SOLIDARIEDADE – Há dois anos abandonou subitamente a Assembleia da República para se dedicar a um projecto polémico. Agora está de regresso à política, na qualidade de secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social. Há quem não entenda estes ziguezagues...
AGOSTINHO BRANQUINHO - Ao longo da minha vida profissional, eu sempre quis ter uma autonomia profissional para além da minha vida política. Tive momentos na política e tive momentos na minha vida profissional. Acho que isso me enriquece e me dá uma independência e uma autonomia que de outra maneira não conseguiria. É verdade que faço ziguezagues na minha vida profissional. Já estive na área da comunicação, da saúde, na área do agro-turismo, na área social, por duas vezes. A nível público, estive no Parlamento e do Governo. Eu entendo que este percurso me enriquece e todas as experiências que tive, quer do ponto de vista político quer do ponto de vista profissional, fizeram de mim uma pessoa mais completa em muitos domínios.
O timing do regresso é que, se calhar, não foi o melhor...
Exactamente. Sobre a minha questão da Ongoing. Eu tinha estado no Parlamento seis anos, e entendi que era o momento de voltar à minha vida profissional. Tinha vários projectos e surgiu a hipótese de liderar um processo no Brasil. Ora, eu nunca tinha tido uma experiência internacional e entendi que era aliciante. Acho que fiz um trabalho importante para o grupo. Ao fim de dois anos entendi que era o momento de regressar a Portugal. Não estou nada arrependido de ter tido essa experiência. Muita da polémica surge a propósito de uma pergunta que coloquei (“o que é a Ongoing?”) no âmbito da comissão de inquérito da eventual compra da TVI pela PT. Essa pergunta é uma pergunta descontextualizada. Desinseriram-na de todo o contexto. Aliás, é fácil de ver porque a gravação está no site do Parlamento... E descontextualizaram ainda mais porque eu próprio já tinha escrito várias vezes sobre o grupo Ongoing. Já tinha dito, e é minha opinião ainda hoje, que um grupo de media português, para ter sucesso face às adversidades que existem no mundo dos media, tem que ter uma estratégia de internacionalização. Nessa estratégia, a língua portuguesa deve ser o fio condutor principal e tinha dito que me parecia que o grupo Ongoing, do ponto de vista estratégico, tinha essa linha muito clara e com a qual eu estava genericamente de acordo. Portanto não havia um desconhecimento do que era o grupo Ongoing. Aliás, não fazia nenhum sentido. A pergunta tinha razão de ser porque essa era a questão que estava colocada politicamente no debate da comissão. Julgo que subestimei alguns aspectos dessa minha decisão.
Hoje, que é secretário de Estado, não acha que sua decisão, do ponto de vista político, foi difícil de entender?
Eu admito que tenha sido complicado de entender e já lhe referi que subestimei o impacto da minha decisão. Mas, toda a polémica em torno da Ongoing existe em Portugal e depois de eu estar no Brasil. Toda a polémica surge no primeiro trimestre de 2011, eu já estava no Brasil e não tive nada a ver com os eventos que se passavam em Portugal e que alguns, a serem verdade, não têm nada a ver com a minha maneira de pensar e de ver como é que as coisas devem funcionar.
Isso pesou na sua saída da Ongoing?
Não pesou na minha saída. Eu vim embora quando achei que a missão que entendi que devia cumprir se tinha esgotado.
Tem sido acossado por esse passado recente?
Nada. É engraçado, porque esse é um fenómeno exclusivamente mediático. Eu devo dizer-lhe que estou há dois meses na secretaria do Estado e já visitei mais de quarenta instituições de solidariedade social e nunca senti essa questão. Nunca reparei que houvesse algum melindre, antes pelo contrário. As pessoas são muito simpáticas comigo e, sobretudo, têm uma noção clara de que eu não sou um estranho ao sector social.
Passou quase um ano na Santa Casa da Misericórdia do Porto. Foi como que uma formação sobre o mundo social solidário?
Foi. Já tinha estado, na década de 90, durante três anos na Misericórdia do Porto. Depois tive várias colaborações com a área social ao longo deste meu trajecto. Tive algumas experiências na área da saúde onde contactei com muitas instituições do sector social, mas a minha ida para a Misericórdia do Porto acabou por me obrigar novamente a reflectir e a actualizar muitos dos conhecimentos que eu tinha sobre o sector na área social. Sem falsas modéstias, eu tenho participação activa, escrita sobre as questões da área social desde a década de 90.
