CENTRO DE BEM-ESTAR SOCIAL DE ALCANENA

Um século de serviço à comunidade

«No dia primeiro de Janeiro de 1912, neste lugar e freguesia de Alcanena e casa de aula do sexo masculino, se reuniram, por convocação do cidadão José Alves Anastácio, os cidadãos abaixo assinados, todos habitantes desta freguesia. E pelo convocante lhe foi declarado: que tinha o ardente desejo de criar nesta localidade um estabelecimento hospitalar para protecção de socorros clínicos aos habitantes da freguesia e àqueles que nela acidentalmente se encontrem e deles careçam; que para esse efeito destinará o capital de 15 contos de réis, assim repartidos: cinco contos de réis para aplicar na construção do edifício hospitalar e material preciso para o seu funcionamento, e os 10 contos restantes para produzirem rendimento com o qual se ocorra às despesas hospitalares, não podendo em tempo algum dar-se a este nem aos juros que vencerem até à inauguração do hospital, e que lhes acrescerão, aplicação diversa da indicada (…)», pode ler-se no auto de fundação da Associação de Assistência de Alcanena.
Neste excerto do texto que perpetuou a criação da instituição que está na génese do Centro de Bem-Estar Social de Alcanena, para além da vontade nascida no seio da comunidade em criar uma resposta para uma necessidade da freguesia (ou pelo menos alguém assim o considerava) na área da saúde, encontramos ainda um enorme preocupação e zelo com a sustentabilidade da valência, numa altura em que esta ainda não era um termo que fizesse parte do dicionário de instituições de cariz social.
Dois terços do capital inicial foram intransigivelmente destinados a assegurar o funcionamento do hospital e a futura consistência financeira.
Talvez por isso, e apesar de todas as vicissitudes, a unidade hospitalar ainda hoje exista e esteja na origem de uma vasta obra social que ao longo de 100 anos foi servindo a população de Alcanena. Do edifício original (1915) do hospital hoje restam apenas as paredes exteriores, mas depois de todas as dúvidas e reticências levantadas à construção de um equipamento daqueles numa simples freguesia do concelho de Torres Novas, a intenção foi concretizada, muito à custa das fortunas locais (a indústria dos curtumes florescia) e da influência política de algumas personalidades alcanenenses nos «Passos Perdidos», em Lisboa.
A primeira prova de fogo da unidade hospitalar veio cedo e acabou por dar razão aos autores da ideia, quando em 1918 a epidemia da gripe pneumónica flagelou Portugal e o Mundo.

ALBERGUE E SOPA DOS POBRES

Quase duas décadas depois da fundação do Centro de Assistência de Alcanena, surge na localidade vizinha de Vila Moreira, o Albergue Alves Ferreira, o primeiro local no já concelho de Alcanena a receber e cuidar idosos. Mais tarde funcionaria também como creche.
Mas para se perceber bem o que é o Centro de Bem-Estar Social de Alcanena (CBESA) falta conhecer uma outra instituição. Igualmente na sede de concelho nasce, 40 anos depois do Hospital, o Centro de Assistência Social, conhecido pela «Sopa dos Pobres», e que a partir de 1952 presta auxílio aos mais carenciados fornecendo-lhes alimentação.
“Por volta de 1960 fazia-se fila à porta do Centro para receber pão, que era feito com farinha fina vinda dos Estados Unidos, e onde muita gente ia também buscar roupa”, recorda Eduardo Camacho, presidente do CBESA, na altura com 10 anos de idade.
Perceber o CBESA passa muito pela intervenção social destas três instituições, que vão desenvolvendo acções autónomas e distintas, mas com o serviço à comunidade a uni-las.
“Estas são três associações que vão desenvolvendo as suas actividades no concelho de Alcanena, instituições que atravessaram a época da guerra colonial, com todas grandes dificuldades que existiam, aumentadas porque o Estado não tinha uma política de apoio social”.
Cientes das necessidades crescentes na comunidade, até porque as fábricas requeriam muita mão-de-obra e era necessário um local para os filhos dos operários ficarem, em 1963 surge o Jardim de Infância de Alcanena.
Meio século depois da criação da primeira resposta social, na área da saúde, no concelho de Alcanena já existia apoio à infância, aos idosos e aos mais carenciados.

