A sua figura atlética, de largos gestos e esvoaçantes vestes brancas que acompanhavam a agilidade do corpo que conhecia, por seu passado de actor, o segredo do palco, impressionava a todos e levantava as massas no final dos anos 70, quando foi eleito.
Nos últimos anos, sua figura idosa, alquebrada e enferma continuava impressionando pela coragem em continuar sua missão quando a muitos parecia que deveria renunciar devido à saúde frágil e à idade avançada. Durante muito tempo, João Paulo II lutou valentemente contra a doença que o debilitava, como lutou ao longo de toda a sua vida contra vários inimigos poderosos: a orfandade prematura, a juventude sacrificada de operário, o nazismo, o stalinismo. Quando todos pensavam que ia cair, esse Papa que veio do frio e que sempre soube enfrentar tempestades continuava levantando-se e deixando mensagens que marcaram o mundo e a humanidade, e não apenas os católicos, diante de situações críticas.
João Paulo II deixa certamente um legado importante à Igreja que governou durante tanto tempo. Seu pontificado foi um dos mais longos desses mais de dois mil anos de história do Cristianismo. E certamente um dos mais importantes.
1. Dotado de incrível habilidade de comunicação, foi talvez um dos Papas mais carismáticos que já houve em toda a história da Igreja, senão o mais, pelo menos no segundo milênio. Sua figura atraiu jovens e adultos, crianças e velhos. Levou verdadeiras multidões às ruas e falou firme com líderes de todos os cortes ideológicos. Converteu-se certamente no único líder mundial num momento em que a humanidade, combalida por guerras e divisões de todo tipo, necessitava ardentemente de um porta-voz, um líder em quem pudesse confiar. E João Paulo II certamente foi esse líder
2. Desde que começou seu pontificado. Karol Wojtila adotou um estilo direto e transparente. Nunca foi homem de meias palavras. Sempre deixou muito claro quem era, como entendia sua missão, o que pretendia. Essa transparência, essa clareza, lhe valeram não poucos inimigos. Por outro lado, também lhe conquistaram a admiração e o apoio de muitos que, afastados da Igreja, dela se reaproximaram, cativados pela força pastoral e comunicativa deste novo estilo de ser Papa.
3. Seu Papado teve certamente grandes conquistas no campo da política. Sem dúvida, a mais digna de menção seria a queda do que se convencionou chamar de queda do socialismo real. Ao desabar em 1989 o muro de Berlim e abrirem-se os porões soviéticos empoeirados e apodrecidos , o mundo teve plena consciência de que boa parte daquele fato se devia à grande influência do papa Polonês, que tomara posse onze anos antes. Tendo conhecido por dentro e sofrido por causa do regime que impedia a liberdade de expressão de seu povo, João Paulo II nunca escondeu que considerava o comunismo um grande inimigo da Igreja e que faria o que estivesse ao seu alcance para afastar esse perigo e resgatar seu rebanho da ameaça do comunismo ateu.
4. João Paulo II impressionava por sua coragem e esta é certamente uma das características pelas quais ficará na memória da humanidade. Em nenhuma das situações espinhosas e duras que teve que enfrentar em seu pontificado, foi percebido inseguro e com medo. Nem sequer depois do terrível atentado que sofreu. Muito menos depois da doença que o acometeu e lhe foi minando paulatinamente as forças. Jamais recuou diante da necessidade de comparecer a algum lugar, alguma situação onde acreditasse que a presença do pastor poderia ser benéfica para as pessoas. Nunca recuou diante de nenhum obstáculo, nenhuma distância para percorrer o mundo pregando o Evangelho. Assim disse verdades diante de Fidel Castro e outros grandes líderes poderosos. Assim não escondeu a pouca simpatia que sentia também por correntes mais libertárias da teologia. Assim estabeleceu parâmetros bem claros de sua concepção de ser católico.
5. Aberto para fora da Igreja, autor de documentos muito avançados em termos de doutrina social, o Papa muitas vezes surpreendia por sua abertura a certas novidades no campo eclesial. Foi assim no diálogo inter-religioso, quando convocou o encontro de Assis, no qual todas as religiões rezaram juntas. Foi assim na entrada do novo milênio, quando com imensa humildade pediu perdão ao mundo pelos contra-testemunhos que a Igreja da qual era responsável pudesse ter dado ao longo dos tempos. Entretanto, João Paulo II também foi, paradoxalmente, alguém bastante enérgico quando se tratou das normasdisciplinares e dos princípios doutrinários e dogmáticos intra-eclesiais. Tendo escrito muito em seu longo pontificado, seu pensamento ainda acompanhará a Igreja por um bom tempo. Sua figura
provocou adesões apaixonadas dos que sentiram que finalmente estavam reencontrando sua identidade católica, perdida nas ondas secularizantes do Concílio Vaticano II. Por outro lado alguns se sentiram frustrados com a volta de alguns rigores, que traziam consigo a sensação de que a Igreja recuava com relação ao Concílio e andava para trás em terreno já conquistado.
No entanto, inegavelmente, a figura de João Paulo II nunca deixou ninguém indiferente. Personalidade marcante, fé profunda e inabalável, procurou afirmar em alta e clara voz o depósito da fé pela qual era responsável como Supremo Pastor, portador do cajado de Pedro. Certamente marcou uma época. A Igreja foi indelevelmente marcada por sua maneira de ser e exercer seu magistério e sua missão de pastor.
* in
UOL
Data de introdução: 2005-04-09