Corria o «Verão Quente» de 1975 quando o padre Ricardo Gameiro chegou à paróquia da Cova da Piedade e por inerência à presidência do Centro Paroquial e Bem-estar Social local, que, em 2005, ganharia a sua graça, uma obra lançada pelo padre Sobral, em 1973, com respostas sociais no Equipamento do Bairro.
Hoje, o Centro Social Paroquial Padre Ricardo Gameiro, na Cova da Piedade (Almada), é a segunda maior IPSS nacional e a única com certificação de qualidade em todas as valências… e são 23 as respostas sociais que a instituição dá. Se em 2009, a certificação pela Norma ISO 9001:2008 foi de nível C, no final do ano passado a instituição recebeu o certificado de nível A, ou seja, de excelência.
Mas não foi fácil a tarefa do padre Ricardo Gameiro, como recorda o actual presidente da instituição da Cova da Piedade, o padre José Gil Pinheiro, que assumiu o cargo em Agosto de 2012, após o falecimento do antecessor, em Dezembro de 2011.
“O padre Ricardo Gameiro é que fez desta obra o que ela é”, começa por afirmar, contando: “O padre Sobral foi quem lançou a instituição, mas foi o padre Gameiro que a liderou desde 1975 até 2011. Ele era prior na Baixa da Banheira e, como entretanto o padre Sobral foi para o Barreiro, em 1975 o padre Ricardo Gameiro chega à Cova da Piedade. Recorde-se que era uma altura muito complicada para a Igreja, pois estava-se no «Verão Quente» e esta era, e ainda hoje é, uma zona muito politizada, e que nesse tempo tinha um sentimento anti-clerical muito forte. No entanto, ele soube impor-se pelo seu testemunho cristão, na defesa dos mais pobres e nas respostas sociais… O padre Ricardo Gameiro soube como ninguém testemunhar o Evangelho através da caridade, num contexto muito adverso”.
Colocando o enfoque na filosofia cristã que guiou desde sempre os mentores da obra social, o padre José Gil Pinheiro sublinha: “Foi assim que conseguiu criar a comunidade da Cova da Piedade que, hoje, é uma comunidade bastante forte, com leigos e fiéis muito implicados na comunidade. Estas instituições, apesar de serem concretizadas por homens, é Deus que as deseja e que age, pelo que isto é sobretudo obra de Deus e é importante termos presente que um padre não faz uma comunidade e não faz uma instituição. Aqui há uma equipa grande de pessoas que também serviram a Igreja com a sua vida e o Centro Paroquial tem uma grande equipa que fez da instituição o que ela é hoje, este modelo de qualidade e de excelência no serviço aos mais desfavorecidos. Assim, eu venho integrar algo que já tem uma vida própria”.
SETE EQUIPAMENTOS
Actualmente, o Centro Paroquial da Cova da Piedade, como também é conhecido, tem sete equipamentos, dedicados à Infância e Terceira Idade, sem esquecer o apoio familiar, pois trata-se de uma zona com alguns problemas de pobreza.
Na Residência Nossa Senhora da Esperança, onde funciona igualmente a sede da instituição, são quatro as respostas sociais: Estrutura Residencial para Idosos, com 75 utentes, Centro de Dia, com 50, Centro de Convívio, com outros tantos, e ainda o Serviço de Apoio Domiciliário, que presta auxílio a 70 idosos.
No Equipamento do Bairro, a partir do qual nasceu a instituição, a resposta é para a infância: A Nossa Creche/O Berço, com 72 bebés, Pré-escolar (seis salas), com 150 crianças, e o ATL (1º e 2º ciclos), com 170 petizes.
No Centro Comunitário Regaço Materno, no Laranjeiro, a instituição oferece três respostas: Creche, com 36 bebés, Pré-escolar, com 50 crianças, e ainda ATL (1º e 2º ciclos), com 50 petizes.
