Quando há mais de duas décadas Jaime Ramos decidiu criar uma instituição que valorizasse as pessoas da sua terra, Miranda do Corvo, independentemente da sua condição social, económica, física ou mental, por certo, estaria longe de pensar que a mesma se transformaria no principal motor de desenvolvimento da vila e das localidades vizinhas, bem como num dos principais pólos de assistência, formação profissional e desenvolvimento da região. E estamos a falar de uma localidade que tem a denominada «cidade dos doutores» mesmo ao lado.
E porque um país não se faz apenas de doutores e engenheiros, para o principal responsável da Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional (ADFP), sediada em Miranda do Corvo, isso não é sinónimo de que os que não têm o dito «canudo» não tenham qualidades e capacidades que possam ser devidamente desenvolvidas e postas ao serviço da comunidade.
Foi neste pressuposto que nasceu a ADFP no ano de 1987 e que hoje é um dos principais empregadores daquela vila vizinha de Coimbra. “Sem esta instituição, Miranda do Corvo seria uma terra com menos emprego, sem tanto bem-estar social e seria um concelho muito pior do que é hoje”, assegura o presidente e fundador Jaime Ramos, acrescentando: “Mas a Fundação não apoia só pessoas de Miranda do Corvo, pois muitas das pessoas que temos em internato, muito mais de metade não tem nada que ver com o concelho”.
Em jeito de brincadeira, uma das técnicas que guiou o SOLIDARIEDADE na visita à instituição referiu: “A ADFP parece o Vaticano”. Ou seja, uma espécie de estado dentro de outro estado, uma vila dentro da vila que é Miranda do Corvo. A graça acaba por ser confirmada de forma mais séria pelo próprio Jaime Ramos, ao referir que a instituição “é um centro que se difunde a todo o momento na comunidade, não é uma ilha isolada, pois é igualmente procurada pela comunidade mirandense”.
Para se ter um pouco de noção da dimensão e importância desta IPSS nada melhor do que um breve olhar aos números: cinco milhões de euros de orçamento anual; 280 utentes residentes; entre 1000 e 1100 almoços/dia; 200 funcionários; entre 460 e 470 vencimentos pagos mensalmente (aqui integram-se também trabalhadores a recibo verde, contratados de emprego de inserção e formação profissional e ainda voluntários e deficientes que recebem um prémio mensal pelas actividades que desempenham); 80 pessoas em CAO; 120 pessoas que passam pela fisioterapia, uma valência também aberta à comunidade de Miranda do Corvo e ainda 52 alunos na Universidade Sénior.
Só por aqui vê-se bem a dimensão e importância desta instituição, cuja sede, o Centro Social Comunitário Dr. Jaime Ramos, é o epicentro e a que se juntam os centros sociais de Lamas, Senhor da Serra e Rio de Vide e ainda três residências no Ingote (Coimbra). Mas se lhe juntarmos a diversidade de valências da instituição e os serviços que presta aos utentes e à população de Miranda do Corvo, então o esquiço toma a forma de um desenho bem mais completo: Idosos – três residências, apoio domiciliário, centro de dia, turismo sénior e universidade sénior; Cuidados de Saúde – Unidade de cuidados continuados (média e longa duração) e clínica de fisioterapia e reabilitação; Deficiência – lar residencial, centro de actividades ocupacional, Museu Vivo de Artes e Ofícios Tradicionais, PIEF - Programa Integrado de Educação e Formação e lar de apoio; Doença Mental – Projecto Diferente/IgualMENTE [ver caixa], Serviço Comunitário de Saúde Mental, Unidade de Vida Apoiada e Fórum Sócio-Ocupacional; Infância e Juventude - Centro Infantil de Miranda do Corvo, Creche de Rio de Vide, Creche do Senhor da Serra, Centro de Actividades de Tempos Livres (127 crianças em ATL de pontas), lar Infância e Juventude e a AJA (Associação de Jovens Amigos); Mulher – Centro de Apoio à Mulher e à Vida e Clube da Mulher; Formação - Formação Profissional (POPH/QREN), Formação Profissional/Emprego (Estágio Profissionais, INOV social, Estágio Qualificação – Emprego, Contratos Emprego – Inserção e Contratos Emprego - Inserção+), Emprego Apoio (Empresa Inserção, Enclave e Apoio a Contratação); Emprego (Atendimento a Desempregados e Recepção e Gestão de Currículos e Bolsa de Formadores); e Voluntariado.
