O envelhecimento da população é uma realidade com a qual as sociedades desenvolvidas têm que lidar, pois a esperança média de vida é cada vez mais elevada, ao passo que as taxas de natalidade decrescem a ritmo ainda mais elevado. Portugal não é excepção e os números não mentem.
No nosso País, o Índice de Envelhecimento – relação entre a população idosa e a população jovem, definida habitualmente como o quociente entre o número de pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos – em 1960 era de 27,3%; em 1970 de 34%; em 1981 de 44,9%%; em 1991 de 68,1%; em 2001 de 102,2%; e em 2011 de 127,8%.
Daqui constata-se que com a entrada do novo milénio o número de pessoas que têm 65 ou mais anos ultrapassa o total de jovens entre os 0 e os 14 anos, o que inverte grande mente a pirâmide populacional, criando graves problemas de sustentabilidade ao País.
E se em 1960, quando a população portuguesa total era de 8.889.392, as pessoas com 65 ou mais anos não chegava a um milhão (708.569), já em 2011, de um total de 10.562.178 portugueses, 2.010.064 eram idosos, muitos mais do que os 1.572.329 entre os 0 e os 14 anos, quando em 1960 estes eram 2.591.955, ou seja, mais de um quarto da população.
Do Censos de 2011 não é possível extrair o número de pessoas com 100 ou mais anos, mas sabemos que 240.754 pessoas tinham 85 ou mais anos, enquanto em 1971 era apenas 44.536.
O SOLIDARIEDADE viajou um pouco pelo País, encontrando e conversando com algumas pessoas que cá andam há pelo menos um século. Ter 100 anos, ou mais anos, é logo à partida um feito que poucas e poucos alcançam. Por isso, ficam aqui alguns exemplos de verdadeira resistência e, se alguns esperam apenas a morte, outros há que olham a vida com alegria e… futuro.
Nasceu em 1912 e no passado dia 3 de Dezembro completou 101 anos de idade. Arminda da Conceição Leal nasceu, cresceu e casou no lugar de Parada, freguesia de Vila Nova de Monsarros, concelho de Anadia, onde ainda tem a sua casa e onde preferia estar.
Há oito anos no Lar do Centro Social Paroquial da Moita de Anadia, dona Arminda não deixa de pensar na sua terra e na sua casa: “Gostava de lá ir a Parada, porque ainda lá tenho muita coisa. Estes lugares não me interessam, eu queria era estar em Parada”, lamenta, apesar de não o afirmar “por o lar ser mau, mas é uma prisão”.
Quando confrontada com a falta de condições para estar sozinha em sua casa, a centenária responde de pronto: “Não estou sozinha, ainda tenho dois irmãos”.
Apesar de institucionalizada desde 2005, Arminda Leal é frequentemente visitada pelas noras e demais familiares, que amiúde a levam uns dias até suas casas, quebrando-lhe, assim, o quotidiano, que ela considera fastidioso, no lar da Moita de Anadia.
“São dias inteiros sem fazer nada e na nossa casa temos as nossas coisas e nunca estamos paradas”, argumenta, lembrando que ao longo da sua vida, que “nem foi boa, nem foi ruim”, sempre andou pelo campo, onde tinha o gado e as oliveiras. Aliás, esta época de apanha da azeitona foi sempre “de muito trabalho”, recorda.
Mãe de três filhos, dois homens e uma menina, “que morreu aos 16 anos”, Arminda Leal relembra, com um brilhozinho nos olhos, o Natal em Parada: “Havia muitas raparigas e era sempre um Natal feliz. Havia muitos bailes, mas tudo isso acabou e depois foi uma vida de muito trabalho”.
Queixando-se de ouvir mal, é, no entanto, a falta de vista que mais a apoquenta, temendo bastante a cegueira. “A doença dos olhos é que me deixa triste”, diz quase chorando.
Arminda Leal nunca foi à escola, mas aprendeu a ler e a escrever… por conta própria. Privilégio de poucos, especialmente nos meios rurais, Arminda Leal sentava-se no rebate da sua porta e lia o jornal para todos os que se encontravam na taberna vizinha à sua casa.
“Nunca fui à escola, mas eu e outra amiga íamos para o monte com as cabras e ela, que andava na escola, levava os livros e foi assim que aprendi a ler e a escrever”, recorda. Aliás, até há bem pouco tempo ainda lia o jornal no lar, mas a «maldita» doença dos olhos agora nem isso lhe permite, o que ainda a entristece mais.
