STAFF BENDA BILILI

Para além das aparências são apenas… artistas!

Staff Benda Bilili, numa tradição livre de um dos mais de 50 dialectos que se falam na República Democrática do Congo, significa «para além das aparências» e ilustra bem o colectivo de músicos auto-didactas que se apresentam ao Mundo sob aquele nome.
Fazendo da deficiência física uma circunstância da vida, este grupo de homens decidiu que esse facto não iria ser um obstáculo à concretização do seu sonho de, através da música, se sentirem tão vivos como outra pessoa qualquer, dita, normal.

Apesar de serem 13, apenas oito dos elementos dos Staff Benda Bilili se deslocaram a Portugal no início de Outubro para um concerto na Casa da Música, no Porto, sendo que cinco deles são paraplégicos, vítimas de poliomielite quando crianças, numa altura em que a doença grassava pelo país dirigido com mão de ferro pelo ditador Mobutu Sesse Seko.
Em cadeira de rodas ou auxiliados por um par de muletas, estes músicos não se sentem de forma alguma condicionados, explodindo em palco com os ritmos afro-cubanos da sua rumba-blues carregada de sonoridades tão próprias do continente negro, largando mesmo os equipamentos que os ajudam a movimentar-se para, no chão, demonstrarem que a deficiência não é um obstáculo para se dançar e ser feliz.

“Enfrentámos alguma rejeição, pois por algumas bandas que passámos acabaram por nos dispensar por sermos deficientes”, recorda Ricky Likabu Leon, referindo-se ainda a Coco Ngambali, com quem fundou os Staff Benda Bilili há 30 anos, frisando: “A esses sempre disse que ainda iam ouvir falar de nós. Decidimos, então, formar um grupo com muitos dos músicos deficientes que havia pelas ruas de Kinshasa”.
A deficiência física, tão comum entre a população da RD Congo pela devastação da poliomielite numa altura em que não havia vacinação, acabou por ser, não uma condição de rejeição, mas um factor determinante no recrutamento de músicos.

Oriundo de um país que após a independência, viveu sob o regime de terror e miséria de Mobutu e, depois, anos de guerra civil, este grupo de músicos, cujas idades variam entre os 61 e os 20 anos, afirma-se “apolítico”, mas não deixa de tentar interferir e influenciar o quotidiano do povo congolês.
As suas músicas, como descreve Ricky Likabu Leon, apelam “à vacinação contra a poliomielite, ou ao voto nas eleições”, ou abordam ainda temas como “o amor, a violência das ruas, a corrupção, a vadiagem, ou os problemas das famílias pobres” da RD Congo.
São os próprios que designam a sua música como «rumba-blues», eles que são fiéis depositários da riquíssima tradição musical de Kinshasa, honrando as origens africanas fortemente influenciadas pelos sons cubanos, com ritmos contagiantes, vozes vintage e improvisação q.b., fomentadores de ambientes festivos e contagiantes de dança e alegria.

Auto-didactas e artesãos dos próprios instrumentos musicais, os elementos dos Staff Benda Bilili incentivam essa criatividade junto dos mais jovens, fazendo nas ruas de Kinshasa o que por aqui se apelida de «workshops» musicais. Roger Landu, o mais jovem do grupo com 20 anos, é a prova disso. Satongé é o nome que deu ao instrumento que o próprio Landu criou com uma simples lata usada, um pedaço de madeira e uma corda de metal. Variando a tensão da corda ao puxar o aro de madeira, o músico obtém uma variedade imensa de tons.
“É um dom que Deus nos deu”, afirma Ricky Likabu Leon a propósito de serem todos autodidactas. Para este músico de 61 anos, “a música é como que a respiração do Congo”.
“A música é muito importante para o país, é como o país respira…”, explica Ricky Likabu Leon para quem “a música liga toda a gente”.

DE KINSHASA PARA O MUNDO

Descobertos por um produtor belga nas ruas de Kinshasa em 2005, editaram já um álbum («Très Très Fort»), tendo na calha um novo para a Primavera de 2012, e cujo o título é «Bougé le Monde» (Mexam o Mundo).
Por outro lado, os realizadores Renaud Barret e Florent de la Tullaye filmaram o percurso da banda desde 2005 e apresentaram o filme documentário «Benda Bilili!» na Semana dos Realizadores do Festival de Cinema de Cannes, em 2010.

Em Kinshasa, o filme foi projectado em diversos pontos da cidade, em espaço aberto nas ruas para a população assistir. Um pouco à semelhança do que acontece com os concertos, habitualmente encontros informais com a população. Caso contrário são sempre concertos privados a convite de uma qualquer embaixada, na maioria dos casos.
Para os seus concertos, Ricky Likabu Leon (voz), Coco Ngambali (guitarra solo e voz), Théo Nsituvuidi (guitarra e voz), Kabamba Kabose Kasungo (voz), Djunana Tanga-Suele (voz), Paulin «Cavalier» Kiara-Maigi (baixo), Roger Landu (satongé e voz) e Montana Kinunu Ntunu (percussão) formulam sempre o mesmo desejo: “Muita gente e sempre a dançar”.

Sobre a dimensão mundial do grupo, que já esteve no Canadá, Japão e por toda a Europa, tendo uma digressão agendada para o início do próximo ano na Austrália e Nova Zelândia, Likabu é peremptório: “Estamos muito felizes por podermos levar a nossa música ao Mundo”.
Desta forma, este grupo de gente corajosa e amante da música mostra melhor o seu exemplo a um Mundo tantas vezes padrasto para quem é portador de deficiência. Afinal, para além das aparências este é, simplesmente, mais um grupo de artistas!

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2011-11-04



















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