No Centro Comunitário Renascer, a IPSS dá cinco respostas sociais: Creche, com 36 bebés, Pré-escolar, com 50 crianças, Espaço Lúdico-pedagógico (1º Ciclo), com 50 crianças, Centro de Dia, com 20 idosos, e Serviço de Apoio Domiciliário, com 15 utentes.
No Jardim Infantil da Romeira, um equipamento estatal, mas em que há um acordo de gestão há já 10 anos, a instituição dá resposta à infância e terceira idade: Creche (três salas), com 40 bebés, Pré-escolar (três salas), com 75 crianças, e ainda Serviço de Apoio Domiciliário, com meia centena de utentes.
O equipamento mais recente, inaugurado em 2012, é o da Ramalha, muito próximo da sede da instituição, e que, para além de um jardim-de-infância (creche, com 45 bebés, e pré-escolar, com 50 crianças), alberga ainda o Centro de Documentação das Instituições Religiosas e da Família, que, dentre um vasto espólio, tem no Livro «Receitas e Despesas da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade e da Vitória», que data do século XVIII, o seu documento mais antigo. Instalado no recuperado edifício da Quinta de São João da Ramalha (datado de 1872), a secular capela, onde ainda hoje é celebrada missa, é um dos grandes atractivos do equipamento.
Para além destas respostas, o Centro Social Paroquial Padre Ricardo Gameiro alberga ainda um GIP – Gabinete de Inserção Profissional, em parceria com o IEFP, uma Loja Solidária e uma Cantina Social, no âmbito do Programa de Emergência Alimentar, fazendo ainda distribuição de alimentos provenientes do Banco Alimentar e do PCAC.
DIVERSIFICAR RECEITAS
Com uma dimensão tão grande – conta com um corpo de 268 funcionários, para além dos 30 professores que dão apoio nas AEC das escolas da freguesia –, manter a instituição saudável financeiramente não é tarefa fácil, mas a diversificação das fontes de rendimento sempre foi um dos segredos.
“Sentimos que os nossos utentes e as famílias estão a passar dificuldades muito graves, mas esta instituição sempre cresceu não suportada apenas na Segurança Social, mas numa série de pessoas que sempre ajudaram a instituição, para que ela pudesse ser sustentável e também em muitos mecenas e parceiros institucionais que sempre se juntaram a este projecto”, explica o padre José Gil Pinheiro, acrescentando: “Para além da contribuição das famílias e da Segurança Social, temos uma série de pessoas, uma Liga de Amigos, que sempre sustentou a instituição, e uma série de parceiros institucionais que nos ajudam nos projectos e nos permitem ter esta qualidade… E, claro, ter outros horizontes que não seja apenas dar pão para a boca, a roupa necessária, ou acolher uma criança, mas toda a dimensão cultural que conseguimos dar às pessoas. E isto só é possível porque temos este enorme grupo de instituições e pessoas que contribuem para a instituição”.
Apesar disto, o presidente da instituição revela que “todos os dias há pais a pedirem para rever as contribuições e é muito complicado para a instituição, porque ela também depende dessas comparticipações”, sendo que há outras situações mais complicadas: “Há idosos que já não pagam no lar, que têm dívidas enormes, mas não os vamos pôr na rua… É um problema complicado, porque os familiares esquecem-se das responsabilidades que têm para com a instituição, que está a acolher e a tratar do seu familiar”.
Mesmo assim, para o líder da instituição, o problema mais grave são as baixas comparticipações estatais: “Os limites da comparticipação da Segurança Social é a maior dificuldade que enfrentamos, pois em várias respostas já estamos por conta própria. Já temos salas de pré-escolar sem Acordo de Cooperação, temos uma série de outras respostas em que não estamos a ser comparticipados. Depois, há a diminuição da comparticipação dos pais… Uma questão que tornou bastante complicada a vida das creches e dos pré-escolares são os equipamentos que se foram construindo de raiz, a duplicar a oferta que já tinha sido financiada pelo Estado nas IPSS, e que vieram criar uma oferta paralela que não só põem em causa a procura das IPSS, como também apresentam preços mais baixos, pois são gratuitos. E, depois, ainda cortam nos Acordos de Cooperação, como aconteceu com o pré-escolar”.