De personalidade forte e vincada, Arminda Leal termina a conversa com o SOLIDARIEDADE, repetindo: “Estava melhor em Parada do que estava aqui”.
EM CASA É QUE ESTAVA BEM
Estar no lar também não é o que Maria Generosa, 100 anos completados em 18 de Maio último, mais deseja, apesar de por estes tempos ter a companhia do filho, 30 anos mais novo.
Natural de Chamusca da Beira, freguesia de Lagos da Beira, concelho de Oliveira do Hospital, Maria Generosa está há três anos no lar do Centro Social Paroquial de Sazes da Beira, concelho de Seia.
Também ela gostava mais de estar em sua casa, “uma boa quinta que o meu homem arranjou”, mas ao que o filho retorquiu: “Oh mãe, mas aqui estamos melhor, porque em casa já não tínhamos condições para estar sozinhos”.
Maria Generosa não se conforma, lembrando que o Apoio Domiciliário, que durante algum tempo foi a sua casa, era suficiente.
“A nossa casa é sempre a nossa casa”, argumenta esta centenária que, logo no início da conversa com o SOLIDARIEDADE, perguntou se podia cantar uma canção.
Do passado recorda a sua destreza para a costura e o muito trabalho no campo. “Eu era muito inteligente e uma artista na costura, fazia de tudo, mas com a falta de vista tive que deixar de costurar”, lamenta, relembrando que “o trabalho no campo era muito cansativo”.
Também Maria Generosa teve três filhos, duas meninas e um rapaz, o que agora a acompanha no lar, mas apenas dois são vivos, pois uma das filhas faleceu aos 60 anos… “de desgosto”, diz, sem especificar.
Do passado recorda com muita acuidade a má relação com a mãe. “De noite era eu que tinha que ir pôr o meu irmão a fazer chichi e mudar a fralda ao mais novo, porque ela estava na cama a dormir e não queria saber”, reforça, frisando que a mãe “era má”!
A terminar, Maria Generosa volta a sublinhar a sua habilidade para a costura, rematando: “Eu era uma mimosa”.
ACAMADA MAS EM CASA
Nas Caldas das Taipas, concelho de Guimarães, o SOLIDARIEDADE foi encontrar Leonor Ferreira da Silva, que completou 100 anos no passado dia 10 de Novembro.
Está há 20 anos acamada, mas continua em casa aos cuidados de uma das filhas, de um total de 15 rebentos que pôs no Mundo. Cinco faleceram ainda infantes, tendo vingado seis rapazes e quatro raparigas. Nascida no Brasil, aos nove anos veio para Portugal onde fez toda a sua vida como trabalhadora fabril na empresa têxtil Carneiros.
Dona Leonor já nada espera da vida, especialmente desde a queda que a atirou para a cama há 20 anos. “A minha vida agora é muito ruim, é só sofrer, sofrer, sofrer…”, lamenta, recordando: “Trabalhei sempre muito e nunca deixei os meus filhos passarem perigo e ainda cuidei dos netos”.
Sobre o passado, Leonor da Silva sustenta: “Tive uma vida boa e não deixei que nada de mal acontecesse aos meus filhos. Agora só espero a morte”.
O grande lamento desta centenária é estar acamada… “Precisava de andar. Gostava muito de andar para ir dar umas voltas”, reforça, repetindo: “Agora espero apenas que o Senhor me leve”.
Há 20 anos acamada, a família mantém-na em casa, o que a leva a sublinhar: “Tenho uma família boa, são todos bons e tratam bem de mim”.
O número cada vez maior de pessoas que ultrapassa a esperança média de vida levanta graves problemas de sustentabilidade aos sistemas de Saúde e de Segurança Social, mas na verdade viver mais e viver melhor é o grande desafio a que sistemas têm que dar resposta.
Longa vida a todos e em especial a estes resistentes, que viveram dos piores anos que o nosso País atravessou, em que a fome e a miséria grassavam por todo o território.
JOSÉ MANUEL AINDA PENSA EM CASAR
Há quem o conheça como José Manuel «Baltazar» ou como José Manuel «Sem Tripas», mas foi apenas como José Manuel que foi registado em 1913, ano do seu nascimento.
