjar mais soluções. “Chegávamos às 120 crianças e para ter ideia, os miúdos, para fazer os deveres escolares, sentavam-se no chão, em almofadas e escreviam em cima de caixas de fruta viradas ao contrário”.
Assim, no fim da década de 80 adquiriram outro espaço ali próximo onde instalaram o ATL. Aos poucos foram melhorando as instalações, construíram a cantina e disponibilizaram outros serviços. Tudo foi pago “aos bocadinhos”, como refere Teresa Resende.

“Os pais queriam que tivéssemos creche e nós demos essa resposta e avançámos com a valência”. De “resposta” em “resposta”, a instituição tem actualmente mais de 200 crianças nas valências de creche, pré-escolar, escola do 1º ciclo e ATL. Em 1999 iniciaram o serviço de apoio domiciliário naquela zona, actualmente com 15 utentes. “Os idosos vieram cá pedir-nos ajuda, porque apesar de existirem várias instituições a prestar este serviço não conseguem trazer as suas carrinhas para esta zona pedonal e por isso não vêm cá”, explica a dirigente, justificando este alargamento de serviços à terceira idade.

Com 25 anos de trabalho, a prioridade continua a ser atender os mais carenciados, mas a porta está aberta a todos. “Havendo vagas estamos abertos a toda a gente, pois assim conseguimos equilibrar um pouco as finanças, além de que este convívio de classes é bom para as crianças, pois ajuda a elevar o nível sócio cultural de todos”, refere a responsável.

As novas exigências em termos de certificação de qualidade vão obrigar a uma remodelação profunda da instituição. O projecto já existe e está orçado em mais de um milhão de euros. Falta agora arranjar financiamento. “Ainda não temos a aprovação da Câmara Municipal e logo que exista, vamos iniciar uma campanha de angariação de fundos, de material de construção e de mão-de-obra voluntária”.
A instituição também pretende alargar o horário de fecho das 19h30 para as 20h30. Querem responder aos pedidos dos pais que só conseguem sair dos empregos a essa hora. “A crise obriga as pessoas a trabalhar mais, aquelas que têm emprego, e as instituições do Estado não têm horários compatíveis com essas exigências”.

Os tempos mudaram e a Obra dos Miúdos da Ribeira é agora a Associação Criança e Vida, um nome mais adaptado à actualidade dos tempos, que continuam a apresentar novos desafios no domínio da solidariedade.

Texto e fotos: Milene Câmara

 

Data de introdução: 2010-11-09



















editorial

VIVÊNCIAS DA SEXUALIDADE, AFETOS E RELAÇÕES DE INTIMIDADE (O caso das pessoas com deficiência apoiadas pelas IPSS)

Como todas as outras, a pessoa com deficiência deve poder aceder, querendo, a uma expressão e vivência da sexualidade que contribua para a sua saúde física e psicológica e para o seu sentido de realização pessoal. A CNIS...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Que as IPSS celebrem a sério o Natal
Já as avenidas e ruas das nossas cidades, vilas e aldeias se adornaram com lâmpadas de várias cores que desenham figuras alusivas à época natalícia, tornando as...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Adolf Ratzka, a poliomielite e a vida independente
Os mais novos não conhecerão, e por isso não temerão, a poliomelite, mas os da minha geração conhecem-na. Tivemos vizinhos, conhecidos e amigos que viveram toda a...