A isto junta-se ainda uma intensa actividade na área cultural, das quais nascem alguns proventos para a instituição, como seja o Parque Biológico da Serra da Lousã, o cinema (único em Miranda do Corvo), o Museu da Chanfana (restaurante) e a Real Confraria da Matança do Porco, mas a instituição desenvolve ainda parcerias com artistas locais, das quais já nasceu uma interessante colecção de arte contemporânea, alguma exposta nas instalações, e ainda a Biblioteca fixa e itinerante (que cobre 62 localidades de concelhos limítrofes). Outra valência, que por utilização da comunidade mirandense acaba por também ser um importante contributo financeiro para a ADFP, é a desportiva, com a instituição a possuir um pequeno polidesportivo, uma piscina, um healthclub e incentivando ainda a prática do futsal, de caminhadas (Clube de Caminheiros) e do hipismo.
Aliás, neste particular, a área para a prática do hipismo insere-se no Parque Biológico da Serra da Lousã onde são igualmente ministradas sessões de hipoterapia e onde é ainda praticado algum Desporto Adaptado. “O nosso único objectivo é investir em pessoas e fazer aquilo que temos no nosso nome: assistência às pessoas que precisam de assistência social ou de saúde, fazer desenvolvimento local e regional, apostar na formação profissional de pessoas e investir em pessoas”, defende Jaime Ramos, ressalvando: “Queremos ter uma instituição que, na medida do possível, seja sustentável”.
Profundo conhecedor de Miranda de Corvo, onde ocupou durante uma década a presidência da Câmara Municipal (1979-1989), Jaime Ramos, a dois anos de deixar de liderar a autarquia avançou para a criação da ADFP, a 6 de Novembro de 1987. “Na altura era presidente da Câmara e contactei com esta realidade das pessoas com mais carência e também através de um programa que o Governo tinha criado na altura, o PIPSE – Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Educativo, em que apanhámos muitas crianças com dificuldades de aprendizagem. No fundo, ser presidente da Câmara e a existência deste projecto alertou-me para uma série de problemas associados à deficiência e às pequenas dificuldades de aprendizagem que me levaram a tentar desenvolver uma instituição que desse uma resposta a esse tipo de problemas de carência social e também ligados à deficiência e à doença mental no meu concelho”.
Médico de formação, profissão que exerce, também na ADFP, para além de deter “uma pequena empresa de medicina do trabalho”, Jaime Ramos que foi ainda deputado na Assembleia da República pelo PPD/PSD (1979-1985 e dois meses em 1995) e Governador Civil de Coimbra (1989-1991), argumenta que “a filosofia da instituição nasce com a ideia de integrar as pessoas”, explicando: “Nunca achei que uma resposta isolada fosse solução. Não é criando guetos, onde as pessoas são arrumadas, ostracizadas e marginalizadas, que se solucionam os problemas das pessoas com deficiência ou doentes mentais. A ideia foi sempre criar uma instituição que tivesse uma filosofia completamente diferente, uma filosofia de integração em tudo. De integração dessas pessoas com dificuldades, com deficiências ou doentes mentais na sociedade, mas também no interior da instituição”.
E uma pequena visita à ADFP revela inúmeros funcionários com deficiências físicas e não só. Cerca de 20% dos funcionários são portadores de deficiência, pelo que proliferam as cadeiras de rodas pelos gabinetes administrativos e não só, a massagista é invisual, algumas fisioterapeutas têm deficiências físicas, etc…
“Para além de eles serem utentes e utilizadores, fizemos formação profissional adequada para que pudessem ser igualmente colaboradores e trabalhadores da instituição e, se possível, ao mais alto nível dentro da estrutura da instituição. Temos áreas, nomeadamente, na área da contabilidade e da gestão financeira e do economato e aquisição de produtos ao exterior que está completamente gerido por pessoas com elevado nível de deficiência, mas que são excelentes profissionais”, exemplifica, referindo que outros, fazem trabalhos menores, pois são “pessoas intelectualmente menos favorecidas”.