FUSÃO SALVA INSTITUIÇÕES

Porém, a conjuntura económica portuguesa não era a mais favorável. Portugal encontrava-se a travar uma guerra em África com várias frentes e as dificuldades sentidas pelas diversas instituições, que iam assegurando o apoio social no concelho, levaram os respectivos responsáveis a equacionar a fusão de todas elas.
“E, em 1972, dá-se uma das coisas que considero mais marcantes na história deste concelho que é a união das três instituições numa só”, sublinha Eduardo Camacho, explicando: “Uma tinha a responsabilidade da gestão do hospital, outra a responsabilidade social no concelho e a outra geria o Albergue, que, ainda por cima, era de uma freguesia que mantinha uma grande rivalidade com a de Alcanena… Mas as Direcções destas instituições tiveram a clarividência de se juntar, pondo os bairrismos de lado, numa única instituição, fundando o Centro de Bem-Estar Social de Alcanena”.
A história do CBESA está repleta da essência que dá vida ao que hoje se denomina por Instituição Particular de Solidariedade Social, como a sua emergência da sociedade civil, a preocupação com os mais desfavorecidos e carenciados, a ponderação económica na gestão dos equipamentos e valências, a optimização de recursos e a permanente atenção às necessidades da comunidade.
É nesse sentido que em 1983 é inaugurado o Lar de Idosos Dr. Joaquim Guilherme Ramos e, três anos volvidos, a Creche e Jardim de Infância, ambos no centro de Alcanena, sendo que para este último foram transferidas as crianças do Jardim de Infância da Casa da Moita e da creche que estavam no Albergue, em Vila Moreira.
Actualmente, a instituição alcanenense na Creche e Jardim de Infância cuida diariamente de 112 crianças (creche e pré-escolar), no Lar de Idosos acolhe 68 utentes, no Centro de Dia recebe nove seniores e no Serviço de Apoio Domiciliário auxilia 40 idosos, com uma equipa de 128 funcionários, e que a Direcção prevê aumentar com mais oito, após as obras no Lar. O hospital, que funciona maioritariamente como uma unidade de convalescença, há 26 camas, permanentemente ocupadas.

AUMENTAR A OFERTA

Apesar de todas as respostas sociais que já dá e da respeitável idade de 100 anos, no CBESA não se deixa de pensar no futuro e como se pode melhorar a oferta da instituição.
São vários os projectos que a Direcção pretende implementar, estando já em marcha alguns, como a renovação do mobiliário do Lar e a ampliação deste com o intuito de criar mais vagas.
Não tendo condições para aproveitar as medidas do PES que permitem acolher mais idosos por quarto, a instituição decidiu avançar para a remodelação e ampliação do edifício, com o objectivo de criar mais 20 camas.
“A nossa intenção era ampliar a Residência. Segundo as normas da altura, o Lar não podia ter mais do que 60 utentes, pelo que tínhamos que construir um outro equipamento, para o qual ainda elaborámos um projecto e que seria para mais 40 camas. Entretanto, mudou o Governo, chegou a crise, foi assinado o Protocolo de Cooperação 2011-2012 e saiu a Portaria Nº 67, ao abrigo da qual elaborámos este projecto que já entregámos em esboço na Segurança Social”, revela o presidente do CBESA, explicando que tipo de intervenção está a decorrer no edifício: “A alteração que vamos fazer é transferir do rés-do-chão para o 1º andar os serviços administrativos e vamos nesse espaço fazer mais cinco quartos. Estamos ainda a fazer uma ampliação para trás do edifício de mais seis quartos. Portanto, vamos passar de 60 camas no espaço comum para 80”.
Para além disto, ao que não é alheia a lista de espera de 70 pessoas, decorre outra alteração no Lar: “Estamos ainda a substituir todo o equipamento dos quartos com um subsídio extraordinário que recebemos do Estado. Temos uma candidatura ao PRODER, no valor de cento e poucos mil euros, para equipamentos de cozinha, material técnico, uma viatura para o Serviço de Apoio Domiciliário, mas neste momento estamos em condições financeiras para fazer esta ampliação com fundos próprios”.

