Tem nove anos, chama-se Beatriz e sempre alimentou um grande sonho: conhecer a banda feminina Just Girls. Um dia... o sonho tornou-se realidade.
"O que mais gostei foi ter as Just Girls a entrar na minha casa, a cantar só para mim, embora tenha ficado muito envergonhada, pois foi uma surpresa que não estava nada à espera! A minha mãe já me tenha prometido que as ia ver, eu julgava que seria num concerto onde havia muita gente, nunca pensei que seria assim…só para mim, em minha casa! Foi incrível, nunca vou esquecer, nem sei explicar o que foi para mim, mas nunca vou esquecer. Obrigada!"
A Beatriz ficou estarrecida. E os pais, Sónia e Fernando, o que é que acharam?
"A surpresa no rosto da nossa filha, a alegria que nós jamais lhe poderíamos proporcionar, a possibilidade de um sonho tornado realidade a um pequeno grande ser, que tanto lutou pela vida e continua a lutar diariamente pela recuperação. Ela merece tudo, mas este sonho não conseguiríamos ajudá-la a realizar não fosse o trabalho da grande equipa da Terra dos Sonhos, por isso só podemos em nosso nome, mas sobretudo em nome da “Bia” dizer: MUITO OBRIGADA POR TUDO!".
Mas a Beatriz é uma menina especial, já que a sua vida tem sido passada no Instituto de Oncologia, a lutar pela vida. E são crianças em situações idênticas à da Beatriz que a Terra dos Sonhos ajuda. A Terra dos Sonhos é instituição de solidariedade fundada no dia 1 de Junho de 2007, Dia Mundial da Criança, que tem como grande objectivo realizar sonhos de crianças e adolescentes com doenças crónicas e/ou em fase avançada.
A ideia veio de Espanha, quando o actual presidente, Frederico Vital, conheceu a Fundación Pequeño Deseo. Em conversa com um casal de amigos espanhóis, Jaime e Arancha, tomou contacto com o trabalho desenvolvido por aquela fundação, onde Arancha trabalhara como voluntária. Imediatamente apaixonou-se por esta causa, sobretudo pela simplicidade poderosa dos seus efeitos. Com um grupo de amigos, Frederico começou a pesquisar diversas organizações que, a nível mundial, se dedicavam a este tipo de acção social e constatou que não existia nada do género em Portugal.
Depois de meio ano de contactos para formação da equipa e angariação dos fundos necessários para o arranque das actividades, no dia 1 de Junho nasce a Associação Terra dos Sonhos, pela mão de 33 sócios fundadores. O simbolismo da data de constituição - Dia Mundial da Criança - não foi escolhido ao acaso. "Acreditamos na força inspiradora e transformadora dos pequenos momentos únicos, como motor de melhoria da qualidade de vida das crianças, dos familiares e amigos que convivem de perto com estas realidades", afirma o presidente e sócio-fundador.
Espalhadas pelo país trabalham 120 equipas de sonho, com núcleos no Porto, Coimbra, Lisboa e Évora, num total de cerca de 250 voluntários. Os sonhos funcionam por candidatura, ou seja, alguém candidata uma determinada criança à realização de um sonho e depois uma equipa analisa o pedido. "É uma acção individual, não tem que ser feita pelos pais, qualquer pessoa pode candidatar a criança", explica Frederico Vital. Muitas vezes, no formulário não vem a indicação do sonho e é a equipa de sonho que tem que o descobrir. "A primeira fase passa pela recolha de informação. A equipa responsável vai contactar toda a gente que está próxima da criança (pais, amigos, médicos, professores) para perceber quem é aquela criança, o que faz, como é que comunica, e também para saber qual é, na opinião dessas pessoas, o seu grande sonho". A partir daí e tendo em conta que tudo é surpresa para a criança, a equipa fala com o candidato e depois decide qual é o sonho a realizar. É traçado um plano de acção, normalmente com várias opções, tendo em conta a opinião dos médicos e o acordo dos pais. "Os pais assinam um acordo de sonho e depois disso é só calendarizar", diz o responsável.
Actualmente, a instituição já tem uma rede extensa de parceiros e mecenas que ajudam na produção do sonho, financiamento e logística. "Ao realizar sonhos nós não procuramos criar apenas momentos lúdicos e de entretenimento, mas também desfocar aquela célula familiar do processo da doença e transmitir uma mensagem forte de possibilidade e de esperança. Tudo aquilo que se pensa que é impossível, pode não ser e isso é valido para as crianças, mas também para os pais, amigos, família e até para os médicos".
