Quase 40% dos participantes num inquérito da Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome confessaram ter passado um dia sem comer por falta de dinheiro e mais de metade disseram que o rendimento familiar "nunca é suficiente para viver". A Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome e a ENTRAJUDA retomaram em 2012 o estudo iniciado em 2010, em parceria com a Universidade Católica, com o objectivo de conhecer melhor a situação das pessoas apoiadas pelas instituições de solidariedade social.
Entre Setembro de 2012 e Janeiro de 2013 foram enviados inquéritos para 3.880 pessoas carenciadas, através das 388 instituições que as apoiam, tendo sido validados 2.209 inquéritos. Cerca de 60% dos inquiridos disseram que o rendimento da família nunca é suficiente para viver, 29% afirmaram que às vezes é suficiente. Apenas 12% referiram que o rendimento familiar é sempre suficiente para viver. Cerca de 26% disseram ter falta de alimentos ou ter sentido fome alguns dias por semana nos seis meses que antecederam o inquérito, mais 10 % do que em 2010, e 14% referiram que lhes aconteceu isso, pelo menos, um dia por semana, mais 3% face a 2010.
Segundo o estudo, a maioria dos indivíduos que disseram receber ajuda alimentar foram os que mais referiram ter sentido fome ou falta de alimentos nos seis meses prévios à inquirição.
O inquérito constatou uma tendência para o aumento das carências alimentares: em 2013, 39% contaram que tinham passado um dia inteiro sem comer por falta de dinheiro, enquanto em 2010 foram 27% os que referiram estar um dia inteiro sem comer muitas vezes ou "uma vez ou outra".
Em 2013, apenas 23% disseram ter dinheiro para comprar comida até ao final do mês, mais 26% comparativamente a 2010. "O que se constata é que há um deteriorar muito grande da situação, porque há mais famílias que não têm todo o rendimento que necessitariam" para viver, disse à agência Lusa a presidente da federação. Isabel Jonet adiantou que "muitos dos inquiridos têm bastante menos do que o rendimento mínimo e 40% dos utentes das instituições de solidariedade social são idosos". "Um dos aspectos a ressaltar é o facto de haver famílias (mais 10% do que em 2010) que tiveram fome nos últimos dois meses", frisou, comentando: "É nas necessidades mais básicas que se registam um deteriorar muito grave da situação".
Em cerca de 52% dos agregados familiares o valor total auferido por mês é inferior ao salário mínimo nacional: 23% auferem menos de 250 euros, 29% entre 351 e 400 euros e 26% mais de 500 euros. "Os agregados familiares com menores rendimentos correspondem a respondentes mais velhos, com menos escolaridade e com agregados familiares mais pequenos", uma caracterização semelhante à verificada em 2010. Em 32% dos casos o rendimento provém do trabalho, o que não invalida a existência de outros apoios sociais, e em 40% resulta de reformas/pensões.
A casa (69%), a alimentação (66%) e a saúde (39%) são as três maiores despesas das famílias, situação idêntica a 2010. Mais de metade dos respondentes (53%) gasta, por mês, com a casa, até 250 euros, enquanto cerca de um quarto gasta entre 251 euros e 400 euros. Cerca de 24% dos respondentes referiram ter pelo menos um empréstimo.
Isabel Jonet sublinhou que as instituições de solidariedade social "têm sido a almofada de segurança da sociedade portuguesa". "Sem as instituições de solidariedade social, que todos os dias no terreno, com muito afeto e muito calor humano, procuram dar a atenção que essas famílias necessitam, a situação era muito mais gravosa", salientou.
Este inquérito dos Bancos Alimentares Contra a Fome revela ainda que mais de metade das pessoas que procuram apoio nas instituições de solidariedade social fazem-no há menos de dois anos e a maioria dos utentes procura ajuda alimentar. Cerca de 59% dos inquiridos dizem que pedem apoio há menos de dois anos, "o que vem demonstrar que muitos dos utentes destas instituições são relativamente recentes, denotando, possivelmente, novas situações de carências", refere o inquérito.
É PRECISO ACABAR COM A AUSTERIDADE
O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social afirmou que "é muito importante" que se pare de insistir na austeridade para evitar o agravamento das situações de pobreza. O padre Lino Maia comentava um inquérito divulgado pela Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, segundo o qual 39% dos participantes disse ter passado um dia sem comer por falta de dinheiro e mais de metade referiu que o rendimento familiar "nunca é suficiente para viver". "Os dados infelizmente não surpreendem", disse o presidente da CNIS, explicando que o universo deste estudo não são só as instituições particulares de solidariedade social.
Segundo o padre Lino Maia, são também grupos sócio-caritativos que vão apoiando as pessoas na comunidade, como os vicentinos ou a Cáritas, e que têm registado um aumento de pedidos de apoio "constante e muito significativo".
Nas IPSS, que têm acordos de cooperação, também há acréscimo do número de pedidos, "mas sobretudo há um aumento de famílias a solicitar compreensão por parte das instituições" por não conseguirem honrar os seus compromissos, adiantou. "Com o desemprego e o aumento das dificuldades há muitas famílias que não conseguem comparticipar nas despesas das instituições", explicou Lino Maia.
As IPSS vão compreendendo, mas também estão "a lutar com imensas dificuldades porque vivem permanentemente no fio da navalha", comentou.
Esta situação deve-se ao facto das comparticipações dos utentes terem diminuído na ordem dos 30 por cento, ao mesmo tempo que não há um aumento da comparticipação do Estado, justificou. E as perspetivas, sublinhou, "não são de modo nenhum animadoras", lamentou. Para Lino Maia, "é muito importante que se pare a insistência na austeridade e haja uma aposta na promoção da actividade económica e na promoção de serviços de proximidade", o que ajudaria à criação de emprego e à resolução de algumas situações de pobreza. "Parece que há uma obsessão pela austeridade e isto leva a que a situação se agrave", alertou, reiterando: "Não pode haver futuro para este país sem aliarmos uma aposta na actividade económica à sobriedade. É importante que se comece um ciclo novo".
Perto de dois milhões de pessoas vivem em Portugal em situação de pobreza, das quais cerca de 160.000 não tinham, em 2012, capacidade financeira para uma refeição de carne ou peixe, pelo menos, de dois em dois dias.
Data de introdução: 2013-06-03