EDITORIAL

Violências sobre os idosos

1. Os profissionais e os militantes da área do direito, da assistência social e da saúde têm conhecimento de maus tratos, de agressões e de outras formas de violência contra os idosos, que muitas vezes são vistas como formas de um agir “normal” e “natural”, ficando as “dores” ocultas por entre as lágrimas dos usos, costumes e relações inter-pessoais.
Sendo esse problema sério é também quase desconhecido – ou que se tem preferido desconhecer. Oportuno e importante foi, portanto, um relatório recente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) referido no Solidariedade de Maio. Aí se refere que mais de 11.300 idosos, a grande maioria mulheres, foram vítimas de violência doméstica nos últimos 12 meses, um número que tem vindo a aumentar todos os anos. Os agressores são maioritariamente homens (68%) e em 39% das situações de violência doméstica os agressores eram os próprios filhos.
Aquele relatório no meio de uma outra manifestação de violência, não menos preocupante, e que vem ganhando palco, forma e dimensão: são responsáveis políticos a considerá-los “peste grisalha” e é o próprio Estado a admitir espoliá-los de parte das suas parcas reformas, tirando assim a vez a uma geração que perde voz e a condená-la a um “cisma grisalho”. Idosos que pugnaram com fundadas expectativas e a quem foram dadas garantias e que, em tempos que teimam em ser difíceis, são muitas vezes o último sustentáculo das respectivas famílias, nem sempre solidárias ou gratas.
A violência contra os mais velhos é preocupante e expressa-se nas formas como se organizam as relações entre os ricos e os pobres, entre géneros, as raças e os grupos de idade nas várias esferas de poder político, institucional e familiar.


2. Num sistema com inspiração capitalista, temos o factor económico a ditar regras, onde o humano que deveria ser, simultaneamente, fim e sagrado em si mesmo, passa a ser meio de uma economia desumanizada, transformando cada um de nós em produtos, portanto, descartáveis. Vai sendo favorecida a ideia de que quem não produz, quem não domina os avanços da tecnologia... logo é excluído e taxado de ignorante, inútil ou estorvo.
Incentivados por uma comunicação social que aquece o sistema económico, fixando e impregnando o pensamento de todos nós, sugerindo a cada dia que a velhice não tem lugar existencial no mundo, não é difícil iniciarmos um processo profundo de rejeição aos idosos, sem sequer notarmos os equívocos praticados e por isso mesmo, nem sentimos vergonha, como se nós, praticantes de tais actos, nunca houvéramos de envelhecer. Desde o mundo corporativo, com seus cruéis processos selectivos, que excluem os seniores, ao progressivo abandono ou carência na área da protecção social e demais serviços que deveriam estar disponíveis e em pleno funcionamento, constatamos a inabilidade, tanto no universo privado quanto público, para acolher o idoso, e propiciar-lhe, não só infra-estruturas necessárias, mas também a valoração e a dignidade pertinente a cada vida.
Como resultado de todo um processo educacional omisso, que não trabalha na formação de uma consciência política, social, económica e familiar para se viver com maior qualidade esta fase tão prevista na história dos humanos, é frequente a sua subalternização e insuficiente o auxílio nesta etapa avançada da vida. Tanto o próprio idoso, como os que estão à sua volta, sentem-se sem recursos nesta fase para enfrentar os desafios da vida com qualidade e com esperança.


3. A nossa sociedade deve saber encarar as suas contradições, pois quanto maior o número de contradições menor a qualidade de tudo o que empreendemos. Como uma grande catalisadora, pensar em formas criativas de abrir canais receptivos para que também o idoso contribua efectivamente com as gerações mais novas por meio de seu maior património: suas experiências e vivências adquiridas durante a sua caminhada existencial. O idoso, com a sua sabedoria adquirida nos seus muitos anos de vida, torna-se o transmissor dos valores da cultura tradicional herdada dos seus antepassados e a progressiva harmonia inter-geracional apenas com o contributo de todos é possível.
Preservar a autonomia, independência e dignidade do idoso, promover o conceito de comunidades e instituições amigas dos idosos, implica em sabermos usufruir da beleza que é a vida, em todas as fases da sua natural evolução, com seus desafios, encantamentos, limitações e possibilidades. Qualidade de vida pode ser alcançada a partir de todas as áreas acima relacionadas, mas, acima de tudo, implica na preservação e na partilha do prazer em todos os seus aspectos.
Uma família ou uma sociedade que não enaltece os idosos ou os abandona e maltrata não merece viver o seu presente porque desvaloriza a ciência e a serenidade da experiência, ignora o seu próprio passado e não constrói o seu porvir…



Lino Maia

 

Data de introdução: 2013-06-11



















editorial

O COMPROMISSO DE COOPERAÇÃO: SAÚDE

De acordo com o previsto no Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário, o Ministério da Saúde “garante que os profissionais de saúde dos agrupamentos de centros de saúde asseguram a...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Imigração e desenvolvimento
As migrações não são um fenómeno novo na história global, assim como na do nosso país, desde os seus primórdios. Nem sequer se trata de uma realidade...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Portugal está sem Estratégia para a Integração da Comunidade Cigana
No mês de junho Portugal foi visitado por uma delegação da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa, que se debruçou, sobre a...