PROJECTOS NA MANGA
Apesar da vasta resposta que a instituição já oferece, os seus responsáveis não param de sonhar e de querer mais.
Como refere Ana Luísa Caixas, director de serviços e há 25 anos na instituição, “o padre Ricardo era um sonhador e gosto muito de o comparar com Fernando Pessoa, que disse «o Homem sonha, Deus quer e a Obra nasce»”, pelo que os seus seguidores pretendem manter esse legado vivo.
“E ele era assim mesmo, um sonhador e no dia seguinte queria pôr o sonho em prática. Então, foi sempre criando respostas para as necessidades que iam surgindo no dia-a-dia, fossem das crianças, dos idosos ou das famílias. E foi assim que durante 37 anos comandou a instituição”, recorda Ana Luísa Caixas.
Por isso, e apesar de estar há menos de um ano à frente da instituição, o padre José Gil Pinheiro tem já alguns projectos que quer, dentro em breve, pôr em prática.
“Temos um espaço em que, eventualmente, poderíamos criar uma resposta para a as famílias, criar um CAFAP – Centro de Apoio Familiar Aconselhamento Parental, que é onde se trabalha com as famílias cujas crianças são retiradas pelo tribunal. No fundo, era um espaço de promoção humana e de integração daquelas famílias, em termos de trabalhar as relações e criar competências profissionais e parentais. E é algo que faz muita falta, porque não há centros destes no distrito para acompanhamento das famílias”, começa por revelar o presidente da instituição, continuando: “Por outro lado, pensamos que podemos no mesmo espaço, e em alternativa, criar um centro de acolhimento de jovens. Temos respostas dos zero aos 12 anos e, uma vez que já temos este «know-how», pensamos poder criar um novo espaço dos 12 aos 21 anos”.
No entanto, há obstáculos a ultrapassar: “Como são respostas a nível nacional e regional estão directamente ligadas às necessidades da Segurança Social e dependente, obviamente, dos apoios que houver”.
Para além desta intenção, há o firme propósito de aumentar a capacidade do lar de idosos, sendo que já há um espaço e um mecenas para que o mesmo seja uma realidade.
“Outra grande necessidade, e já temos em vista um prédio aqui colado à instituição, é o aumento da capacidade do Lar, porque temos uma lista de espera imensa”, refere o padre José Gil Pinheiro, ao que a directora de serviços acrescenta: “O aumento do Lar será num espaço integrado no antigo Bairro do Banco do Fomento, aqui ao lado, e cujo mecenas é o senhor Hélder Madeira”.
Neste sentido, o padre José Gil Pinheiro destaca a importância da certificação de qualidade para a angariação de amigos para a instituição: “A certificação de qualidade é uma aposta também no sentido de angariarmos mais mecenas… Em Dezembro fomos eleitos a Empresa do Mês do universo Galp, pelo que somos uma instituição que traz prestígio e qualidade. A certificação, no fundo, é comunicação da qualidade que já temos”.
E se não existisse o Centro Social Paroquial Padre Ricardo Gameiro como seria a Cova da Piedade? A resposta sai pronta aos dois responsáveis pela instituição.
“Seria, com certeza, muito mais pobre… Não tenho dúvida que esta instituição cria uma rede de cuidados e uma escola, um modelo de estar, de servir, de denúncia de injustiças sociais… Não é só dar pão, mas também alertar para situações que estão mal estruturadas e que vão gerar pobreza. Não é apenas dar resposta, mas ir à raiz dos problemas e reclamar por justiça social”, defende o presidente, ao que Ana Luísa Caixas acrescenta: “Seria uma zona muito pobre, muito envelhecida e de grande solidão”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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