Pronto desde Março deste ano, o Lar Residencial construído pelo Centro de Paralisia Cerebral de Beja é, neste momento, um equipamento sub-aproveitado, uma vez que a autorização emanada da Segurança Social foi para continuar a funcionar como Lar de Apoio. Por outro lado, a resposta social idealizada para a infra-estrutura, que triplicou a dimensão e a capacidade, não pode ser concretizada uma vez que a instituição não tem capacidade para a pôr a funcionar sem que primeiro seja celebrado um Acordo de Cooperação.
“O Lar Residencial é uma grande necessidade da instituição e, sobretudo, das famílias. Quando tivermos Acordo de Cooperação vai servir 22 clientes da instituição, mas a lista de espera é muitíssimo maior. Em termos de distrito existem algumas estruturas residenciais relacionadas com a área da deficiência, mas são poucas para as necessidades”, começa por referir Ana Baptista, presidente da instituição, lembrando que “o Centro abrange uma área muito vasta que se confunde com todo o distrito e ainda alguns concelhos limítrofes”.
Quanto a expectativas sobre a celebração de um Acordo de Cooperação que permita à instituição colocar o equipamento em pleno funcionamento, Ana Baptista mostra-se optimista: “Tenho que ter expectativas muito positivas, como é evidente, senão entraríamos em desespero, uma vez que os custos de manutenção do edifício são muito grandes para a instituição e face às restrições financeiras actuais... Dizem-nos que há grandes possibilidades de conseguirmos o Acordo, mas não nos dão uma definição em termos de tempo para a sua celebração. Neste momento, o equipamento está sub-dimensionado, pois temos uma infra-estrutura muito maior para o número de clientes que lá estão. É um equipamento preparado para funcionar 365 dias por ano e agora só tem ocupação de segunda a sexta”.
Actualmente, a estrutura acolhe apenas 14 utentes, os mesmos que já integravam o Lar de Apoio.
A obra teve um custo de 540 mil euros, com o apoio do POPH e o equipamento construído onde era o antigo Lar de Apoio, cujo edifício foi ampliado para o triplo.
“O objectivo sempre foi transformar o Lar de Apoio em Lar Residencial, até porque os primeiros são uma resposta atípica, mas para já não podemos…”, lamenta a presidente da instituição alentejana.
Para além de todos os constrangimentos, a não entrada em funcionamento do Lar Residencial levanta igualmente problemas de ordem financeira.
“A sustentabilidade é uma das grandes preocupações que temos. A situação do Lar tem implicações realmente graves, porque as despesas duplicaram e as receitas mantêm-se. Para ter a estrutura a funcionar como Lar Residencial sem Acordo de Cooperação é quase impossível, porque as famílias não podem comportar o encargo mensal que isso lhes traria. Por essa razão, não vamos optar por essa solução, porque a maioria das nossas famílias já têm uma situação financeira deficitária. Já não eram famílias muito abastadas, mas com a crise que vivemos há três, quatro anos as coisas têm-se agravado”, sublinha Ana Baptista, traçando o cenário económico-financeiro da instituição: “De momento, a situação não é má, ou seja, em termos de liquidez não podemos dizer que a situação é muito complicada… Nunca tivemos qualquer atraso no pagamento aos funcionários e temos praticamente todos os fornecedores com as contas saldadas, à excepção de um dos prestadores de serviços, mas porque o acordo não está a ser cumprido pela empresa. Neste momento, lutamos com algumas dificuldades em termos dos espaços físicos, porque o edifício é muito grande e precisamos de o reabilitar. E se avançarmos com essas obras de requalificação, então entramos numa situação complicada. A opção agora é aguardar e através de algumas candidaturas, de alguns eventos de angariação de fundos e ainda recorrendo a alguns mecenas, que cada vez são menos, fazermos face a este problema. Podíamos optar pela requalificação do edifício, mas teríamos alguns problemas no pagamento de salários e de impostos, que cada vez são maiores nestas casas”.
UM MILHAR DE UTENTES
A requalificação da infra-estrutura e a renovação de alguns equipamentos é, para Ana Baptista, fundamental para manter e até elevar a qualidade do serviço prestado aos cerca de mil utentes da instituição.