DOAÇÕES DECISIVAS

O que terá sempre contribuído decisivamente para a longevidade das instituições que deram origem à que hoje existe foi a boa saúde financeira das mesmas. É que se a fundação do Centro de Assistência de Alcanena contou com o apoio financeiro das grandes fortunas dos seus fundadores, a verdade é que as doações dos alcanenenses ao longo da história são muitas e, muitas delas, de somas bastante elevadas.
“Hoje não se mantêm as doações dos primeiros anos, de facto bastante significativas, mas todos os anos temos pessoas amigas que, ao abrigo da Lei do Mecenato, têm também dado contribuições significativas”, confessa Eduardo Camacho.
Às intervenções físicas no Lar de Idosos, a instituição está a lançar ainda mais algumas acções, como o Serviço de Apoio Domiciliário de sete dias, com apoio de enfermagem e tele-assistência, onde o CBESA procura obter algumas mais-valias.
“Dentro do projecto de Jardim de Infância começámos com actividades como a música e o contacto com o meio aquático, no ano passado, e estamos agora a avançar para o Inglês”, refere o presidente, anunciando ainda que a instituição é uma das escolhidas para acolher uma Cantina Social. Munida de boas instalações de cozinha, onde já são confeccionadas diariamente cerca de 600 refeições, a instituição abraça mais uma valência.
Algumas destas refeições são fornecidas a uma IPSS vizinha, que não dispõe de cozinha, e que o CBESA auxilia.
“O que consideramos é que com esta paranóia político-partidária de fazer IPSS, em Alcanena há agora nove instituições. O que penso é que provavelmente há instituições a mais, porque o que se verifica é que há duplicação de respostas, mas isso não impede que dêmos apoio a outras instituições como fazemos”, sustenta Eduardo Camacho.
A longa história da instituição e das que lhe deram origem tem também momentos difíceis e muito complicados. Para além das dificuldades criadas pela Guerra Colonial, com o 25 de Abril e a nacionalização do Hospital a instituição foi amputada de um dos seus eixos de acção. Também em alguns momentos as dificuldades financeiras levantaram obstáculos, que os alcanenenses souberam ultrapassar, especialmente, com a fusão das três instituições no CBESA. Actualmente, a instituição está equilibrada financeiramente, mas o alargamento de resposta no Lar de Idosos levanta desde já uma questão: Sem novos acordos de cooperação como será a ocupação dessas novas vagas sem colocar em causa a sustentabilidade da instituição?
“O que vai acontecer é que, ao darmos mais respostas sociais, eventualmente não vamos dar mais respostas a quem mais carece delas, porque temos que ter equilíbrio financeiro. Isso vai obrigar-nos a fazer alguma selecção dos candidatos, o que não é muito agradável em termos sociais, mas tem que ser feito em termos de razão. Neste momento, a instituição está equilibrada económico-financeiramente e não podemos desequilibrar as contas”, adverte o presidente do CBESA, que vê no horizonte uma outra dificuldade: “A nossa Creche e Jardim de Infância poderá levantar-nos um problema dentro em breve, porque cada vez há menos miúdos. Este ano vão sair 25 miúdos e não sei se teremos outros 25 para entrar… Nada nos garante que não tenhamos menos crianças e se isso acontecer será necessário rever as prestações das famílias, e, para agravar a situação, mesmo ao lado do nosso Jardim de Infância está agora um oficial”.
Se Eduardo Camacho tem dificuldade em imaginar como seria Alcanena sem o Centro de Bem-Estar Social, o secretário da Direcção José Frazão é peremptório: “As pessoas morreriam mais cedo”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2012-07-23



















editorial

VIVÊNCIAS DA SEXUALIDADE, AFETOS E RELAÇÕES DE INTIMIDADE (O caso das pessoas com deficiência apoiadas pelas IPSS)

Como todas as outras, a pessoa com deficiência deve poder aceder, querendo, a uma expressão e vivência da sexualidade que contribua para a sua saúde física e psicológica e para o seu sentido de realização pessoal. A CNIS...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Que as IPSS celebrem a sério o Natal
Já as avenidas e ruas das nossas cidades, vilas e aldeias se adornaram com lâmpadas de várias cores que desenham figuras alusivas à época natalícia, tornando as...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Adolf Ratzka, a poliomielite e a vida independente
Os mais novos não conhecerão, e por isso não temerão, a poliomelite, mas os da minha geração conhecem-na. Tivemos vizinhos, conhecidos e amigos que viveram toda a...