Sabe que tem uma tarefa complicada. Existe no sector social a ideia de que o seu antecessor fez um bom trabalho... tem a noção disso?
Tenho. O Dr. Marco António Costa é muito bem visto e noto que as pessoas sentem um carinho muito especial por ele. Aliás, não podia ser de outra maneira. Ele durante dois anos fez um trabalho notável. Colocou a fasquia muito elevada e, por isso, o desafio para mim é maior e é mais aliciante. Espero ter o engenho, a felicidade, a sorte e o empenho de poder continuar o trabalho que estava a ser feito. Acho que nestas coisas, quando os resultados são positivos, nós não devemos fazer grandes mudanças. Aliás, nem ao nível dos gabinetes fiz grandes alterações, fiz apenas ligeiras adaptações. É claro que as coisas são dinâmicas e têm que ter outros desenvolvimentos. Muitas vezes, mesmo depois de eu ter tomado posse como Secretário de Estado, tenho falado com o Dr. Marco António Costa e é das pessoas que eu ouço muito sobre este sector, para além dos parceiros que connosco trabalham.
Tem havido uma séria colaboração com as organizações do sector. Esse é o padrão a seguir?
A estratégia do Governo foi uma estratégia muito clara e está assente num novo paradigma de actuação na área social. Teríamos de passar de um Estado-patrão, tutelar, para um Estado-parceiro. De um Estado que hoje não pode estar em todo lado, nem deve estar, para um Estado que tem de se apoiar nos seus parceiros do sector social e deve confiar a esses parceiros uma parte importante da sua actuação no terreno. Não numa atitude de assistencialismo, de protecção, mas porque estas instituições estão muito mais próximas dos problemas no terreno, desenvolvem um conjunto de acções e têm uma actuação que é muito mais barata do que a actuação que o Estado faz nessa mesma área. Têm uma capacidade de inovação que o Estado não tem. O Estado tem o dever e a obrigação de definir as grandes linhas de orientação, mas a concretização dos programas passa muito pelos parceiros: pelas misericórdias, pelas IPSS, pelas mutualidades. Durante estes dois meses, das muitas coisas que já tive que fazer, houve uma que me deu especial sabor e honra: Assinai um despacho, que já foi publicado, que cria a Rede Local de Intervenção Social. Este despacho concretiza transferência de competências da área de acção social do Estado para as associações de solidariedade social.
Quando vai ser implementada a RLIS?
É um compromisso político que eu assumi desde a primeira hora. Vamos ter, até final do ano, vários projectos piloto no terreno. Mas quero-lhe dizer que este é um trabalho feito, ele próprio em parceria. Tem meses de reflexão onde participou o Ministro Dr. Pedro Mota Soares, onde participou o antigo secretário de Estado, Dr. Marco António, onde participou o Sr. presidente da CNIS, onde participou o Sr. presidente da União das Misericórdias, o Sr. presidente da União das Mutualidades e, em conjunto, foi possível desenhar a Rede. Obviamente, depois cada um de nós dá o seu toque às coisas, mas isto foi um trabalho de largos meses de reflexão e que eu tive a felicidade e a honra de o implementar.
Em que consiste?
Não faz sentido nenhum, que um cidadão que vive no interior do Distrito do Porto, por exemplo, tenha que fazer setenta quilómetros para que um técnico, que está nos serviços distritais,
decida que tem direito a um subsídio social. Por falta de recursos humanos da Segurança Social, no seu concelho, na comunidade onde está a viver, não tem quem faça uma análise da sua situação, dele ou da família. Não faz nenhum sentido. Se naquele local houver alguém, alguma instituição credível que possa fazer este trabalho, deve fazê-lo. O que é que compete ao Estado? Compete monitorar, avaliar os resultados, ver se as coisas estão a correr bem. Esse é um papel nobre que o Estado não se pode eximir. E é esse papel que o Estado deve ter no futuro.
É adepto da política de cooperação que foi materializada no último Protocolo com o Governo?