No dia 2 de Março celebrou, na AITIED (Associação para a Infância e Terceira Idade de Ervedosa do Douro), onde frequenta o Centro de Dia, um século de vida, feito que Ervedosa do Douro não assistia há muito entre os seus conterrâneos.
“Chamo-me José Manuel… não tenho mais porque não me puseram mais nome nenhum”, justifica, ao mesmo tempo que argumenta contra a alcunha «Sem Tripas»: “Esse nome não vale a pena, eu tenho tripas, senão já tinha morrido. Desde que não me chamem ladrão ou assassino, não me interessa o que me chamam”.
De conversa fácil, o senhor José Manuel fala com orgulho da sua vida, que não foi fácil, mas que lhe parece, mesmo assim, ter-lhe sorrido… ao longo deste último século.
“Andei 20 anos com bois e governei a minha vida. Tinha machos bons, ia para a Régua, aos três meses, lavrar e por aqui fazia a mesma coisa. Trabalhei sempre com o gado”, recorda, falando de pronto da família: “Pus quatro filhos na França, um morreu, que era o mais velho, e os outros ainda lá estão”.
Para França foi aos 50 anos… a salto, uma aventura que recordou para a edição do SOLIDARIEDADE de Março deste ano.
Instigado a olhar para o século de vida que leva, não demonstra agrura: “Gosto de tudo na minha vida, só não gosto que me tratem mal, porque eu não trato mal ninguém”.
Sobre o momento actual de Portugal, o senhor José Manuel é de poucas palavras, “o País está em lama”, mas questionado se esta é a pior crise que viveu: “Oh Nossa Senhora, quer que fale na fome que passei? Olhe que passei alguma”.
Apesar de ter completado 100 anos de vida, José Manuel olha o futuro com optimismo. José Manuel quer que a sua vida continue colorida e animada, pelo que a ideia de casar não está posta de parte. Sobre potenciais candidatas, a resposta vem subliminar: “Há aí tantas raparigas… mas não se pode piscar o olho que há muita gente a ver!”.
«MENINA CHARULA» CELEBROU 108 ANOS
Maria de Mello nunca casou e, por isso, toda a vida foi tratada por «menina Charula», especialmente em Cortiços, aldeia onde ainda celebrou o centenário. Oito anos volvidos, foi no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros, distrito de Bragança, que a festa aconteceu, mas a ida para o lar não a deixa muito satisfeita.
"Quem sai de sua casa, não é feliz", lamenta, sendo que dos 108 anos de vida que já conta apenas nos últimos cinco reside no lar.
As dificuldades e a dependência para que tenha o máximo de qualidade de vida possível levaram-na ao Lar da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros, sendo que as suas queixas são a falta de ouvido e o cansaço “de não fazer nada”.
No entanto, como revelou a Irmã Sameiro, que supervisiona o Lar, a «menina Charula» ainda tem uma saúde invejável, recordando alguns pormenores da sua personalidade: “Não quer morrer. Diz que dorme com um olho fechado e outro aberto para ver se a morte chega”.
Ao contrário de muitos outros, continuar viva, apesar da muita idade, é um desejo. Maria de Mello teve sete irmãos, sobreviveu a todos e restam-lhe algumas sobrinhas que vivem longe.
Na festa de aniversário, no passado dia 29 de Novembro, a «menina Charula» recebeu a visita de algumas amigas da aldeia de Cortiços.
Sílvia Sarmento trabalhou oito meses na casa de Maria de Mello, antes de emigrar para França, lembrando que a aniversariante "sempre gostou da sua independência".
Nunca teve profissão, era filha de militar e os seus grandes amores foram “a avó, viajar e andar a cavalo”, como recordou uma outra amiga presente, Mariana Cardoso.
“Todos os anos” viajava para países como Itália, França, Inglaterra, Suíça, recorda Maria de Mello, sublinhando que “a Lisboa ia muitas vezes” e que ainda visitou as Berlengas.
Pelo estrangeiro sempre privilegiou as visitas culturais, com os museus no topo das suas preferências, recordando especialmente a passagem pelo Hermitage, um dos maiores museus de arte do Mundo… Como grande experiência de vida, a «menina Charula» lembra o ter andado de submarino.
Apesar dos 108 anos, olha a vida com esperança e… futuro, o que não deixa de ser uma lição de vida!
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