1. A exortação apostólica é um documento pontifício de índole catequética e é tradicionalmente publicado após a realização de um sínodo dos bispos.
No seguimento do sínodo sobre o tema da Nova Evangelização, que teve lugar no ano passado, o Papa Francisco publicou agora a "Evangelii Gaudium" (a Alegria do Evangelho) em que lança uma série de pistas para a nova evangelização, a começar por ele próprio.
Abordando o tema, Francisco diz que “não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva sobre todas as questões relacionadas com a Igreja e o mundo” e que é preciso descentralizar a favor dos episcopados locais.
O Papa propõe uma conversão pastoral e missionária; a simples administração não basta, há que tornar as estruturas mais comunicativas e abertas, em contacto com as pessoas. Paróquias, instituições, bispos, o próprio Papa e o Vaticano não escapam à necessidade de conversão.
O Sumo Pontífice afirma que o anúncio da Igreja deve centrar-se no essencial, no que é mais belo e necessário, porque hoje corre o risco de a mensagem aparecer mutilada ou reduzida a um conjunto de regras morais fora do contexto.
Francisco diz-se “aberto a sugestões” para que o seu magistério seja mais fiel a Cristo e às necessidades atuais da evangelização.
2. Porque, como referira João Paulo II, "o homem é o caminho da Igreja", o Papa Francisco lança também um olhar sobre o panorama da economia. Como já a isso nos habituou, fá-lo num estilo muito simples, muito profético e nada superficial. Agora, designadamente, para denunciar a "desigualdade social que gera violência", a "economia de exclusão", a "idolatria do dinheiro" e o "dinheiro que governa em vez de servir". Sobre as vias que a economia vem percorrendo, numa escassa linha o Papa parece dizer tudo: a dado passo, refere que o sistema económico criou "algo de novo: os excluídos não são explorados - são desperdícios, lixo".
Na sua exortação, é tão contundente nas críticas que faz ao capitalismo selvagem que hoje predomina no mundo (chama-lhe a “nova tirania”), como corajoso ao denunciar a “idolatria do dinheiro” e a “sacralização do mercado”. Vivemos sob a tirania dos mercados e da especulação financeira, à qual se junta a corrupção e evasões fiscais à escala mundial. Com a crise financeira, criámos novos ídolos, o dinheiro e o bem-estar anestesiam-nos, vivemos na ditadura de uma economia sem rosto, que nega a primazia do homem e o reduz a necessidades consumistas. Afirma que a economia de exclusão mata. Que é intolerável ser hoje mais importante uma descida na bolsa do que a morte de um idoso com frio, deitar comida no lixo quando há gente com fome, ou excluir pessoas, como se fossem descartáveis. Talvez em nenhum outro documento da Igreja, até agora, tenha sido feita uma denúncia tão forte deste sistema económico, que assenta na autonomia absoluta do mercado.
É à desumanização global criada pelo capitalismo que o Papa se dirige, colocando o combate a esse sistema na primeira linha das prioridades do seu mandato.
O Papa incentiva os peritos financeiros e os governantes a não excluírem Deus, nem esquecerem os pobres, porque “o dinheiro deve servir e não governar!”
Francisco apela ao combate das causas estruturais da pobreza e à promoção de um desenvolvimento integral dos povos e dos pobres a partir de uma nova mentalidade que dê prioridade à vida de todos em vez da posse dos bens por parte de alguns.
E o clamor dos pobres não é apenas por comida, mas também por educação, saúde, trabalho e salário justo.
É uma interpelação muito forte para que não se tomem medidas só a partir dos interesses de alguns ou do capital, mas a partir da dignidade da pessoa humana, do bem comum e da família. Tal implica também uma profunda transformação das nossas políticas e do nosso sistema económico e financeiro que exclui os pobres e as pessoas que têm menos capacidades.”
Não são críticas novas: há muito que os Papas e a Doutrina Social da Igreja as formulam. Mas, porventura, por serem mais contundentes e serem precedidas por gestos claros que a muitos estão a cativar, as palavras do Papa Francisco conseguirão acordar mais consciências. É uma voz muito revolucionária, como também o é o Evangelho, um grande sinal de contradição com muitas tendências deste mundo.
A dimensão social da Evangelização deve influenciar a vida na praça pública.
3. A Economia Solidária, em que se movem as Instituições de Solidariedade, é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza (economia) centrada na valorização do humano e de todos os homens, não do capital. Tem como finalidade a reprodução ampliada da vida. Como tal, organiza-se para prestar serviço público privilegiando os mais carenciados. Combate a pobreza e as suas causas estruturais e gera riqueza imaterial.
Quanto à natureza, há Instituições de Solidariedade de iniciativas de cidadãos e organizações civis, de iniciativa e constituição canónica (Igreja Católica) e de outras Igrejas. Todas elas formam um todo coeso (o sector solidário) e na atual conjuntura, com serena determinação, são distintiva almofada social.
Todas elas, frequentemente, são a voz dos que não conseguem fazer ouvir a sua voz.
Tanto as crentes como as não crentes, também não reivindicam para si o exclusivo da voz do Papa.
Lino Maia, presidente da CNIS
Data de introdução: 2013-12-06