FÉRIAS NA PRAIA

Crianças das IPSS vivem sonho durante alguns dias

Uns vivem em instituições sociais, outros são portadores de deficiência, alguns são órfãos, há também os que são de famílias carenciadas económica e socialmente e os que não têm nada disto, em comum têm o facto de frequentarem IPSS ou as respostas sociais das Juntas de Freguesia e o serem crianças e jovens com os mesmos sonhos e desejos de todos os outros.
Em época de Verão, o grande apelo vem da praia e os portugueses são por natureza devotos ao mar, sendo certo que o campo e a montanha encerram também encantos… tamanhos!
Uns até vivem junto à orla costeira e o mar até faz parte das suas vidas, outros viram o mar pela primeira vez já frequentavam, pelo menos, a escola primária.
Desfrutar dos prazeres da praia quando se é criança é experienciar uma sensação única, que os petizes exploram como mais ninguém e ter essa experiência é sempre algo de marcante e que deixa vontade de repetir infinitamente.
“É muito importante, porque apesar de eles serem especiais devem ter oportunidades como todos os outros. Vê-las felizes é o essencial”. Afirmou, ao SOLIDARIEDADE, Mafalda Cunha, directora-geral do CASCI (Centro de Apoio Social do Concelho de Ílhavo), aquando da visita à praia de um grupo de crianças e jovens do Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) da instituição à praia da Costa Nova para uma aula de surf.
“O dia da chegada é um dia de muita alegria e vemos isso nos olhos de todas as crianças, sejam de que faixa etária for”, sustenta por seu lado Marisa Cruz, do Centro Social João Paulo II, na Apúlia, onde durante os meses de Julho e Agosto a instituição acolhe 400 crianças para colónias de férias na praia durante 10 dias.
Uns e outros, uns mais especiais do que outros, uns com mais dificuldades do que outros, todos partilham da alegria de ir à praia.
Na Apúlia são férias de sonho para crianças do distrito de Braga, oriundas de concelho em que entre as suas terras e o oceano há montes e o horizonte parece ser mais curto.
Tanto os 10 dias que duram as férias, em Julho e Agosto, na colónia balnear da Apúlia, as únicas férias que muitas crianças têm, como a ida à praia da Costa Nova experimentar as sensações do surf são dias especiais para estas crianças, especialmente porque lhes quebra o quotidiano e promove novas experiências.
Nas colónias de férias no Centro Social João Paulo II as crianças integram grupos de cerca de 100 crianças, pelo que as amizades de Verão florescem, o que ainda acaba por, no fim, deixar mais saudades.
“Eu gosto de tudo aqui, da piscina, dos amigos, das pessoas novas que conhecemos e isso é que é bom. É bom conhecer pessoas de terras diferentes e depois manter o contacto… E por vezes é aqui que conhecemos pessoas da nossa terra, já me aconteceu”, diz Eduarda Ferreira, 13 anos, natural de Caldas das Taipas, concelho de Guimarães, uma opinião corroborada por Lourenço Fontes, 13 anos, de Cabeceiras de Bastos, cuja preferência vai para a “piscina”: Isto é muito divertido e fazemos muitos amigos novos”.
Ambos vão para a Apúlia há já três anos, sendo que este foi o último por estarem no limite de idade. Eduarda tem uma missão acrescida pela última vez que é tomar conta da irmã, “para ela não fazer asneiras”, afirma, referindo-se à irmã mais nova, Francisca, de nove anos.
“Esquecem tudo durante os 10 dias que aqui passam. É a praia, a piscina, a alimentação, os novos amigos e o apoio que têm do nosso pessoal”, assegura Maria Teresa Falcão, presidente do Centro Social João Paulo II.
Especialmente quando a maioria têm vivências complicadas, algumas vivem em famílias desestruturadas, passando mesmo necessidades.
“A maior parte são crianças carenciadas e algumas vêem o mar pela primeira vez quando para aqui vêm”, sustenta Marisa Castro, deixando um alerta: “Sentimos que as férias deles são estas. Recebemos aqui crianças que sentimos que passam fome e isto é muito grave nos dias que correm. Aqui dá para nos apercebermos bem dessas coisas. São crianças com problemas sociais, com problemas familiares. É certo que a maior parte das crianças que vêm para cá vêm de uma carência média-baixa que, felizmente, se cruzam com outras de famílias ditas normais, mas também com dificuldades, e todas vão partilhando os seus problemas. Sentimos muito isso com crianças de pais separados e vemos algumas histórias de vida muito marcantes”.
Lourenço não hesita em dizer que o que mais aprecia na colónia “é a comida”.
“Gosto muito da comida, principalmente da sobremesa doce à noite”, diz sorrindo, ao que Eduarda acrescenta: “É que ao almoço é sempre fruto”.
A jovem das Taipas diz que “há sempre alguma confusão uns com os outros”, pois não deixa de ser uma centena de miúdos e miúdas dos 6 aos 12 anos, “mas acaba sempre tudo bem”, deixando um elogio a quem é responsável pelo grupo: “As monitoras são nossas amigas”.