Com certeza. Estamos a trabalhar na renovação e na ampliação do perímetro desse acordo. É fundamental. Temos que ter a noção que, em Portugal, muito daquilo que é hoje Estado Social, já era feito por estas instituições. Nós temos instituições que têm mais de quinhentos anos e fazem aquilo que, em meados do sec. XIX, mas sobretudo já depois da II guerra mundial, nós definimos como os pilares do Estado Social. E portanto, é uma sobranceria do Estado achar que tem de ser a administração, ela própria a fazer todas as tarefas. O Estado Social reforça-se se nós pudermos contar com o trabalho das instituições. É uma parceria virtuosa e estratégica que nós temos com as instituições do sector social. É uma parceria para manter e alargar nos próximos meses.
Este governo tem apostado na flexibilização das normas. Até onde é possível ir ainda?
Sobre isso, deixe-me dizer-lhe uma coisa que aí já resulta da minha experiência do terreno. O desvario do pensamento da administração central, foi levado nesse aspecto, ao zénite máximo. Criou-se um conjunto de regras, perfeitamente absurdas, que encarecem de uma forma brutal a exploração dos equipamentos sociais numa altura em que Portugal tem uma enorme carência de respostas sociais nalgumas áreas. Tudo isto, na lógica de que os fundos comunitários iriam pagar, não só a construção, mas depois a manutenção desses equipamentos. Nos últimos dois anos, fez-se uma tentativa de por travão a esse desvario. Estamos a chegar a um ponto de equilíbrio entre o que é fundamental e a qualidade das respostas que têm que respeitar a dignidade humana, de cada um dos utentes, seja uma criança, seja um jovem, seja um idoso, seja uma pessoa com necessidades de cuidados continuados ou deficiente. É isso que nós temos que ter presente. Vamos continuar a manter este ponto de equilíbrio, flexibilizar onde é necessário flexibilizar sem nunca por em risco a saúde, a qualidade das respostas para os utentes.
Essa flexibilização permitiu o anúncio de mais cerca de três mil vagas em diversas valências...
Foram três mil novas vagas e vamos ver se ainda é possível continuar. Sobretudo nos equipamentos que estão acabar de ser construídos. Ou nos que vierem a ser requalificados. A estratégia é garantir qualidade, segurança e eficiência ao funcionamento das respostas sociais.
São eficiências que auxiliam na procura da sustentabilidade das IPSS. Que novos instrumentos o Governo estará a pensar para impedir a falência destas instituições?
Essa é a questão que, com toda a sinceridade, mais me preocupa. De facto, mercê de alguns investimentos que foram mal pensados e do endividamento junto do sector financeiro, nós hoje temos um conjunto de instituições, ao longo do país, que vivem problemas muito complexos do ponto de vista financeiro. E aquilo que tem sido habitual, para responder de imediato aos problemas, é o recurso ao Fundo de Socorro Social para impedir o encerramento dessas instituições. São situações de emergência e é assim que se deve agir. Mas, não podemos ficar por aí. Aproveito para lhe dizer que no âmbito da comissão permanente do sector social, nós já consensualizámos a criação de um fundo de 15 milhões de euros, que, anualmente vai ter um reforço da mesma ordem, para apoiar a reestruturação de várias instituições de solidariedade social que neste momento têm problemas financeiros graves. Será um fundo gerido pelas três uniões conjuntamente com o Governo. Não se vai deitar dinheiro em cima dos problemas. Temos que perceber bem o que se passa, fazer um levantamento, uma auditoria da situação dessas instituições, entender porque é que elas chegaram a esse ponto e ajudá-las a sair daí. Admito que possa haver um caso ou outro em que isso não será possível, mas as respostas sociais têm que se manter. Admito que possa haver fusão de instituições, admito que algumas instituições possam tomar conta da gestão de equipamentos que hoje estão em instituições de solidariedade social com problemas financeiros porque esse é o caminho, não tenhamos dúvidas nenhumas.
Há equipamentos novos que podem ficar sem acordos de cooperação?
Os que foram construídos com apoios do POPH e com apoios do FEDER sem nenhum critério de racionalidade, sem que a Segurança Social e os parceiros sociais tenham sido ouvidos, não têm acordos de cooperação garantidos. Vamos ter que fazer uma avaliação, na comissão permanente do sector social, percebendo se existe ou não existe sobreposição de respostas, se existe ou não necessidade daquela resposta e depois vamos tentar encontrar os mecanismos financeiros para poder apoiar isso. Não é uma situação fácil, mas estamos a trabalhar todos para que isso possa ser possível e, volto a dizer, as decisões têm que ser tomadas em parceria, que é assim que as coisas devem ser.