E esta filosofia espalha-se por toda a instituição, como explica Jaime Ramos: “Há uma lógica de integração na sociedade, em termos laborais, mas também de integração no sentido que os deficientes e doentes mentais, quando apenas utentes, partilham as áreas com os idosos, as crianças, ou com outros adultos sem este tipo de problemáticas. Um dos aspectos da nossa sede é essa lógica de integração… E fomos mais longe, pois fizemos algo que aposta no convívio inter-gerações, entre crianças e idosos, com reserva de alguma intimidade, mas partilhando os mesmos espaços comuns, bares, refeitório, piscina, etc.”.
Mas esta aposta na integração, como defende o fundador e presidente da ADFP, não se fica por aqui: “Abrimo-nos também à sociedade, porque muito deste Centro Comunitário, para além de dar resposta às necessidades internas dos nossos cerca de 280 residentes, dá respostas à sociedade, como sejam as crianças no ATL, ou as pessoas que vêm ao ginásio/healthclub, à piscina, à clínica de fisioterapia e reabilitação, à biblioteca e à Universidade Sénior”.
Sobre a porta principal do edifício-sede da Fundação ADFP é bem visível a inscrição «Investimos em Pessoas» e na página principal do sítio da Internet da Fundação (www.adfp.pt), o lema da instituição é complementado com a frase «Envie um pequeno curriculum para a ADFP», demonstrando a permanente abertura da mesma para ajudar quem mais precisa.
“Quem tiver uma deficiência, uma doença mental ou uma situação de dificuldade, nós solicitamos que o envio do currículo porque gostamos de dar respostas a essas pessoas e de as ajudar”, conta o presidente da ADFP, explicando: “Evidentemente, não podemos ajudar as pessoas todas, mas há pessoas que enfrentam muitas dificuldades e nós podemos ajudá-las… Em vez de olharmos para essas pessoas e vermos que têm, por exemplo, uma doença crónica, uma deficiência motora ou mental, podemos ver nelas, não apenas as incapacidades, mas procurar o talento ou capacidade que elas possuam. Descobrindo esse talento podemos integrar o indivíduo e utilizá-lo no seu melhor, para ele próprio e para a instituição”.
Tal como o nome da instituição indica, a lógica baseia-se na assistência, desenvolvimento e formação profissional… “É fundamental para a dignidade da pessoa sentir que tem trabalho e que é remunerado. E quando apostámos na ideia da formação profissional, e até a pusemos no nome da instituição, tinha a vertente de apostar nas pessoas com dificuldades, mas que pela formação profissional pudessem vir a ser úteis à sociedade”, sustenta Jaime Ramos, esclarecendo a outra ideia base da instituição, a do Desenvolvimento: “Nenhum país, região, terra ou comunidade pode ser conservadora e olhar para o que tem e sentir-se satisfeita, tem que ter sempre uma lógica de desenvolvimento. Se queremos que as pessoas vivam melhor amanhã do que hoje tem que se ter sempre uma lógica de desenvolvimento, ou seja, pensar em investir, pôr mais pessoas a trabalhar, distribuir melhor a riqueza para que as pessoas possam viver melhor”.
Nesse sentido, os responsáveis pela ADFP olham o futuro com empreendedorismo: “A nossa ideia é a de continuarmos a apostar nesta área do turismo, e conseguirmos crescer com a construção do hotel, e alargarmos a área da saúde, com a edificação do hospital. Seriam mais maneiras de, para além de darmos uma resposta em serviços necessários, conseguirmos respostas que fossem sustentáveis. Ou seja, havendo ou não participação do Estado, os próprios serviços prestados, com o que a população paga, consigam ser de interesse público e sustentáveis”.
Para além dos projectos do Hotel no Parque Biológico da Serra da Lousã e do Hospital, está ainda prevista a transformação de umas antigas oficinas em mais um lar de idosos.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
Data de introdução: 2011-02-09