1. Parece ter regressado uma certa acalmia ao panorama político nacional. Justificada pelo período de férias? Soluções encontradas? Novos sinais de recuperação? Novo ciclo?
Provavelmente tratar-se-á de uma acalmia transitória porque nem as férias são para todos, nem as soluções parecem consistentes, nem os sinais serão irreversíveis. Provavelmente, ainda não chegou a aurora de um “novo ciclo”. E quando chegar, já não se tratará de um “regresso” a um passado, porque nada será como anteriormente.
Não se pode ignorar que a presente crise tem causas muito profundas, é longa e estará para durar. Todos reconhecem que mais do que de uma crise económica é de crise de valores, com sérias repercussões sociais. Depois de um bom período de reconstrução e desenvolvimento resvalou-se para um período marcadamente consumista. O importante era que o mercado funcionasse: fomentavam-se as necessidades, muitas vezes fictícias, para que aumentasse a produção, fizesse funcionar o mercado e gerasse lucros em espiral expansionista. Justificado pelos fins, o império do mercado deslocalizou as pessoas para fora das políticas.
Mas tudo tem o seu tempo e o tempo do império do mercado também é transitório e nem sempre meritório.
Começa-se a falar de um novo ciclo. Provavelmente a funcionar nos mesmos vícios, caso as pessoas não regressem ao lugar que é seu: o centro.
2. Sinais positivos estão a ser dados pelo Papa Francisco. Porquê? Porque está a trazer as pessoas para o centro das suas atenções e da atenção da Igreja. Tem falado da ternura, do perdão e do encontro. Não são temas novos. Mas sendo tão abordados agora e com tanta proximidade acabarão por vencer e convencer.
Depois, quase em linguagem parabólica, o Papa exemplifica. Na sua primeira conferência de imprensa, a bordo do avião que o transportava de regresso ao Vaticano depois de uma semana no Brasil, Francisco lamentou a discriminação contra os homossexuais e disse que os gays “não devem ser julgados nem marginalizados” mas antes “integrados na sociedade”. “Se uma pessoa que procura Deus de boa vontade, e é gay, quem sou eu para a julgar?”, replicou o Papa, na resposta a uma questão sobre a existência do alegado lobby gay no Vaticano. E, em palavras mais sérias, disse que “há uma distinção entre o facto de uma pessoa ser gay e o facto de fazer lobby. O problema não é ter essa orientação, o problema é fazer lobby em função dessa orientação”. Lembrou, depois, que “o Catecismo da Igreja Católica diz muito claramente que os homossexuais não devem ser marginalizados (por causa da sua orientação) mas devem ser integrados na sociedade”. Abordando desta forma um tema muitas vezes apresentado como fracturante e, consequentemente, inconveniente, o Papa dá o sinal de que para a Igreja e para os humanos cada pessoa é sempre bem mais importante do que as suas orientações, sejam elas de natureza religiosa, sexual ou ideológica
Na mesma conferência de imprensa Francisco reconheceu que as mulheres têm um papel activo: “Uma Igreja sem mulheres é como o colégio dos apóstolos sem Maria”, acrescentando que a mãe de Jesus “é mais importante que os bispos”, completando ainda que “gostaria de ver mais mulheres em posições de liderança na Igreja. Não podemos limitar o papel das mulheres na Igreja a acólitas ou presidentes de uma organização caritativa. Tem de haver mais", disse Francisco. Se o Papa ladeou uma questão não resolvida como a do acesso das mulheres ao sacerdócio, porém, abordando, daquela forma o papel das mulheres na Igreja, quis dizer que todas as pessoas devem ser chamadas a construir o devir colectivo e que ninguém é inferior ou superior a outrem pelo simples facto de ser homem ou mulher. Para o crente não são nem as tradições, nem os preconceitos, nem os mercados que são divinos mas o homem e a mulher que foram feitos à imagem e semelhança de Deus.
3. A Economia (ciência económica) associa “casa” e “costume ou lei” ou também 'governança e administração': daí "regras da casa" ou "administração doméstica".
É imperioso um ciclo novo. Em que a economia seja exactamente vista como a ciência de fazer com que as pessoas e todas as pessoas ocupem o seu lugar e a sua função. Na casa e na “casa comum”.
Certamente, por isso mesmo, um ciclo novo privilegiará os serviços de proximidade, das pessoas para as pessoas. Aí não estará tanto o mercado quanto estarão as pessoas. Também aí poderá estar, certamente, o regresso ao mar e o regresso à terra, porque tanto o mar como a terra são espaços de encontro, de comunicação e de vida. Também poderão estar tanto a industrialização, como o comércio e os serviços. Mas para melhor servir as pessoas e não propriamente o lucro. Estará tudo o que for importante para a vida: das pessoas, porque são as pessoas que aí se realizarão e lucrarão.
Quando as Instituições de Solidariedade insistem numa estratégia com aposta nos serviços de proximidade e o consequente aproveitamento de equipamentos devolutos e o recultivo de terras abandonadas estão a sugerir que, se essa for uma via a adoptar, muitas pessoas se encontrarão como pessoas porque terão a oportunidade de serem construtoras do seu próprio devir e do devir colectivo.
Quando assim já procedem, as Instituições de Solidariedade estão a dar um sinal do que deve ser o ciclo novo: simplesmente mais humano.
Lino Maia
Data de introdução: 2013-08-12