Frederico Vital recorda o primeiro sonho de todos, que acabou numa grande desilusão. "Era um miúdo que queria conhecer o Simão Sabrosa e nós organizamos o encontro no centro de treinos do Seixal, em dois dias. Foi uma operação relâmpago e estava preparada uma recepção muito gira. Mas no dia em que íamos buscar a criança ao IPO, o pai telefonou a dizer que ele tinha falecido na noite anterior". Apesar do momento difícil, o responsável pela Terra dos Sonhos refere que isso motivou ainda mais a equipa para a eficiência na realização do sonho, pois muitas vezes, é uma corrida contra o tempo.
Frederico Vital sublinha que a associação não realiza caprichos e que tentam sempre ir um pouco mais além do sonho pretendido. Os momentos são quase sempre criações de eventos onde o sonho acontece, com uma envolvência adequada e que torne a circunstância única.
Em 2010, a instituição resolveu alargar o público-alvo às crianças institucionalizadas e aos idosos. Neste caso, o processo não funciona por candidatura, mas é a Terra dos Sonhos que escolhe os beneficiários. Na área da terceira idade estão a trabalhar com um lar de idosos em Lisboa e já têm 15 planos de acção a decorrer. O primeiro sonho já foi realizado. "Os velhotes ainda são mais fáceis de contentar, porque no fundo só querem um bocadinho de atenção. O sonho deste senhor era voltar a comer iscas e nós organizamos um almoço com os amigos dele".
A instituição também organiza as "experiências de sonho", eventos para grupos de crianças com um sonho em comum, por exemplo, andar de balão de ar quente, conhecer o Cristiano Ronaldo ou ir à Lapónia, a terra do Pai Natal.
Também no ano passado, a Terra dos Sonhos avançou para um projecto mais ambicioso de ajuda a comunidades carenciadas. À instituição cabe o papel de conceber, construir o conceito e desenvolver parcerias locais para a sua implementação. Actualmente têm a decorrer um projecto na área desportiva, cultural e social no Complexo do Alemão, um dos piores bairros de favelas do Rio de Janeiro. "Aqui, o objectivo último é que daqui a uns anos, haja uma ONG dentro da comunidade, dirigida pela própria comunidade e que possibilite a construção de pontes entre as pessoas da favela e o mundo fora dela", refere Frederico Vital. Durante este ano, a instituição prevê transportar o formato para comunidade de Rabo de Peixe, nos Açores.
Para além disso, a Terra dos Sonhos organiza conferências e seminários relacionados com felicidade, bem-estar, liderança de equipas, etc. Em Outubro de 2010 juntaram no Teatro Tivoli, em Lisboa, mais de 800 pessoas para ouvir Lyn Heward, directora de criação do Cirque du Soleil, sobre criatividade e inovação.
Para além destes seminários, a instituição quer apoiar outras organizações de cariz social na área da sustentabilidade financeira.
Como projecto-piloto começaram por desenvolver uma parceria com a Ajuda de Berço, mas durante este ano pretendem lançar um curso de gestão de organizações não lucrativas, em associação com uma universidade. "A nossa ajuda pode assumir várias formas, desde fornecer instrumentos de gestão, apoiar em determinada campanha, sugerir um plano de acção, cada caso é um caso", esclarece o presidente.
Faz também parte dos sonhos da Terra dos Sonhos tornar-se numa ONGD para poderem participar em projectos internacionais. Com 232 sonhos realizados, a instituição quer agora encontrar uma base científica para o trabalho que desenvolve. Iniciaram um estudo sobre os benefícios da realização de sonhos que pretende medir o grau de felicidade e os efeitos positivos que proporciona às crianças. "Queremos criar uma unidade que faça o acompanhamento das crianças no pós-sonho, que garanta que a mensagem perdura e, se conseguirmos mensurar esta actividade com alguns critérios quantitativos, toda a gente vai perceber melhor o que fazermos".
Sem qualquer apoio estatal, a Terra dos Sonhos tem permitido a centenas de crianças voltar a sorrir. Desde viagens ao mundo mágico da Disney, a conhecer o ídolo, a ter uma playsation ou a ver o Pai Natal, as equipas de sonho vão ajudando a povoar o imaginário infantil de magia. Só em 2010 os sonhos realizados ultrapassaram a centena.
Texto: Milene Câmara
Data de introdução: 2011-01-07