“Efectivamente, a Obra Social começou na sala de jantar e na cozinha da casa do meu pai e ainda recordo a minha saudosa mãe a fazer umas panelas de sopa que depois o meu pai e os outros vicentinos iam distribuir por pessoas com grandes dificuldades. Isto na altura era um grupo de vicentinos que se propôs dar alguma ajuda a pessoas carenciadas da freguesia e em que os meios não existiam”, conta José Gomes, actual presidente da Obra Social de Nossa Senhora da Boa Viagem, sediada em Vilar, em Massarelos.
Isto começou em 1983, até que cinco anos mais tarde, em 12 de Abril, nascia a Obra Social como instituição, tendo por propósito a prestação do Serviço de Apoio Domiciliário (SAD). A necessidade de criação de uma instituição era efectiva e foi o que aconteceu em 1988.
No resumo histórico publicado no sítio da instituição na internet pode ler-se: «Isto só foi possível com a realização de um acordo de cooperação com o Centro Regional de Segurança Social, em 1987. A partir da assinatura deste acordo e das suas sucessivas renegociações, a Obra Social teve um rápido desenvolvimento, tendo-se verificado, desde então, o aumento dos serviços prestados, bem como, do número de utentes».
Esta citação vem a propósito do que os responsáveis pela instituição pensam relativamente ao futuro, em que a vontade é alargar as respostas sociais. Celebrados os 25 anos em 2013, a Obra Social quer entrar num novo ciclo e tem na calha um projecto que, a concretizar-se, disponibilizará uma valência de que aquela zona da cidade do Porto está carente.
A intenção, e para tal já foi lançada a primeira pedra no passado dia 16 de Junho, é criar um Lar Residencial para Jovens e Adultos com Deficiência, uma estrutura com capacidade para 17 utentes em internamento, mas o propósito é incluir igualmente um CAO.
É um projecto cuja construção rondará um milhão de euros, mas essa não é a principal preocupação de José Gomes.
“O problema maior que colocamos e nos interessa garantir é, em termos de parceria, um acordo com a Segurança Social. Sem esse protocolo é quase inviável arrancarmos com uma obra destas. Isto não é um negócio”, sustenta o presidente da instituição, que afirma haver disponibilidade para a construção, mas mostrando-se algo céptico quanto ao futuro: “Havendo protocolo nós avançamos. Agora, não estou muito optimista, porque o essencial é o protocolo com a Segurança Social para o funcionamento, a partir daí estou convencido que avançamos”.
Este cepticismo prende-se com novos investimentos, porque quanto ao regular funcionamento dos actuais serviços, José Gomes não tem dúvidas: “No futuro a casa vai manter-se com o que temos, vive de boa saúde. Pretendemos melhorar e estamos sempre preparados para isso, mas não vejo qualquer nuvem negra sobre a instituição. Quanto a investimentos, a cautela é apanágio da instituição, herdámos isso e não nos metemos pelo pantanal dentro. O essencial neste caso para o futuro desse projecto é o protocolo de cooperação. Sem isso não avançaremos. Embora já estejamos a investir, como foi com o ante-projecto, que pode vir a ser uma perda total”.
No entanto, os responsáveis pela instituição consideram ser uma resposta cada vez mais necessária.
“Nós já temos dentro de portas dois utentes nessa situação, deficientes e sem família. Tivemos aqui um utente que criou três filhos deficientes sozinho. Esse senhor tratou de tudo das filhas até poder, morreu aqui e nós tomamos conta delas. Uma entretanto já faleceu, mas ainda cá está a outra. Como costumo dizer, nós tratamos dos pais e herdamos os filhos. Temos ainda um outro caso de uma pessoa deficiente que tem 71 anos e que já cá está há 10 anos, quando veio com a mãe, que entretanto faleceu”, conta José Gomes, explicando o porquê deste projecto: “Esta foi uma das razões que nos levou a avançar para este projecto, porque começámos a sentir grande necessidade de dar uma resposta a estas pessoas e, por outro lado, não há respostas nesta área. Nós acolhemos alguns deficientes, porque a grande lacuna que existe é a partir dos 25 anos, em que eles têm que deixar as instituições onde estão e não têm para onde ir. Até aos 25 anos ainda há resposta, mas depois disso não há e só quando mais velhos é que acabam por ser integrados nos lares de idosos”.
A directora-geral da Obra Social, Celeste Oliveira, refere uma outra situação que acaba por dar força a esta vontade da instituição: “A nossa praia, digamos assim, ainda é a terceira idade, não é a área da deficiência, mas nota-se muito, essencialmente nos últimos sete anos, um aumento abismal de idosos com demências que temos no nosso espaço”.
CRESCIMENTO PROGRESSIVO
De olhos postos no futuro, a instituição tem no passado um rico património imaterial de serviço social, mas igualmente material que aos poucos foi construindo, tudo a partir de uma pequena casa em ruínas e de um terreno adjacente.
“Porque os 25 anos de que falamos contam-se desde que se comprou uma casinha aqui onde estamos e que para baixo era terreno. Fez-se um projecto e arranjou-se o edifício, onde apenas funcionava o Centro de Dia. A primeira fase foi a reestruturação desta casa com um acrescento para o Centro de Dia e o Apoio Domiciliário. Depois, conforme foram crescendo as valências, a Obra também foi crescendo em termos de funcionários e de espaço”, recorda José Gomes, que conta com 52 colaboradores.
O SAD foi sempre sendo assegurado, mas o Centro de Dia, com capacidade para 60 utentes, entrou em funcionamento apenas em 1995. Já antes, em 1992, surgira o Centro Comunitário de Massarelos, que actualmente funciona em dois pólos, um na sede, em Vilar, e outro no Campo Alegre.
