Fica no Nordeste do distrito da Guarda, dista menos de 10 quilómetros da sede de concelho, Figueira de Castelo Rodrigo, e fica em pleno Parque Natural do Douro Internacional, com Espanha ali mesmo ao lado. A curta viagem entre Figueira, como por lá se diz, e a aldeia de Escalhão, freguesia que até início do século XIX foi vila e sede de concelho, faz-se por um cenário austero, onde da terra apenas parece brotar rocha… e mais rocha!
Porém, o pão, o vinho e o azeite são os produtos que orgulham todos os que ali moram e deliciam os que por lá passam e os provam.
Segundo o último Censos, Escalhão não atinge os 800 habitantes, mas nem assim a assistência aos que mais precisam é descurada.
A Casa da Freguesia de Escalhão, instituição modelo na região, não só acolhe e apoia idosos, que são cada vez mais numa região muito desertificada, mas igualmente crianças, para além de que é, no concelho, o segundo maior empregador, com 32 funcionários, logo a seguir à Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo.
«Nascemos duma pequenina semente esquecida pelo tempo... em gestação... Alguém a plantou no ventre da Amizade e da Solidariedade... e floriu! Hoje é árvore frondosa e tem um nome – Casa da Freguesia de Escalhão. À sua sombra albergam-se os frutos nascidos da cooperação, da boa vontade, da entreajuda e da entrega de muitos, geradores do bem-estar a que toda a gente tem direito: Creche, Jardim de Infância, ATL, Ludoteca, Lar de Idosos, Centro de Dia e Apoio Domiciliário. Esta é a tua e a nossa Casa». Ao acedermos ao sítio na Internet da instituição raiana, esta é a mensagem que nos recebe e que dá logo conta do propósito e do que está por detrás da sua fundação.
Na génese do que hoje é uma instituição que apoia mais de 120 pessoas, entre crianças e idosos, está Francisco Távora, que empresta o nome ao novo Lar de idosos e ao Museu de Artes e Ofícios, da Casa da Freguesia de Escalhão.
“A história da instituição começou em 1974, com uma ex-Casa do Povo, que o foi até 1992, onde inclusive eu ainda trabalhei”, começa por contar Maria Alice Pacheco, presidente da Direcção, prosseguindo: “Depois estas foram extintas e, ao contrário das outras Casas do Povo, esta manteve-se. Tudo o que era da Casa do Povo ficou, mais a vertente social, que neste momento tem a creche, jardim-de-infância, ATL, Ludoteca, Lar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário”.
É, então, em 1992 que a instituição assume a designação de Casa da Freguesia de Escalhão. A sua actividade arrancou com um lar de idosos, “que nasceu numa casa que foi doada, mas depois isto é como uma bola de neve, que cresce, cresce, cresce e agora temos um lar construído de raiz e onde já estamos há sete anos”.
Foi em 2007 que o novo edifício, com excelentes condições, se abriu aos utentes. Foi encerrado o lar antigo e transferidos os utentes para o novo equipamento.
Actualmente, a Casa da Freguesia de Escalhão acolhe em Lar 46 utentes, seis deles fora dos acordos de cooperação com a Segurança Social, assiste 12 utentes através do Serviço de Apoio Domiciliário e outros tantos frequentam o Centro de Dia.
Face às condições climatéricas da região, com Invernos muito rigorosos, a frequência das diversas valências, à excepção do Lar, é variável, como disse, ao SOLIDARIEDADE, Ana Isabel Lima, directora-técnica do Lar Francisco Távora.
“O Apoio Domiciliário varia de mês para mês e no Verão até somos capazes de ter mais utentes, porque alguns vêm de férias. Temos, por exemplo, um senhor que vem do Brasil e que recorre aos nossos serviços”, revela, constatando que em sentido inverso: “O Centro de Dia, ao contrário do Apoio Domiciliário, tem mais utentes no Inverno do que de Verão, por causa do frio”.
Para esta técnica, que é assistente social de formação, o grande problema da região prende-se com a emigração e a falta de rectaguarda familiar que muitos idosos vivem.
“O grande problema da nossa região é mesmo a falta de familiares, de apoio familiar, e é por isso que estas pessoas recorrem mais à valência de lar do que às outras. A maior parte tem os filhos fora e o Inverno aqui é muito complicado, é muito longo e muito frio, pelo que recorrem mais ao Lar, pois sentem que têm mais apoio”, explica, adiantando que a lista de espera para a resposta lar é composta por cerca de 500 pessoas.