“Esta casa tem muitos utentes, porque tem os utentes que usufruem directamente das valências e ainda um número muito mais alargado, pelo protocolo com a Unidade de Saúde Local, que já existe há cerca de 20 anos, em que as consultas de desenvolvimento do Hospital de Beja acabam por decorrer no interior da instituição. Por outro lado, temos uma médica fisiatra, contratada directamente pelo Centro, que nos permite ser um Centro Prescritor de Ajudas Técnicas, onde temos mais um conjunto alargado de utentes. Em termos gerais, prestamos serviço a cerca de mil utentes. E há os utentes que se distribuem pelas valências”, explica, enumerando: “Em CAO temos Acordo de Cooperação para 50, mas neste momento temos um alargamento da capacidade para 60, mas não houve alteração do acordo. No Apoio em Regime de Ambulatório temos cerca de 80 utentes, na Intervenção Precoce 70, na Formação Profissional 23 e a frequência da Escola de Ensino Especial está perspectivada para sete alunos no próximo ano lectivo”.
E se a instituição nasceu há mais de 30 anos com o enfoque na paralisia cerebral, “neste momento, tem utentes com doenças degenerativas, síndromes, pessoas acidentadas que contraíram problemas motores e neuro-motores, alguns com deficiência intelectual”, revela a líder da instituição, concluindo: “Estamos mais dedicados à área motora, mas já temos muita diversidade de clientes”.
33 ANOS DE VIDA
O Centro de Paralisia Cerebral de Beja nasceu em 1981, fundado pelo pediatra local Artur Carvalhal, em conjunto com alguns pais de crianças com problemas neuro-musculares, sobretudo paralisia cerebral.
“Nasceu da carolice, numas instalações cedidas pela Câmara Municipal e com a ajuda da CerciBeja. Posteriormente, o doutor Artur Carvalhal conseguiu, mercê de muitos esforços, angariar fundos para a construção deste edifício onde a instituição funciona desde 1993”, conta Ana Baptista, que recorda a importância da aquisição pela instituição de uma quinta, onde foi também criada a «Horta para Todos»: “A Quinta acaba por ser uma mais-valia, pois é onde decorrem as actividades de hipoterapia e é onde temos também atrelagem adaptada. Na quinta temos ainda uma casa rural, mas que está minimamente adaptada, onde decorrem algumas actividades, nomeadamente colónias de férias e festas para os nossos utentes. E ainda uma piscina descoberta, que no Verão aproveitamos para as actividades de hidroterapia”.
Um dos sonhos da actual Direcção é criar jardins sensoriais na quinta, mas faltam verbas para o concretizar.
“Tentámos avançar para um projecto diferente ao nível da horta, na área das colónias de férias, alargando-a a outras instituições e à comunidade, e até fizemos uma candidatura ao BPI Capacitar, mas que não ganhámos… É um projecto de jardins sensoriais. A nossa «Horta para Todos» tem potencialidades para tal, mas a reconversão do espaço da horta e a dinamização a outros níveis são projectos futuros que mantemos”, revela a presidente da instituição, dando conta de outros projectos, para já, ainda em mente apenas: “Por outro lado, gostaríamos de promover outras actividades, não apenas para os nossos utentes, mas abertas à comunidade. E cada vez mais queremos ter serviços a nível de reabilitação. São projectos de futuro, não sei se vamos conseguir concretizá-los neste mandato… Queríamos muito ter uma clínica social, que no fundo era esse alargamento à comunidade em geral, para que esta pudesse beneficiar de preços mais baixos e usufruir dos nossos serviços, porque temos um conjunto de técnicos muito qualificados nessas áreas”.
Para além do serviço prestado, estes projectos são vistos igualmente na óptica de trabalhar uma melhor saúde financeira para o Centro.
“Estes projectos pretendem também a promoção de uma maior sustentabilidade, porque não podemos viver eternamente apenas das comparticipações estatais. O objectivo passa também pela criação da auto-sustentabilidade e o alargamento de serviços que sejam úteis à comunidade”, defende a presidente, também ela, tal como outro elemento da Direcção, funcionária da instituição, órgão directivo que integra ainda um utente da instituição, que sofre de esclerose múltipla, e dois pais de clientes do Centro.
A instituição dinamiza ainda algumas modalidades de Desporto Adaptado, sendo utente do Centro de Beja o campeão nacional de boccia de 2013 e que apenas não revalidou o título este ano porque se apresentou doente nos campeonatos nacionais.
“A grande virtude desta casa é trabalhar com o máximo de respeito pelos utentes e tentar ao máximo salvaguardar e defender os seus direitos a todos os níveis, porque acabamos por ter uma intervenção muito alargada, pois tanto trabalhamos a área da educação, como da qualificação profissional, da saúde, da reabilitação… No cômputo geral não funcionamos mal, mas o objectivo é melhorarmos e aí ainda há muita coisa para fazer e precisamos da ajuda de todos”, rematou a jovem líder do Centro de Paralisia Cerebral de Beja.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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