1. No dia 1 deste mês de Novembro, na Assembleia da República, foi aprovado na generalidade o Orçamento do Estado para 2014.
O Orçamento é caracterizado por um significativo aumento de austeridade no sector público e nos pensionistas, cortes pesados em áreas como a educação e a saúde, manutenção ou aumento de impostos, com exceção do IRC, que desce, e uma bateria de cortes com um objetivo: atingir um défice de 4% do PIB no final de 2014. O Orçamento de Estado (OE) ainda corta entre 2,5 a 12% nos salários dos funcionários públicos, reduz a pensão de sobrevivência e prevê um crescimento económico de 0,8% e uma taxa de desemprego de 17,7%.
A confirmarem-se as suas projeções, 2014 será o ano em que Portugal se despedirá da Troika e, ao fim de três anos de recessão, deverá regressar ao crescimento.
2. No que às Instituições de Solidariedade (IPSS) diz respeito, para o exercício fiscal de 2014, o Orçamento do Estado estabelece que as taxas das contribuições para a Segurança Social aplicáveis serão aumentadas de 20,8% para 21,2%, como previsto no Código Contributivo de 2010, mantendo-se em 11% para os trabalhadores.
Sobre o IVA, o OE determina a manutenção da repristinação do regime de restituição do IVA previsto nas
alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 20/90, de 13 de Janeiro (que concede à Igreja Católica e às IPSS algumas isenções em sede de IVA), em montante equivalente a 50 % do IVA suportado, excepto nos casos de operações abrangidas pelo
nº 2 do artigo 130º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, (ou seja: o IVA suportado pelas IPSS nas aquisições de bens e serviços relacionados com a construção, manutenção e conservação de imóveis utilizados total ou principalmente na prossecução dos respectivos fins estatutários, desde que constantes de facturas, sem IVA, de valor não inferior a € 997,60), relativamente às quais se mantém em vigor o direito à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado, por se tratar de operações com cofinanciamento público.
A partir de 2014, as IPSS vão passar a poder receber a consignação de IRS relativa ao programa e-fatura, num valor estimado superior a 14,6 milhões de euros.
A medida, que consta da proposta de Orçamento do Estado para 2014, indica que no próximo ano "será alargada a possibilidade dos contribuintes consignarem às instituições de solidariedade social uma parte do seu IRS [Imposto sobre os Rendimentos Singulares] ".
"Com efeito, no âmbito da reforma da facturação, as famílias que solicitarem a inserção do seu número de identificação fiscal nas faturas dos setores de atividade abrangidos pelo regime, poderão optar por reverter o seu benefício a favor da mesma instituição de solidariedade social que indicarem para efeitos de consignação de parte da sua coleta de IRS", lê-se no documento. Esta medida, aliás, já constava do Orçamento Rectificativo recentemente apresentado no Parlamento. Sendo uma medida de montante previsível não muito significativo tem carácter marcadamente simbólico que as Instituições não deixarão de accionar como tal.
3. Numa primeira leitura, o Orçamento do Estado para 2014 parece não penalizar directamente as Instituições de Solidariedade e até as destaca com uma indicação simbólica, como o é a tal possibilidade de consignação de parte da coleta de IRS.
Porém, numa segunda e mais cuidada leitura, o Orçamento do Estado não deixa antever um futuro mais risonho para o Sector Solidário. Efectivamente, o desemprego e as dificuldades crescentes da população têm feito aumentar o número de pessoas que batem às portas das Instituições. Pedem mais ajudas e mais compreensão para as suas dificuldades, nomeadamente a de satisfazer os seus compromissos com as Instituições. Por sua vez, até hoje, as Instituições têm revelado uma enorme, talvez já esgotada, capacidade de compreensão, que as faz ter cada vez mais utentes a contribuírem com menos para as Instituições (e muitos mesmo sem qualquer contribuição). Até agora, particularmente notório na área da infância e da juventude, com uma muito significativa diminuição de comparticipações.
Com os cortes nas reformas e nas pensões de sobrevivência, também certamente os mais velhos começarão a contribuir com menos para as Instituições de Solidariedade, onde estão e frequentam em grande número.
Também as dificuldades da comunidade que empobrece provocará a diminuição da solidariedade comunitária.
A sustentabilidade das Instituições de Solidariedade já está em causa há muito tempo. E não se pode pensar que essa é uma questão que a elas próprias diz respeito: elas têm sido a melhor almofada social. Sempre e particularmente nestes tempos de excessiva e prolongada crise. E um Estado que se quer social tem de assumir que elas prestam, fundamentalmente, serviço público pelo que também é obrigação do Estado prover à sua sustentação para que não sejam obrigadas a desviarem-se da sua matriz que é a de, privilegiando os mais carenciados, não se fecharem a ninguém.
Não deixa de ser oportuna a criação do anunciado fundo de reestruturação económica e financeira, de 30 milhões de euros, criado com o objectivo de tornar as Instituições de Solidariedade “mais sustentáveis”. Porém, não poderá ser criado à custa de acordos de cooperação de Instituições que já estão com a corda na garganta. Aqui - e não apenas aqui - o Estado tem obrigações que as Instituições conhecem...
Lino Maia, presidente da CNIS
Data de introdução: 2013-11-07