“Temos uma lista de espera de Lar muito grande. Este lar foi aberto com mais quartos e camas, mas os idosos do lar velho vieram para cá. Alguns dos que estavam na lista de espera já entraram, outros estão noutras valências, mas inscrevem-se na mesma, porque querem salvaguardar vaga. Por exemplo, alguns estão no Lar de Figueira, mas são aqui de Escalhão, pelo que se tivessem uma vaga viriam para aqui para a sua terra”.
Mas não é apenas o apelo da terra Natal que se faz sentir… “A lista de espera não é composta apenas por pessoas do concelho, temos inscrições de todo o País. Ultimamente até tivemos mais inscrições, por exemplo, de Coimbra e do Porto, do que propriamente aqui da zona. E se algumas destas pessoas até têm raízes na região, outras não. Muitas destas passam em turismo, conhecem a instituição e gostam… E temos algumas inscrições de pessoas com pouco mais de 40 anos, que o fazem para salvaguardar uma vaga no futuro”, sustenta Ana Isabel Lima.
DINAMIZADOR CULTURAL
Apesar de situada num local remoto e isolado do Interior, por Escalhão passam muitos turistas, que ali, para além da imponente e emblemática Igreja Matriz, podem visitar o Museu de Artes e Ofícios Francisco Távora.
Através dos utensílios utilizados nas principais actividades agrícolas da região, que se baseava na produção de pão, vinho e azeite, o Museu da instituição é uma espécie de fotografia histórica dos tempos em que a actividade agrícola prendia as pessoas à sua terra.
O percurso expositivo apresenta os objectos contextualizados nas diferentes cenas da vida quotidiana das gentes de Escalhão e, ao mesmo tempo, integrados nas diferentes estruturas arquitectónicas, como o lagar de vinho e a cozinha.
O visitante pode seguir dois percursos: um correspondente à Cozinha e a todas as actividades associadas a esse espaço doméstico; e um outro que integra todas as actividades da vida rural da freguesia de Escalhão, como a cultura do azeite e do vinho, a lavoura, a eira, as oficinas do ferreiro, do carpinteiro e do sapateiro, a festa e o lazer, a religião e o traje.
Ainda nesta vertente cultural, e porque ser do Interior profundo não exclui, ou não devia excluir, ninguém da Cultura, a instituição alberga uma biblioteca, com milhares de títulos, na esmagadora maioria oferecidos, e ainda uma ludoteca.
CONTAS EQUILIBRADAS
Relativamente à situação financeira da Casa da Freguesia de Escalhão, a sua presidente é taxativa: “Nunca houve sobras e nunca houve faltas, tentamos equilibrar as coisas. Todos os cêntimos que entram têm que ser justificados e os que saem também. É uma dificuldade muito grande, mas tem que haver equilíbrio, afinal como tudo na vida”.
Assim, a instituição conta por receitas as comparticipações da Segurança Social e as dos utentes, “e não é de todos, porque a Segurança Social tem muito por quem dividir o bolo, pelo que não estão todos abrangidos pelos acordos de cooperação”, sublinha Maria Alice Pacheco, lamentando: “Depois, os utentes têm magras reformas, pelo que algumas mensalidades são diminutas, mas o que podemos nós pedir a quem não tem? E da mensalidade tem que se comprar os medicamentos, as fraldas, etc”.
Mas, a este propósito, ainda há razões para sorrir em Escalhão, com algo cada vez mais em desuso, mas que por aqueles lados ainda vai existindo, que são as doações, tal como o edifício onde tudo começou e hoje funciona a sede: “Felizmente essas doações foram a alavanca para muito do que é hoje a Casa da Freguesia… Ainda hoje temos alguns donativos importantes… Acho que toda a gente reconhece o valor da instituição e a sua inserção na comunidade, pelo que vamos recebendo alguns donativos. Quer a esse nível, quer em géneros, as pessoas na altura das batatas, levam batatas para o Lar… É uma casa que consome tudo e em grande quantidade… Ainda temos pessoas generosas”.
E como seria Escalhão sem a Casa da Freguesia? A resposta sai pronta da boca da presidente: “Seria como todas as aldeias que há por aí, com os idosos a irem para outros lares e a ficarem mais desertificadas… Temos muitos idosos, mas temos a preocupação de que ainda temos escola primária e muitos dos funcionários têm os filhos na creche ou no jardim-de-infância… E isso ainda vai sendo a alma da freguesia e acaba por ser o combate que fazemos à desertificação e ao isolamento”.
E neste momento, em termos de infância, a instituição acolhe 12 petizes em creche, mais 26 em pré-escolar e duas dezenas em ATL, o que de alguma forma vai garantindo um certo futuro. Assim haja o que os prenda à terra!
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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