1 - Nesta segunda quinzena de Agosto, passada, como desde há já muitos anos acontece, de férias na Galiza, tive este ano a concorrência da chanceler Angela Merkel no usufruto suave dos encantos dessa dilatada porção do território ibérico, que como que prolonga Portugal para norte.
Salvas as devidas proporções, naturalmente: a chanceler alemã não teve, como eu, o privilégio de mergulhar todos os dias nas águas tépidas das Rias Baixas, nem comeu sardinhas assadas, com um vinho de Ribeiro, ao fim da tarde, num tasco mesmo encostado ao mar e ao sol poente, nem peregrinou os caminhos dos santuários celtas ou cristãos, que se encontram a cada passo na Galiza e que constituem mais uma marca da nossa identidade comum.
Andou a pé, com Mariano Rajoy, por um dos muitos caminhos de Santiago, durante 6 quilómetros, para uma fotografia em ameno registo rural, deu o abraço da praxe, por trás, à estátua do santo e almoçou em Santiago de Compostela, no luxuoso Hostal dos Reis Catolicos, em frente à Catedral, com o primeiro-ministro de Espanha – ouvindo uns assobios de alguns, poucos, manifestantes, postos acauteladamente à distância pela polícia.
“Peregrinos da austeridade” - chamou-lhes, e bem, um cronista galego, mas podia juntar no grupo o pessoal do lado de cá da fronteira, todos mais fiéis, nestes anos que levamos de sacrifícios, de uma “peregrinatio ad loca infecta” do que de uma “peregrinatio ad loca sancta”, para replicar uma antinomia de Jorge de Sena, bem a propósito da visita ao Apóstolo.
Como explicavam os jornais, veio Merkel a Espanha reunir com Rajoy, nas vésperas da reunião do Conselho Europeu, que ia decidir os principais lugares a partilhar em Bruxelas, na época post-Barroso.
Parece que ficou combinado que o próximo presidente do Eurogrupo será Luís de Guindos, ministro do actual Governo de Madrid e que Arias Cañete, ex-ministro de Rajoy, irá a Comissário – constituindo a nomeação de ambos a bem sucedida agenda negocial de Rajoy.
Achei, no entanto, útil registar que a verdadeira chefe da União Europeia tenha ido a Espanha negociar os lugares – demonstrando um respeito pela grandeza e pelo poder castelhano que não vimos relativamente a Portugal, quando os nossos governantes quiseram, como se sabe, que lhes fosse adjudicado um lugar de comissário numa das pastas principais da Comissão Europeia, que andaram a pedir em vão pelos corredores de Bruxelas.
Sem a honra da visita da soberana para esse efeito.
E sem os mesmos resultados.
Como os primos pobres nas famílias ricas, ficamos com o pior lugar na mesa.
Mas o rancor cresce … Como nos primos …
2 – Aconteceu o mesmo connosco: também a chanceler elogiou o enorme esforço de austeridade prosseguido em Espanha pelo governo do Partido Popular, durante os últimos anos.
E, de facto, ao ler diariamente “La Voz de Galicia”, que me ia dando conta do desenvolvimento da vida pública em Espanha, parecia-me que não tinha saído de Portugal.
Quando cheguei às Rias Baixas, os jornais e os respectivos comentadores discutiam os efeitos e as modalidades do resgate aos bancos, que em Espanha, principalmente com as Caixas provinciais, teve uma intensidade e gravidade ainda maior que no nosso País.
Como fizeram? Colocando os activos contaminados num “banco mau” e os activos virtuosos num “banco bom”.
Mesmo assim chamados: o “banco bom” e o “banco mau”.
Tal como cá.
Não há nada de novo debaixo do céu.
Deve ter sido Bruxelas a impor a normalização da nomenclatura – como nos tomates e nas maçãs.
Outro tema dominante: a apropriação pela família Pujol dos recursos públicos da Catalunha, que Jordi Pujol governou durante cerca de 30 anos, cobrando comissões de 15%, para si e para os seus, nas adjudicações que o Governo da Generalitat efectuou durante os seus mandatos.
Apesar de tudo, ainda por cá não tivemos – pelo menos que seja do conhecimento e comprovação geral -, aproveitando o exercício de cargos públicos, corrupção tão generalizada, sistemática e duradoura, a um nível de representação tão elevado.
Mas nunca se sabe …
E também o espectro da prescrição espreita a responsabilização penal do grupo familiar, nessa comunhão de desalento com o que se passa por cá.
Na Andaluzia, por exemplo, governada há mais de 30 anos pelo PSOE, foi há dias preso o ex-conselheiro das Finanças – espécie de Ministro das Finanças do governo autonómico -, Angel (que nome mais apropriado!) Ojeda, com uma acusação de fraude de 50 milhões de euros, em ajudas para cursos de formação.
Onde é que já vimos igual por estas bandas … embora, por cá, sem prisão?
(Uma nota: a actual Presidente do PSOE andaluz, Susana Díaz, referindo que o Partido já havia procedido à expulsão de Angel Ojeda, afirma que “todo aquele que tenha dinheiro em paraísos fiscais não cabe no partido socialista.”
Que pensam disto Seguro e Costa?)
É também diário o relato nos jornais de desmandos nas autarquias, começando logo na de Vigo, com o socialista Abel Caballero – acusado de irregularidades em mais de 200 contratos e de dar emprego na alcalderia a familiares de membros do seu partido.
3 – Há, todavia, um ponto das políticas públicas em que a distinção entre Portugal e Espanha é muito sensível.
Trata-se do discurso sobre as pensões de reforma.
Tal como Passos Coelho, há 4 anos, também Mariano Rajoy se comprometeu com o valor e o princípio da estabilidade das pensões.
Mas ele cumpriu.
Mais do que cumprir: manteve o princípio da actualização anual do valor das pensões – de todas as pensões.
Mesmo nos momentos de maior aperto e de maior austeridade – que não foram menos penosos do que os nossos.
Já sei que me vão dizer que se desconhecia o verdadeiro estado das finanças públicas, em 2011, depois do governo do PS.
Mas também em Espanha o PP herdou o governo do PSOE – com um grau de desconhecimento porventura maior, já que não negociou, no tempo de Zapatero e em conjunto com o então governo, qualquer programa de resgate.
E a tarefa de governar não se aceita a benefício de inventário … Ou então não se vai a votos …
Também me poderão dizer que em Portugal foram aumentadas as pensões mínimas do regime geral e as pensões sociais.
Mas, por outro lado, gente que confiou na promessa de que o valor das pensões era sagrado, viu serem-lhe cortados, em 2012, 14% do rendimento, com a retenção dos subsídios de férias e Natal; e mais de 40% em 2013 e 2014, relativamente às pensões mais elevadas, e 10% na generalidade, pela CES, mesmo de sistemas privados de pensões, como tem explicado o Conselheiro de Estado Bagão Félix.
Afagar, em tempos de empobrecimento, as camadas mais vulneráveis, instilando-lhes o rancor aos que possuem, com legitimidade, maiores recursos do que eles – o mesmo é dizer, no nosso caso, à classe média – não é, forçosamente, uma virtude.
Pelo contrário.
O papel dos descamisados – e ressalvadas as devidas proporções – não tem sido historicamente favorável às soluções democráticas para as crises.
O mundo não começou ontem; nem sequer há 4 anos …
4 – Que Santiago nos valha!
Mas convém não esquecer que foi o nome do Santiago Mata-Mouros que D. Sebastião invocou em Alcácer-Quibir.
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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