Quem comanda (uma coordenadora e um monitor por cada sub-grupo) tem a missão proporcionar diversas actividades, promovendo a participação de todos.
Entre a praia e a piscina, há sempre espaço para ocupar o tempo e desfrutar do momento de outras formas.
Jogos, visitas à vila da Apúlia, especialmente se o tempo não ajudar à praia, caminhadas e uma série de actividades lúdicas, como música, teatro, jogos e dança, preparadas pelos próprios, que depois apresentam no salão de festas da instituição são algumas iniciativas a que os jovens aderem muito bem, mas há uma que faz as delícias de todos.
“Temos uma parceria com a discoteca Pachá e o bar Bib’Ofir que permite às nossas crianças passar tardes a ouvir música, a dançar, no fundo, a passar um dia diferente. É uma ida à discoteca o que é uma alegria enorme para eles”.
São momentos que jamais se esquecem, marcos na vida de qualquer criança e jovem, tal como a experiência de deslizar as ondas, como o fizeram os utentes do CAO do CASCI e do Lar de Infância e Juventude da Obra da Criança, estrutura da IPSS Património dos Pobres, também de Ílhavo.
“Estas iniciativas são importantes e apesar de pequeninas e esporádicas têm um significado muito grande para estas crianças”, defende Mafalda Cunha, assegurando: “Ficaram muito felizes… e a Ticha e o Rui especialmente. Eles, que são atletas de natação adaptada medalhados, deliraram”.
“É um contributo, uma mais-valia muito grande para eles, uma vez que passam muito tempo na instituição e uma iniciativa desta natureza faz com que eles saiam, se divirtam e aproveitem um quotidiano que não vivem naturalmente”, sublinha Joana Pires, educadora social no LIJ da Obra da Criança, que acrescenta: “É muito positivo. A avaliar pela reacção deles foi muito bom, eles ficaram muito entusiasmados e quiseram participar mais uma vez. Foi muito divertido e positivo e foi uma manhã diferente, o que é muito bom”.
Se os que vão para a Apúlia não convivem frequentemente com a praia, no caso destes jovens, não se passa assim. Porém, fazer uma aula de surf, promovida pela Associação de Surf de Aveiro, no âmbito do evento desportivo Miss Sumol Cup, é uma experiência semelhante pela novidade.
“Normalmente promovemos sempre iniciativas na praia, uma vez que estamos muito próximos, de maneira a que eles quebrem um bocadinho a rotina e passem a estar mais tempo na praia. Quando há iniciativas destas tentamos fazer sempre com que eles participem, porque é muito bom para eles”, sustenta Joana Pires.
Igualmente para os jovens do CAO ilhavense a manhã foi muito especial.
“Valeu a pena, a água estava muito boa apesar do vento, mas valeu a pena só de ver os sorrisos nas caras deles e a felicidade que eles demonstraram”, assegura a director-geral do CASCI, revelando: “Vieram logo dizer-me que querem fazer isto mais vezes e então a Patrícia, se a deixassem, era o dia todo agarrada à prancha e enfiada na água”.
Quando souberam que iriam ter uma manhã de surf, os jovens da Obra da Criança não hesitaram, até que para alguns foi uma estreia absoluta, conta a responsável: “Ficaram muito entusiasmados, quiseram logo participar e para alguns deles era a primeira vez e foi muito gratificante… Assim têm uma nova experiência”.
O pior é quando acaba… E se as crianças e jovens das IPSS de Ílhavo saíram da praia de sorriso rasgado e cientes que a praia está ali ao lado, já na Apúlia as despedidas são mais tristes e chorosas… É o acordar do sonho e, muitas vezes, o regresso a uma vida que nenhuma criança devia ter.
“A alegria deles é estar cá, levam daqui boas recordações e, no dia da partida, é a tristeza, é a lágrima no canto do olho”, conta Marisa Castro, o que Lourenço, que já não pode regressar mais, confirma: “O último dia é sempre triste”!

TUDO É PROGRAMADO

Marisa Castro, directora-técnica do Centro Social João Paulo II, explica como são organizadas as colónias de férias na instituição da Apúlia.
“Tudo é programado. No final de cada ano organizamos uns cronogramas, em que todas as instituições, sejam elas IPSS, Câmaras Municipais ou Juntas de Freguesia, através do departamento de Acção Social, fazem a sua inscrição pelos turnos e que depois são aprovadas pela Direcção. Julho e Agosto são as para crianças e todas têm a duração de 10 dias.
Todas as colónias têm direito a monitores, que acompanham os seus grupos. No caso das crianças, esta casa tem uma experiência de longa data e temos uma base de dados de jovens estudantes, normalmente das áreas de Educação, Psicologia ou Serviço Social, e que nas férias fazem esse trabalho de monitor durante 10 dias. Nós recrutamos um monitor para cada 10/12 crianças.
Antes de se iniciar a colónia há sempre uma reunião de todos os monitores com a coordenadora da colónia, para conhecimento das regras, do regulamento e do grupo a acolher. A coordenadora de cada turno é uma pessoa, não da casa, mas conhecida ao nível do acompanhamento e apoio das crianças, que passa de um ano para outro ano. Muitos destes estudantes, quando iniciam a sua vida profissional, muitas vezes são chamados, já não para monitores, mas para coordenar. Assim, ano a ano, e mediante a nossa análise sobre a pessoa e capacidade profissional, escolhemos os mais indicados para executar essas funções.
Um dos problemas que sentimos é o das crianças que atingindo os 12 anos não podem vir mais. Para essas crianças acabou a colónia de férias! Então, são incentivadas a, quando tiverem 18 anos, inscreverem-se na bolsa de monitores.
Numa colónia com, por exemplo, 120 crianças há 12 monitores, uma coordenadora e um nadador-salvador. Essa equipa nunca é formada a partir dos recursos humanos da instituição, mas por pessoas recrutadas fora, mediante uma entrevista.
Há algumas IPSS e Juntas de Freguesia que enviam os seus próprios professores, coordenadores e monitores que, depois, são integrados na nossa equipa interna.

 

Data de introdução: 2013-09-07



















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