“No Centro Comunitário, que é a única valência que funciona nos dois pólos, temos os Serviços de Apoio à Mulher, durante todo o ano, e para a infância fazemos o apoio em tempo de férias escolares, pelo que o número de utentes é muito variável consoante a época do ano”, revela Celeste Oliveira.
Posteriormente, em Setembro de 2001, entrou em funcionamento o Centro de Acolhimento Temporário de Idosos «Domingos Gomes», com capacidade para 25 idosos temporariamente acamados ou dependentes, em trabalho de reabilitação física e emocional.
Dois anos depois, em 2003, perante a constatação de uma necessidade emergente na freguesia, a Obra Social criou o Lar de Idosos «Padre Miguel», actualmente com 11 utentes e cuja prioridade são os idosos da freguesia de Massarelos.
RETARDAR A INSTITUCIONALIZAÇÃO
A génese e grande bandeira da instituição é o Serviço de Apoio Domiciliário, que hoje acompanha 70 idosos e que continua a ser a grande aposta da Obra Social de Nª Sª da Boa Viagem.
“Em termos de SAD nunca deixamos ninguém de fora, fazemos questão disso. A coisa tem ficado mais facilitada, porque até há pouco tempo éramos a única instituição a ter essa resposta aqui na zona. Há uns anos, a Paróquia do Santíssimo Sacramento abriu o mesmo serviço e já conseguimos articular e dar resposta com outra facilidade, mas nunca deixávamos de dar resposta em Apoio Domiciliário”, sustenta Celeste Oliveira, que sublinha: “Continuamos a acreditar que a institucionalização é o último recurso e contra nós falamos. Os lares são espaços, de facto, necessários, mas a institucionalização não é de todo o ideal. Continuamos a preferir e a valorizar o Apoio Domiciliário, que os idosos se mantenham no seu contexto familiar e físico, porque é também o sentimento de pertença que essas pessoas têm. Por isso continuamos a tentar fazer com que o SAD vá dando resposta àquelas que são cada vez mais e maiores as necessidades dos idosos. Temos muitos idosos que não têm rectaguarda familiar nenhuma. Neste momento, em internamento, já temos muitos idosos que estão sob a nossa responsabilidade, não têm mais ninguém”.
Sendo uma zona essencialmente de serviços, com os anos tem vindo a perder população, sendo que os utentes da instituição se encontram mais na zona ribeirinha da freguesia, uma zona envelhecida, pobre e degradada.
“Ainda é uma população com um grau de literacia baixíssimo, ainda temos muito idosos analfabetos, com recursos financeiros muito baixos, pessoas que viveram quase toda a vida aqui na freguesia. Agora já vão surgindo outro tipo de pessoas, mas ainda assim continua a ser esse tipo de população que é maioritária”, esclarece a directora-geral da Obra Social, explicando: “É uma população que acabou por ficar sozinha, os filhos partiram e nem as casas davam para os albergar com as famílias que entretanto criaram”.
SAÚDE FINANCEIRA BOA
Trabalhando junto de uma população carenciada e sem mecenas, o presidente da Obra Social orgulha-se de a instituição ter saúde financeira.
“A gestão é muito cuidada e a saúde financeira é boa, porque quando resvala um bocadinho, toca a sineta e vai procurar-se a causa”, assevera José Gomes, que acrescenta: “Não há nenhum segredo nisto, quer queiramos quer não, somos uma casa solidária, vivemos da solidariedade. Não temos só utentes com reformas bastante baixas, também temos alguns, infelizmente poucos, com umas reformas razoáveis, a pagar o custo técnico devido e até temos um que paga mais. Isto não é segredo, mas é apenas um. É uma senhora que os filhos estão em França e tinham-na lá num lar a pagar mais de 2.000 euros e quando lhe dissemos que tínhamos uma vaga, por 1.200 euros, os filhos não hesitaram. Até porque ela já cá tinha estado numa outra situação e tinha gostado”.
O desequilíbrio nas contas, por vezes, é inevitável, apesar de todos os esforços dos responsáveis pela instituição. José Gomes recorda como o falecimento de um utente pode colocar de imediato as contas em perigo: “Recordo sempre um caso em que a situação devia-se ao facto de termos um utente que pagava mais de mil euros e que faleceu e para a vaga criada veio um idoso a pagar 300 euros. Só em três meses as contas desequilibraram-se logo. Não foi surpresa porque já contávamos com isso, porque o utente que entrou estava em lista de espera, já frequentava o Centro de Dia, e não deixou de entrar porque a vaga era anteriormente de um utente que pagava mais de mil euros. Há sítios em que detectamos desequilíbrios, mas em que não há nada a fazer”.
Porém, a gestão apertada e criteriosa, especialmente com gastos e fornecedores, está constantemente debaixo de olho, como sublinha Celeste Oliveira: “A verdade é que há um cerco às contas, andamos sempre em cima de tudo e quando se vê que é algo em que se pode intervir, intervém-se. Agora, há situações em que não se pode mexer e tem que ser a instituição a encontrar soluções”.
De boa saúde financeira e com vontade de crescer, na instituição sente-se que o maior êxito destes 25 anos de vida é “o reconhecimento das forças vivas da cidade, da freguesia e da população relativamente ao trabalho da Obra Social”, defende José Gomes, que afirma com orgulho: “Nesta altura, somos a instituição da freguesia com maior visibilidade e êxito pelo serviço que prestamos e pela credibilidade que conseguimos transmitir para o exterior”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
Não há inqueritos válidos.