Há, porventura, um excesso de equipamentos de projectos que foram apresentados que podem ficar sem função?
Não podemos falar em excesso de equipamentos, mas má distribuição e, às vezes, com finalidades que não se justificavam. Se um equipamento foi construído para ser uma creche e não há procura de lugares em creches, como é que nós podemos adaptar esse equipamento, por exemplo para um centro de actividades ocupacionais para deficientes, onde nós temos uma carência muito grande, ou até para centro de dia? Temos que fazer análise de malha fina com critérios objectivos, transparentes. Haverá um percurso administrativo, burocrático, uma vez que estão fundos comunitários envolvidos, para pedir autorização e mudar a finalidades desses equipamentos. Não é um processo fácil, mas nós vamos encará-lo de frente e tentar resolver os problemas.
É possível pensar-se que o sector social pode contribuir com emprego para ajudar na recuperação do país, tendo em conta os dados revelados pela conta satélite do sector?
A conta satélite foi elaborada com base no ano 2010. Aquilo que nós sabemos já hoje é que nos anos seguintes, ou seja, 2011, 2012 e este ano 2013, anos em que nós estamos a viver esta crise financeira gravíssima, o sector social teve uma criação líquida de vinte mil novos empregos. E portanto nós isso já sabemos, ou seja, o sector social, mesmo neste período de crise, teve uma dinâmica muito forte. Ele hoje já deve ter acrescentado mais umas décimas aos 5,5% do PIB que na altura representava.
O programa das cantinas sociais manter-se-á até 2015?
O PES, onde se insere o plano das cantinas sociais manter-se-á até ao momento em que nós e os parceiros sociais entendamos que ele não seja necessário. Bom era que não tivéssemos um plano de emergência social. Eu infelizmente estou convencido que vamos ter que manter pelo menos durante o ano de 2014 porque, infelizmente, a dinâmica da economia, a criação de riqueza, de emprego começa a dar os seus primeiros sinais, mas esses sinais ainda não são suficientemente fortes para nós podermos abrandar este radar sobre a sociedade portuguesa e continuarmos a apoiar os que mais necessitam, sobretudo aqueles que caíram em situação de exclusão de um momento para o outro.
Julga que vai ter tempo para incutir um estilo na Secretaria do Estado?
Mais do que um estilo, aquilo que vou tentar é que os serviços da administração central e descentralizada percebam que têm um papel muito importante, que são muito importantes, que têm pessoas muito qualificadas, mas que eles devem compreender o que é o princípio da subsidiariedade. Têm que olhar para as instituições de solidariedade social, eles próprios, também como parceiros, como alguém que vai ajudar bastante para que possam cumprir a sua missão. Se eu conseguir isso, eu acho que já me sentirei, de alguma forma realizado.
Mas também, gostaria ainda, durante o exercício destas funções que são sempre efémeras, gostaria de aprofundar esta transferência de competências para o sector social. Trata-se de uma das maiores reformas que nós estamos a viver no nosso país, uma reforma silenciosa mas uma reforma que tem um impacto brutal no apoio às pessoas que neste momento vivem uma situação de exclusão. Se não fosse o sector social, se não fosse a actuação que estas instituições tem, de uma forma anónima, voluntária, dedicada, de uma forma muito mais eficiente do que o Estado tem agido, se não fosse isso, eu estou perfeitamente convencido que esta crise que estamos a passar teria uma dimensão social maior. Queremos continuar a fazer este processo de transferência de competências, de gestão de equipamentos, de definição de novas regras de actuação no terreno, permitindo que as próprias instituições tenham um perímetro de actuação mais alargado. Se for possível dar passos concretos nessa matéria terei uma avaliação positiva.
Conta ser secretário de Estado até 2015?
Desde que continue a merecer a confiança do Sr. Primeiro Ministro, e do Sr. Ministro do Emprego e da Solidariedade Social. Eu julgo que nós temos todas as condições para governar até 2015. Eu estou convicto de que nós estamos hoje numa nova fase política, um novo momento político. Estão a aparecer resultados positivos, e estou convicto que em 2015, os portugueses nos poderão confiar novamente um novo ciclo político para governarmos o país.
V.M.Pinto (Texto e fotos)
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