1. É questão de justiça reconhecer que, nesta conjuntura, o Estado tem sabido lidar com o sector solidário: uma insuficiente mas simbólica actualização nas comparticipações, a reiterada confirmação de apoio às Instituições, a moderação nas exigências, a transferência de competências e o diálogo constante são sinais inteligentes e positivos.
Independentemente do que nos reserva o futuro e do governo que nos venha a governar, importa que não haja recuo nesta estratégia de respeito para com um sector, que, sendo um inestimável promotor de serenidade na comunidade (mais do que de resignação), também está a ser uma verdadeira almofada social e de encontro de soluções e de envolvimentos.
Mas uma questão merece ser ponderada: no próximo futuro, que Estado social? Estarão as Instituições em condições de se atribuírem na integralidade as funções sociais do Estado? E se estiverem, devem fazê-lo? A quem compete assegurar a universalidade de direitos e o estabelecimento de políticas e percursos sociais?
O Estado que queremos nem se deve alhear de definir e enquadrar políticas sociais nem deve descansar ou “lavar as mãos” ao lado de um sector tão dinâmico e responsável como o é o sector solidário: há competências intransferíveis como o sejam as de apoiar, coordenar, regular e suprir. Se não fosse por outras razões, também o seria para garantir uma república com igualdade e universalidade de direitos sociais e com promoção da liberdade, da fraternidade, do progresso e da justiça redistributiva.
E não restem dúvidas: não se peça ao sector solidário mais do que aquilo de que é capaz (e estão a esgotar-se as suas capacidades) nem aquilo que não lhe compete (e há competências que não adopta)
2. A actual conjuntura de crise está a ser excessivamente longa e manifestamente injusta. Se é positiva a estratégia no respeito pelo sector solidário, o mesmo não se poderá dizer no que se refere à estratégia adoptada para enfrentar os graves problemas orçamentais e as elevadas taxas de desemprego com que nos confrontamos e que em muito também penalizam as Instituições de Solidariedade.
Há dois anos, a questão que se colocava era a de saber por onde começar, já que resolver tudo ao mesmo tempo seria impossível. Alguns líderes de países desenvolvidos, não todos, pareciam perceber que os problemas orçamentais e as taxas de desemprego teriam de ser enfrentados sequencialmente: primeiro, com um esforço de criação de emprego e, depois, com uma estratégia a longo prazo de redução do défice. E porque não começar pela redução do défice? Porque os aumentos de impostos e os cortes da despesa contribuiriam para desacelerar ainda mais a economia, agravando o desemprego. Além disso, cortar na despesa numa economia em recessão acaba por ser contraproducente nem que seja em termos fiscais: quaisquer poupanças na frente de despesa são anuladas pela redução fiscal da contracção da economia. É o ciclo da espiral recessiva, sem inversão que se vislumbre.
Não foi, porém, essa a via adoptada entre nós. Em resultado de ameaças imaginárias e esperanças ilusórias, pensou-se que, se não fossem reduzidos imediatamente os gastos, o financiamento ficaria a custos exorbitantes e não valeria a pena preocuparmo-nos com o impacto da redução da despesa sobre o emprego porque a austeridade fiscal estimularia a confiança, o que beneficiaria a criação de emprego. E, com alguma legitimidade e algum voluntarismo à mistura, foi ensaiada uma estratégia: redução do défice, “custasse o que custasse”, para atrair a confiança; depois viria o tempo da criação de emprego. Iniciou-se, então, o ciclo da austeridade. Um ciclo excessivamente longo e cada vez mais aprofundado, que tem gerado mais pobreza e mais desemprego. E sem resultados visíveis na diminuição do défice, porque nem é a pobreza nem o desemprego que pagam as dívidas.
O esforço tem sido “enorme” e os custos estão a ser excessivos e sem retorno. Custam demasiado a uma comunidade que está exangue.
As políticas económicas baseadas exclusivamente na austeridade falharam.
Falharam também porque a reforma bem ordenada em casa é começada. Exactamente na “casa do Estado”. Reforma com opção pela sobriedade. Menos liberal e mais humano, menos indisciplinado e mais social, menos faustoso e mais moderado, menos autista e mais dialogante, menos fracturante e mais envolvente. Exactamente a via adoptada no sector solidário.
Reconhecer o erro e mudar de estratégia é operação inteligente e patriótica. Ainda iremos a tempo?
3. A pátria sofre - o país urge.
Os últimos acontecimentos fazem temer o pior. Parecia só faltar um ano para o fim de um humilhante protectorado: não falta, porém, quem o queira prolongar.
Porque não aproveitar este ano que resta para a inadiável e corajosa correcção de estratégia, adiando para o fim da troika o início de um novo ciclo político?
O sector solidário, que tem sabido ser sereno, responsável e patriótico, prescreve e reclama responsabilidade e patriotismo.
Lino Maia
Data de introdução: 2013-07-11